Sob o sol de bangkok
Sob o sol de bangkok
Por: Tamara Denise
A chegada

O calor era diferente. Não o abafado que Bela conhecia no Brasil — era como se o ar na Tailândia, mais especificamente em Bangkok, fosse mais denso, mais úmido, quase líquido. Como se o mundo transpirasse junto com ela. Assim que cruzou as portas do aeroporto, um bafo quente e carregado a envolveu por completo, como se alguém tivesse aberto a porta de um forno tropical. O suor brotou quase instantaneamente em sua testa, escorrendo pelas têmporas mesmo sob o ar-condicionado que tentava sobreviver nos saguões.

O mundo pareceu girar: motos cruzavam as ruas sem regra, letreiros coloridos piscavam em tailandês, e o cheiro de especiarias se misturava com o escapamento dos tuk-tuks. Era caos. Puro, desorganizado, quase agressivo. Mas também fascinante.

Ela parou por um instante no meio do saguão externo, com a mochila pesando nas costas e a mala surrada na mão, tentando absorver tudo ao mesmo tempo. Um taxista gritou algo que ela não entendeu, acenando com uma placa improvisada; ao lado, uma mulher com um quiosque de bebidas oferecia algo verde e espumante com um sorriso largo.

Inspirou fundo.

Nova cidade. Nova chance.

Era isso que precisava. Depois de meses sufocantes, decisões difíceis e despedidas doloridas, estar em um lugar onde ninguém a conhecia parecia libertador. Ali, era só Bela. Nenhum passado, nenhuma cobrança. Nenhum olhar familiar que lembrasse o que ficou para trás.

Seguiu até o ponto de ônibus indicado por um funcionário simpático que apontou sorrindo, mesmo sem falar uma palavra de inglês. O ônibus demorou quase meia hora para chegar, e nesse tempo ela viu de tudo: um monge jovem com o manto alaranjado atravessando calmamente a rua no meio do trânsito, uma senhora vendendo frutas descascadas em saquinhos plásticos, um cachorro de três patas dormindo sob a sombra de um carro.

Tudo parecia barulhento, confuso, intenso — e, estranhamente, aquilo a fazia se sentir… viva.

As ruas passavam diante dos seus olhos como um filme acelerado. Cartazes com imagens de reis e monges, crianças rindo em uniformes escolares, fios elétricos embolados como novelos gigantes sobre sua cabeça. O motorista do ônibus sorria para ela através do retrovisor, faltando dois dentes na frente, mas com a simpatia de quem entendia turistas perdidos.

A cada nova parada, entrava alguém com uma sacola de frutas, um buquê de flores ou um cheiro forte de curry no corpo. Um menino entrou correndo, agarrou-se ao corrimão e gritou algo para a mãe no fundo do ônibus. Um rapaz subiu com uma gaiola coberta por um pano — Bela não teve coragem de espiar o que havia dentro.

Quando desceu próximo à universidade, a sensação era de estar em um lugar onde tudo acontecia ao mesmo tempo. Vendedores gritando preços, buzinas incessantes, e o som metálico de sinos que vinham de algum templo próximo.

Depois de se instalar em seu quarto — pequeno, abafado e com uma janela que dava para um beco estreito —, sentou-se na cama e fechou os olhos por alguns minutos. O ventilador de teto girava preguiçoso, lançando um vento morno que mal fazia cócegas na pele. Mas ela não se importava. Tinha chegado. E só isso já era o bastante.

Na parede, um pôster desbotado de uma praia qualquer parecia fora de lugar. As paredes eram amareladas, a cama rangia com qualquer movimento, e a escrivaninha tinha marcas de caneta e adesivos velhos. Era simples. Mas era dela — pelo menos pelos próximos meses.

A inquietação logo venceu o cansaço. Precisava se mexer, sentir a cidade, deixar que aquela nova realidade a invadisse. Pegou o celular, abriu o mapa e caminhou sem rumo.

Passou por templos dourados que brilhavam sob o sol da tarde, onde turistas se aglomeravam para tirar fotos e monges caminhavam descalços. Lojas de tecidos com cores que pareciam vivas demais para existir no Brasil. Vermelhos intensos, azuis que quase doíam nos olhos. Bandeiras tremulavam acima das portas, e cada esquina parecia esconder uma história diferente.

