Eu a observei enquanto ela subia as escadas à minha frente, seu passo hesitante, mas não fragilizado. A postura, quase defensiva, como se sentisse que todos ao redor estavam aguardando algum erro da parte dela. Eu a compreendia. Era um ambiente novo para ela, e tudo ao seu redor gritava perigo. Mas ela não se deixava abater. Ela não era uma fraca. Não poderia ser. Não com Luca ao seu lado. A mansão estava quieta à noite, exceto pelo som dos passos. O lugar parecia gigantesco demais para alguém sozinha, e isso me incomodava mais do que deveria. Ela não era uma prisioneira, mas estava presa. Eu sabia disso. E sabia também que era nossa responsabilidade manter isso em segredo. Não podia haver distrações. Rafael já havia saído para dar uma volta pelo perímetro, como sempre fazia depois de uma missão. Enzo estava se ocupando dos detalhes da segurança da casa, vigiando como um predador silencioso. E Adrian… Bem, Adrian era mais difícil de ler. Ele estava ali, mas ao mesmo tempo, não est
A noite estava quieta, com exceção dos sons abafados do vento que arrastava as folhas secas no jardim. Dentro da mansão, eu observava Sara de longe. Ela estava sentada na poltrona perto da janela, o olhar perdido na vastidão da cidade lá fora, como se tentasse encontrar algo além das paredes que a cercavam. Algo que a conectasse ao mundo que ela havia deixado para trás. O som dos passos de Marco a ecoava pela casa, mas ela parecia alheia a tudo. Não conseguia esconder o fato de que ainda estava em guerra consigo mesma. Eu sabia que ela não era como as outras mulheres com quem me envolvi. Ela não se renderia facilmente. Mas o que me intrigava era o porquê dela não ter se afastado ainda, depois de tudo o que aconteceu. O que ela via em mim, no que eu oferecia, ou no que ela acreditava ser capaz de conquistar? Aquela aura de resistência… ela não era apenas uma mulher corajosa, ela era uma mulher que sabia o que queria, embora tivesse dificuldade em admitir isso, até mesmo para si mesma
A chuva caía como se quisesse lavar o mundo inteiro. As gotas batiam contra meu casaco encharcado, e cada passo pela calçada vazia ecoava como um sussurro incômodo no meu ouvido. Eram 23h37 quando girei a chave na porta de casa. Exausta, com o corpo pedindo socorro depois de mais de dezoito horas no hospital, tudo que eu queria era uma ducha quente e silêncio.Mas o que encontrei foi o oposto.Fechei a porta atrás de mim e deixei as chaves caírem na mesinha do corredor. Minha mochila escorregou do ombro. Ia direto para o chuveiro, mas então vi, um rastro escuro no chão. Gotas vermelhas. Não, não gotas. Marcas de Sague.Meu coração deu um salto seco. Travei. A luz fraca da luminária da sala desenhava sombras no chão de madeira, e o silêncio da casa parecia mais pesado do que nunca. Eu deveria ter corrido. Deveria ter ligado para polícia. Mas minha mente treinada em emergência agiu antes de qualquer medo.Meus olhos seguiram o rastro. As marcas iam do parapeito da janela até o centro d
O frio me envolveu de novo. Mas dessa vez, não era da chuva. Era medo puro. Um tipo de medo que nunca senti, mesmo nos piores plantões da faculdade.— Você está dizendo que minha vida corre perigo— Estou dizendo que ela já mudou. — Ele me encarou de novo. — E se quiser viver… vai ter que confiar em mim.Dei um passo para trás.— Confiar em você? Um mafioso? Você invadiu minha casa sangrando, caiu no meu chão, me contou uma história absurda e agora quer que eu confie?Ele suspirou fundo, com um cansaço que parecia pesar mais do que as balas.— Eu poderia ter lhe deixado no escuro. Poderia ter morrido na rua ou invadido qualquer outro lugar. Mas vim aqui. Porque o sangue do seu pai corre em você. Porque ele salvou o meu pai inúmeras vezes. E agora… eu estou pagando essa dívida.A confusão se misturava com a adrenalina. Eu não sabia o que era verdade, mas sabia que aqueles olhos — frios e intensos — não mentiam.— O que você quer de mim? — perguntei, a voz baixa.Ele me olhou por um lon
O corpo estava ali, caído no meio da minha cozinha, com os olhos ainda abertos. O sangue se alastrava como uma sombra, manchando o chão de azulejos brancos. Eu tentava manter a mente funcionando, controlar a respiração, lembrar de algum protocolo de emergência…, mas nada na faculdade de medicina me preparou para isso.Nada no mundo poderia preparar alguém para isso.Luca ainda estava inconsciente, o corpo desfalecido no chão da sala, a respiração superficial e lenta. Seu rosto, apesar da palidez, ainda carregava a expressão endurecida de quem cresceu entre a violência. Mesmo inconsciente, ele parecia pronto para matar.— Droga… — murmurei, ajoelhando-me ao lado dele.Toquei seu pescoço, verificando os batimentos. Fracos. Mas constantes. A hemorragia havia recomeçado com o esforço e a troca de tiros. Pressionei novamente o curativo com força, tentando manter o sangue dentro do corpo dele enquanto minha mente girava em desespero.Então ele se mexeu.Os olhos se abriram devagar, pesados.
