A manhã chegou como um sussurro, envolvendo a casa em uma calma quase palpável. Todos ainda dormiam: as meninas em seus quartos, o resto do mundo parecia alheio ao suave brilho que se filtrava pelas cortinas. Isabel levantou-se cedo, deslizando seus pés descalços sobre o chão frio de madeira enquanto percorria os corredores em silêncio. Cada canto dessa casa estava gravado em sua memória, cada rachadura nas paredes, cada rangido sob o peso de seus passos. Quantas vezes, há vinte anos, havia sonhado com aquele lugar como seu lar. Via Daniel ao seu lado, imaginava risadas infantis ecoando nos quartos vazios, mas aquela bolha de ilusões havia estourado cruelmente. Ele mesmo a obrigara a acordar.Entrou na cozinha, onde o ar ainda cheirava a limpo, impregnado por um leve aroma de cera de móveis. Acendeu a luz e o suave zumbido do fluorescente encheu o espaço. Aproximou-se da geladeira, abrindo a porta com cuidado; a luz branca iluminou seu rosto pensativo enquanto tirava os ingredientes p
Era sábado à tarde, e o céu começava a se tingir de tons alaranjados e violetas enquanto o sol se despedida lentamente. As meninas e eu passamos boa parte do dia limpando a casa, mas agora tudo estava tranquilo. Mía me mostrava seus mangás favoritos, animada ao ver minha reação. "Deus, esse é o sonho de muitos fãs!" pensei, admirando as ilustrações vibrantes e cheias de vida. Rose brincava com Emily na sala, rindo enquanto minha pequena tentava alcançar um bichinho de pelúcia que havia lançado no ar. Ami estava sentada em um canto, absorta em seu livro, com uma xícara de chá quente ao lado dela. Zoe e minha mãe Beca cozinhavam na cozinha, e eu podia sentir o cheiro quente das especiarias se misturando com o pão recém-assado.Victoria, Loretta e minha mãe conversavam no terraço da casa, onde o ar fresco da tarde trazia consigo o som distante das folhas se movendo suavemente. O ambiente era relaxante, mas algo na postura de Victoria chamou minha atenção. Ela estava
O café estava lotado. As meninas e eu íamos de um lado para o outro como formigas trabalhadoras. Já haviam se passado três semanas desde que o café foi reinaugurado, e sempre estava cheio. Era mais trabalho, sim, mas também significava mais gorjetas, e isso era algo bom.Embora entre o trabalho, Emily e as tarefas da escola noturna, eu estivesse exausta, precisava seguir em frente. Tinha que continuar pelos meus sonhos e pelos de minha pequena.Eram quatro da tarde, e como todos os dias nas últimas três semanas, Artemis apareceu pontualmente. Sempre pedia café e, às vezes, uma fatia de bolo de chocolate. Este dia não foi diferente. Ele entrou com seu porte elegante e aquele sorriso tranquilo que parecia iluminar o lugar.Eu gostava de vê-lo. Às vezes conversávamos brevemente, e eu não conseguia evitar me sentir atraída por ele. Sua voz era como um ímã para mim, mas Loretta sempre me chamava a atenção quando eu me distraía demais. Com pesar, tinha
Ainda não consigo entender como fiquei grávida. Mas quando vejo o rostinho da minha pequena Emily, sei que, se pudesse voltar no tempo, não mudaria absolutamente nada. Eu faria o meu melhor por Mily, meu pequeno milagre inesperado. Quando anunciei minha gravidez, a tempestade se instalou. Meus avós e minha mãe ficaram extremamente irritados com a notícia, especialmente meu avô Alonso. Ele não se cansava de dizer que "a história estava se repetindo". Mas, claro, a história da minha mãe está muito longe de ser como a minha. Ela teve um relacionamento, um amor adolescente, do qual eu fui o resultado: outra decepção para a família Mendoza. O nascimento de Emily causou um terremoto em nossa vida familiar. Minha mãe e minha avó perderam seus empregos, meu avô perdeu o dele e, como se isso não fosse suficiente, sofreu um acidente vascular cerebral. Fui expulsa da escola por causa da gravidez e comecei a trabalhar com minha prima Victoria. Mas, em vez de ajudá-la, acabei sendo um fardo par