Vendedores de rua a abordavam com um sorriso no rosto, oferecendo bolinhos fritos, arroz no bambu, frutas que ela mal sabia nomear. Tentava sorrir, agradecer, dizer “não” com educação, mas às vezes aceitava só pela curiosidade. A língua era uma barreira — mas os sorrisos, os gestos, os olhares... esses falavam com fluência universal.

Parou em uma barraquinha e comprou algo que parecia ser espetinho de frango com pimenta — e chorou de ardência na primeira mordida. Tossiu, lacrimejou, abanou a boca com a mão como se fosse apagar um incêndio.

Riu sozinha, limpando os olhos com as costas da mão.

Era exatamente disso que precisava: sentir alguma coisa de novo. Depois de tudo que passou, até a dor da pimenta parecia um recomeço.

Encostou-se em um poste, observando o movimento. Pensou em como sua vida tinha virado de cabeça para baixo nos últimos meses. As brigas com a mãe. O fim do relacionamento que parecia sólido. A angústia de não saber mais quem era, de onde vinha, para onde ia. Estar ali, agora, naquele lugar quente e caótico, era como reaprender a respirar.

Mas a sensação durou pouco.

Ao atravessar uma ruazinha entre becos, distraída com as lanternas vermelhas penduradas no alto e o céu que começava a mudar de cor com o entardecer, ela ouviu o barulho de um motor acelerando. Um ronco grave e veloz.

Olhou para o lado — tarde demais.

VRUUMMMM!

Um clarão. Um jato de vento. Uma moto preta passou a centímetros dela, fazendo sua mochila quase escorregar do ombro. Bela se desequilibrou, pisando em falso na calçada quebrada.

— Ei! — gritou, assustada, o coração disparado.

A moto freou alguns metros adiante com um chiado seco. O piloto virou o rosto devagar e abaixou a viseira escura do capacete. Olhos puxados, pele dourada, mandíbula marcada. Tatuagens serpenteavam pelos braços, visíveis mesmo sob o calor escaldante e a camiseta preta grudada ao corpo suado.

Ele a observou por alguns segundos, como se estivesse avaliando se valia a pena se desculpar. Como se quase tê-la atropelado fosse apenas um detalhe qualquer. O olhar era de tédio — ou arrogância. Ou ambos.

— Anda com mais atenção, garota. Bangkok não é lugar pra sonhar acordada — disse em inglês perfeito, com um sotaque carregado, mas claro.

E então, sem esperar resposta, arrancou novamente. O barulho do motor ecoou entre os prédios e o cheiro de gasolina e algo inexplicavelmente masculino ficou no ar.

Bela ficou parada por alguns segundos. O coração ainda batia descompassado. Não sabia se estava com raiva, medo ou... curiosidade.

Quem era aquele cara? Por que ele parecia tão familiar e ao mesmo tempo tão impossível? Tinha algo nele — além da moto potente e do olhar preguiçoso — que mexia com alguma coisa nela. Um tipo de liberdade selvagem, perigosa. Um lembrete de que ela estava mesmo longe de casa.

— Idiota. — murmurou, ajeitando a alça da mochila.

Mas, enquanto voltava para a calçada e retomava o caminho, percebeu que seus pensamentos continuavam voltando àquele momento. Ao olhar. Ao tom de voz. Ao frio na barriga.

Caminhou mais um pouco, tentando se distrair. Entrou em uma loja de bugigangas, comprou um leque barato e se abanou exageradamente. O dono riu, dizendo algo em tailandês. Bela sorriu de volta, mesmo sem entender. Mas o efeito da brincadeira durou pouco.

O homem da moto ainda estava em sua mente. O som do motor ainda vibrava em seus ossos.

Sentou-se em um banco de praça próximo, observando um grupo de adolescentes tirando selfies com poses engraçadas. Havia vida por todo lado. Era bonito. Mas dentro dela, uma agitação diferente começava a crescer. Não era só a adrenalina do susto. Era algo mais profundo. Um prenúncio.

Aquele homem não era o tipo de problema que ela queria.

Mas talvez fosse exatamente o tipo de problema que ela iria encontrar.

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