Âmbar.
— Comendo de novo, menina? Vai explodir desse jeito!
A voz da minha mãe ecoa na cozinha, cortante, carregada de desprezo. Antes que eu possa reagir, ela arranca o prato com o pedaço de bolo da minha mão. Meu estômago dói de fome, mas sei que argumentar só vai piorar as coisas. É sempre assim, tenho que ouvir calada e acatar suas ordens ou será pior para mim.
— Olha o seu tamanho! — ela continua, o tom ácido. — Ninguém nunca vai te querer se continuar engordando. Você já não é tão bonita e, gorda, todos os homens só vão rir de você.
Cada palavra dela é uma facada. Tento me segurar, engolir o choro, mas sinto os olhos arderem. Não posso mostrar fraqueza. Não na frente dela. Mas são anos de humilhações, de desrespeitos, de palavras duras e que me ferem mais que facas afiadas.
— Mas, mãe, eu só peguei um pedaço de bolo... estou com fome — minha voz sai pequena, um fio que mal consigo ouvir. Deveria me manter calada, não retrucar suas ordens, mas estou com fome. Minha mente nem raciocina direito. Apenas um pouco de comida seria suficiente para acabar com essa dor no meu estômago.
— Se estava com fome, por que não comeu uma fruta? — ela rebate, como se fosse óbvio. — Você nunca segue a dieta, garota. Olha, como sua irmã é linda.
Olho para Aysha. Ela está sentada à mesa, comendo uma salada de frutas, como sempre, perfeita em sua pele impecável, cabelo brilhante e sorriso vitorioso. Ela nem precisa de dieta, mas faz questão de se exibir. Quando percebe que minha mãe está me comparando a ela, abre um sorriso satisfeito. Ela é um monstro e tudo isso é moldado por nossa mãe. Tudo que ela faz é por respaldo dela. Inferniza-me porque nossa mãe permite, aplaude suas atitudes.
— Ela gosta de ser uma baleia, mãe. Deixa essa Fiona comer até explodir.
O riso dela é cruel, cheio de desprezo, e minha mãe ri junto. Não é a primeira vez que ouço isso. E sei que não será a última.
— Você vai ficar sem comer até o jantar. Já passo vergonha demais quando saio com você. Não vou deixar que engorde ainda mais.
Meus olhos se enchem de lágrimas e minha barriga ronca pela falta de alimento. Com as dietas malucas que minha mãe me obriga a fazer, só havia comido ontem à tarde.
— Mas, mãe... — tento implorar, mas ela me corta.
— Sem "mas", Âmbar! Para o seu quarto. Não quero olhar para a sua cara até o jantar.
— Essa menina só me envergonha! Eu nem deveria ter tido você — ela grita, surtando por minha causa mais uma vez. — Eu já tinha três filhos e não queria mais um, mas o idiota do seu pai não se cuidou, e aqui estamos nós, com uma filha que só nos envergonha e dá dor de cabeça. Ai, que ódio.
— Mãe...
— Para o seu quarto, Âmbar! Não quero olhar para a sua cara até o jantar. O que fiz para merecer uma filha assim? — Corta-me aos gritos.
Corri para o meu quarto.
— E cuidado para não cair e descer rolando as escadas! — Aysha gritou e riu com meus irmãos. Eles estavam na sala ouvindo tudo, mas não me defendem, pelo contrário, se juntam a elas para me fazer sentir a pior pessoa desse mundo.
Entro no quarto e fecho a porta com um baque. Meus ombros pesam, minha vista queima e lágrimas transbordam dela. O peso das palavras da minha mãe e das risadas de Aysha desaba sobre mim.
Jogo-me na cama e abafo meus soluços no travesseiro.
Por quê?
Por que eu?
O que fiz de tão errado para ser tratada assim?
Minha mãe sempre me diz que fui um erro. Eu nem deveria estar aqui. Fui a filha que eles não planejaram, que não quiseram. E ela faz questão de me lembrar disso todos os dias. Com palavras diretas, com olhares, com gestos, com comparações. Aysha é a princesa da casa. Linda, magra, admirada. E eu? A sombra que ninguém quer ver.
Sempre me pergunto: por que ser gorda é tão terrível? Por que isso incomoda tanto? Meu peso não machuca ninguém. Não rouba nada de ninguém. Mas, para minha mãe, para Aysha, para meus irmãos, parece ser a maior das ofensas. As piadas, as palavras cruéis, os olhares de nojo... elas me cortam por dentro, dia após dia.
Gostaria de ser diferente. Gostaria de ser amada como Aysha é. Queria sentir o calor de um abraço, ouvir uma palavra de conforto, ver o orgulho nos olhos da minha mãe. Mas tudo que recebo é rejeição. Tudo que ganho são comparações. “Por que você não é como sua irmã?”, ela diz. Porque eu não sou Aysha. Nunca serei.
Eu já quis acabar com isso. Já desejei desaparecer. Acreditava que, se eu sumisse, a dor também sumiria. Que, sem mim, eles não precisariam mais olhar para algo que os envergonhasse. Talvez, sem mim, eles pudessem ser felizes. Mas, mesmo assim, estou aqui. Sobrevivendo.