Mily, que agora dormia profundamente, alheia aos meus pensamentos. Inclinei-me sobre ela e beijei sua testa suavemente, inalando o doce aroma de sua pele. Não importava o que os outros pensassem ou dissessem. Ela era minha, meu pequeno milagre inesperado, e faria o que fosse necessário para protegê-la. Mesmo que isso significasse enfrentar o mundo inteiro sozinha. —Angie, acorda, filha, vai se atrasar —a voz da minha mãe interrompeu meus pensamentos enquanto ela me sacudia suavemente, tentando não despertar a pequena que dormia ao meu lado. Pisquei várias vezes, tentando afastar a letargia que sempre me acompanhava pela manhã. O sono ainda me envolvia como um cobertor pesado, e por um segundo pensei em ignorá-la e permanecer ali, aconchegada ao lado de Mily. Mas sabia que não podia. Hoje era um dia importante, um novo começo. —Mãe, que horas são? —perguntei, esticando os braços enquanto tentava despertar. Nunca fui de levantar cedo. Meu corpo parecia programado para resistir a qual
Eran por volta das cinco e quarenta da tarde, e faltava apenas meia hora para o fim do meu turno no café. Eu me sentia cansada, exausta até, e meus seios estavam cheios de leite materno. Era um dos constantes lembretes de que, mesmo estando trabalhando, havia uma pequena vida esperando por mim em casa. Sentia tanta saudade de Mily que cada segundo parecia uma eternidade. Loretta deve ter notado algo estranho em mim, porque se aproximou com aquele olhar perspicaz que sempre tinha. — Angie, você está bem? — perguntou, fixando seus olhos em mim. — Sim, claro, senhorita Russo, estou bem — respondi rapidamente, tentando soar convincente. — Sério? Porque seu rosto diz o contrário — comentou ela, desconfiada. Senti-me ainda mais desconfortável. Era meu primeiro dia no café, e eu já estava causando problemas. Não queria dar uma má impressão. Envergonhada, respondi: — Estou bem — e sem mais o que dizer, retirei-me para limpar as mesas vazias. Precisava me distrair, afastar-me dessa con
Já tinha chegado em casa alguns minutos atrás. Antes de entrar, parei para comprar fraldas, lenços umedecidos para bebês e uma barra de chocolate porque, bem, uma garota precisa se dar alguns pequenos prazeres. Mas é claro, nem tudo podia ser tão fácil. Assim que entrei na loja, me deparei com alguns dos meus antigos colegas do ensino médio. Só de vê-los foi suficiente para que aquele nó familiar de raiva se formasse no meu peito. Quantas vezes eles me fizeram sentir como se eu fosse menos que eles? As provocações sempre estavam lá, esperando para me lembrar do que eu já sabia: que nunca fui parte do grupo deles, que nunca me viram como mais do que um alvo fácil. Mas o que eu ia dizer a eles agora? Nada. Não valia a pena gastar palavras com aquelas cabeças ocas. Tudo parecia estar indo bem até que cheguei ao caixa. Lá estavam elas: Molly e Vanessa, duas meninas da minha antiga turma. Não sei o que essas pessoas têm, mas parece que estão sempre procurando formas de me fazer sentir
Era domingo, e minha mãe, junto com mamãe Beca, decidiram que seria um bom dia para fazer um piquenique. Apesar de eu ter insistido que não era o melhor momento, ambas se empenharam tanto que, no fim, não tive outra escolha a não ser aceitar. Afinal, um pouco de ar fresco não faria mal a ninguém, certo? Peguei o vestido de Emily, um estilo verão na cor rosa, e o combinei com sapatinhos vermelhos. Enquanto o preparava, pensei em como poderia arrumar seu cabelo. Com apenas seis meses, ela já tinha mechas macias e abundantes que me lembravam muito de mim quando era pequena. —Emily, você tem muito cabelo para uma bebê de apenas seis meses —eu disse enquanto escovava delicadamente seus fios—. O que acha de colocar uns "bombons" no cabelo, como os que mamãe usava quando era pequena? Você gostaria de usar um penteado como o da mamãe...? Eu me lembrava perfeitamente de como minha mãe costumava fazer dois chiquinhos que chamávamos de "bombons". Eu adorava esses penteados, tanto que até tent