O elevador do prédio de Sophia rangeu ao subir, um lembrete de que o edifício de classe média no Brooklyn não compartilhava do glamour dos arranha-céus de Manhattan. Ela encostou-se à parede descascada, o envelope da Blackwood Enterprises seguro contra o peito, os dedos ainda tensos em torno da faca embainhada na bota. O uivo que ecoara no beco há menos de uma hora ainda reverberava em sua mente, assim como o olhar de Ethan Blackwood — intenso, quase sobrenatural, como se ele pudesse enxergar através dela. Mas Sophia Valente não se permitia distrações. O trabalho era sua âncora, sempre fora.
O apartamento 4B era pequeno, mas funcional, um reflexo de sua vida: organizado, prático, sem excessos. A sala de estar tinha um sofá de segunda mão com uma manta azul desbotada, uma mesinha de centro coberta por arquivos e um laptop que já pedia aposentadoria. Uma planta de pothos, teimosamente viva apesar de sua agenda caótica, pendia de uma prateleira ao lado de uma estante lotada de livros sobre criminologia, história e técnicas de investigação. No canto, uma cafeteira antiga exalava o aroma residual de café forte — seu combustível para noites longas.
Sophia trancou a porta com dois giros de chave e ativou o alarme improvisado que instalara, um sistema de sensores baratos que alertava qualquer movimento indesejado. Não era paranoia; era sobrevivência. Anos atrás, quando ainda trabalhava para uma agência de segurança privada, um caso mal resolvido a deixara com uma cicatriz no ombro e uma lição gravada na alma: nunca subestime o perigo.
Ela jogou o casaco no encosto do sofá e abriu o envelope, espalhando os documentos sobre a mesa. Eram relatórios financeiros da Blackwood Enterprises, incompletos, mas com anotações crípticas sobre "experimentos de contenção" e "protocolos lunares". Palavras que não faziam sentido, mas que acendiam um alerta em sua mente analítica. Quem era o cliente anônimo? E por que Ethan Blackwood estava naquele beco, como se soubesse exatamente o que ela buscava?
Sentando-se, Sophia abriu o laptop e começou a digitar, cruzando as informações do envelope com o que já sabia sobre Blackwood. Bilionário, recluso, filantropo ocasional, mas com rumores de conexões com o submundo. Nada concreto, apenas sussurros. Ela parou, os dedos pairando sobre o teclado, quando a imagem dele voltou à mente — aquele meio-sorriso, a forma como ele dissera seu nome, como se o estivesse saboreando. Por um instante, ela sentiu um calor traidor subir pelo pescoço, mas reprimiu o pensamento com um gole de água gelada do copo ao lado. "Foco, Sophia," murmurou para si mesma. Homens como Ethan eram problemas ambulantes, e ela não tinha tempo para isso.
O celular vibrou sobre a mesa, arrancando-a dos pensamentos. A tela mostrava uma notificação de mensagem de um número bloqueado: Cuidado com o que você caça, Valente. Nem tudo é o que parece. Seu estômago se contraiu. Mas, ao deslizar a tela, ela notou outra mensagem, não lida, de Clara, sua amiga de infância e uma das poucas pessoas que ainda insistiam em romper sua muralha de isolamento. “Soph, me liga, por favor. Sei que você tá metida em algum caso perigoso de novo. Tô preocupada. Você não precisa carregar o mundo sozinha, tá?” A mensagem, enviada há duas horas, trouxe um aperto no peito que Sophia não queria admitir. Clara, com sua insistência teimosa em cafés semanais e mensagens carinhosas, era um lembrete de que alguém via além da fachada de profissionalismo. Sophia deixou o celular de lado, prometendo responder depois — se sobrevivesse à noite.
Ela voltou aos documentos, mas um movimento na janela entreaberta a fez congelar. No prédio do outro lado da rua, uma sombra passou rapidamente, o brilho de olhos refletindo a luz da lua cheia, idêntico ao que vira no beco com Ethan. Seu coração acelerou, mas ela manteve a calma, a mão já na faca. O alarme não disparara, o que tornava tudo pior — quem quer que fosse, sabia como se mover sem ser detectado.
Sophia caminhou até a janela, os sentidos em alerta, e espiou a rua. Estava vazia, mas o silêncio parecia vivo, pulsando com uma energia que ela não conseguia explicar. Então, um som baixo veio de trás da porta: um arranhar, como unhas contra madeira, seguido por um rosnado abafado que fez os pelos de sua nuca se arrepiarem. Algo — ou alguém — estava do outro lado, e não era humano.