Por alguns segundos, tudo ficou em silêncio. Um silêncio tão absoluto que até o som do meu coração pareceu desacelerar. A pergunta dele ainda pairava no ar, como fumaça de pólvora depois de um tiro: “Vem comigo, ou fica e espera eles virem de novo?”Eu sou racional. Sempre fui. Treinada para pensar sob pressão, tomar decisões rápidas em meio ao caos. Mas aquilo… aquilo era diferente. Não era uma escolha clínica entre vida e morte. Era uma ruptura. Um abismo.E eu pulei.— Eu vou. — disse, sentindo a própria voz trêmula. — Só preciso de alguns minutos.Luca assentiu, exausto, e voltou a recostar-se no sofá, enquanto Marco me lançou um olhar breve — de aprovação, talvez, ou de pena. Não sei dizer.Corri para o meu quarto e puxei a mala que ficava guardada embaixo da cama. Ainda tinha poeira dos tempos em que eu imaginava que viajaria o mundo. Engraçado como a vida vira tudo do avesso num estalar de dedos. Agora, era fuga.Joguei a mala aberta em cima do colchão e comecei a pegar roupas
O quarto parecia mais uma cela de luxo do que um refúgio. Tudo ali era bonito, limpo, sofisticado... e absolutamente impessoal. As paredes tinham tons escuros e neutros, e a mobília era moderna demais para ter qualquer afeto. Como se ninguém tivesse vivido ali, mas tudo estivesse pronto para receber alguém em fuga.Eu.Sentei na beira da cama e soltei o ar que nem sabia que estava prendendo. Ainda estava com a roupa do plantão. O sangue nas mangas já tinha secado.De Luca, do invasor, talvez até meu. Nem sei mais. Cada batida do coração parecia um soco no peito, mas meu corpo ainda se mantinha em modo de alerta.De repente, alguém bateu à porta.— Doutora? — uma voz masculina, grave e educada.Me levantei com cuidado e destranquei a porta.O homem do outro lado era alto, de pele morena e olhos âmbar. Tinha o porte de um soldado, mas o rosto de alguém que já sofreu demais. Carregava uma bandeja com o que parecia ser comida.— Matteo pediu que eu trouxesse algo para você comer. E Luca q
POV Luca A chuva batia contra as enormes janelas da sala como uma mão inquieta, tentando entrar. Um prenúncio. Senti a umidade impregnada no ar, como se o próprio tempo pressentisse o que estava por vir. Abaixei a cabeça, apoiando os cotovelos na mesa pesada de carvalho escuro. Cada movimento fazia minhas costelas reclamarem, mas eu não me permitia demonstrar fraqueza. Não na frente dos meus homens. Não agora. Marco entrou sem bater. Como sempre fazia. Lealdade não precisava de convites formais. — Precisa descansar, chefe. — disse ele, de pé diante de mim, as mãos cruzadas atrás das costas. Ergui os olhos para ele. Marco parecia uma parede humana. Imóvel. Inquebrável. Alguém que eu teria ao meu lado até o fim — e que, se eu caísse, cairia junto. — Depois. — murmurei. — Primeiro, temos que falar sobre ela. — A garota? Assenti, olhando para o andar superior, onde sabia que Sara estava se preparando para dormir. Se é que conseguiria. — O que descobriu? — perguntei, puxando um cig