— Eu ouvi dizer que é um tipo de seita sexual — a garota de preto fala para de vermelho.
A fila para a entrada da Nox Trium — a nova boate da cidade — está a um metro de virar o quarteirão, e enquanto eu espero minha melhor amiga, Brinna, presto atenção na conversa de duas garotas na minha frente.
— A amiga de uma amiga, depois que começou a andar com eles, nunca mais foi a mesma — ela continua. — Minha amiga acha que roubaram a alma dela.
Balanço a cabeça para mim mesma. Como as pessoas podem ser tão supersticiosas?
— O que eu ouvi é que eles se juntam em uma sala e compartilham as mulheres — a de vermelho comenta, e agarra a minha atenção. — Não que eu me importasse de ser dividida entre aqueles dois… Olha para ele, naquela jaqueta de couro…
Meu olhar corre para a pequena porta de metal preto da boate, onde um segurança gigantesco só deixa passar as mulheres. Mas não é o segurança que elas estão admirando.
Calça jeans clara e uma jaqueta de couro marrom. O cabelo é castanho queimado, a pele bronzeada. O pescoço é largo, o maxilar… irresistivelmente masculino.
Quase prendo o ar só de olhar para ele.
Mas há alguma coisa nele… errada. A beleza me atrai, mas um desconforto me aperta por dentro, me perturba a ponto de eriçar os pêlos da minha nuca e dos braços.
Ele sai do meu raio de visão e o segurança deixa mais algumas garotas entrarem.
Afasto aquele homem do meu pensamento. Droga, Brinna, mesmo que seja seu aniversário, não precisava atrasar tanto…
É quando acontece.
Um carro freia bruscamente diante da boate, pneus gritando contra o asfalto.
Minha atenção corre para ele no momento em que a janela do carona se abaixa.
E sob a luz suave do letreiro neon da boate, o cano de uma arma brilha…
Apontado… para mim.
Em uma fração de segundo, um único pensamento: Vou morrer. Sozinha. Como cresci.
Os tiros ecoam pela rua. Secos. Dois.
Por instinto, meu corpo gira, o braço erguido em reflexo para proteger o rosto. O carro dispara para longe tão rápido quanto surgiu, desaparecendo na curva do quarteirão.
E então, eu sinto uma ardência atravessar a pele, mas antes que eu identifique o motivo da dor, o segurança e algumas pessoas me envolvem em perguntas desesperadas.
Quando sigo com os olhos o caminho da ardência, entendo o motivo da preocupação de todos… estou ensanguentada. O fluido rubi escorre grosso e morno pelo meu braço e despenca no chão pelos dedos.
Meu estômago embrulha e as pernas perdem a estabilidade, a escuridão está tomando minha visão e minhas forças.
De repente, mais nada.
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— Ei… acorda… — uma voz masculina, tão calma que chega a parecer angelical, me chama, enquanto sinto um toque na minha bochecha.
Abro os olhos, e a primeira coisa que vejo são íris cor de chocolate me encarando. Pisco algumas vezes e, por reflexo, meu corpo se senta.
Estou em um sofá de couro preto, no que parece ser uma pequena biblioteca. Encaro o homem ajoelhado no chão, na minha frente, e por um instante, prendo o ar.
Meus ombros se enrijecem.
É ele.
— Você se machucou, mas já está bem — diz, e sua voz desliza, se esfregando na minha pele.
Meus olhos descem para o braço. Vejo a gaze cercada de esparadrapos, onde antes ardia.
— Que lugar é esse? — ainda estou atônita.
— É o escritório da boate. Te trouxe quando desmaiou. Se sente bem?
— Sim. Eu desmaio quando vejo sangue… sempre fui assim.
Ele abre o sorriso de canto de boca mais irônico e mais absolutamente hipnótico que eu já vi quando fala:
— Você desmaia com sangue? Que… interessante.
Meus olhos se travam naquele sorriso e quando noto, estou segurando o ar de novo. Me forço a sair do transe inexplicável que está prendendo a minha mente:
— Eu tomei um tiro? Por que alguém faria isso comigo?
— Foi só de raspão. Tentaram atirar em mim. Eu estava voltando para a porta e parei perto demais de você.
— E por que atirariam em você?
Ele dá de ombros, casual, mas os olhos não desviam dos meus:
— Talvez eu tenha pisado em alguns calos com a abertura da boate. A concorrência é grande… essa cidade é cheia de mafiosos…
— Sou Samiel — estende a mão. — Meus amigos me chamam de Sami.
Quando nossos dedos se tocam, sinto o calor dele invadir a minha pele, e um simples cumprimento parece… íntimo demais para um estranho. Indecente. Mas de um jeito delicioso.
Continuo olhando para ele, presa no movimento dos seus lábios.
— Lindo… — limpo a garganta — o… seu nome.
Ele ergue uma sobrancelha e sorri, como se percebesse o efeito vergonhoso que tem sobre mim.
— Agora é a hora que você diz o seu.
Sinto uma sacudida interna, uma enxurrada de vergonha.
— Alexia — digo firme. — Lexi.
— Vem, Lexi. Tenho alguém para te apresentar — Sua voz dança em cada sílaba. Sinto borboletas subirem da boca do estômago até a nuca, meu corpo inteiro reage à presença dele.
Seguimos por um corredor pouco iluminado, aparentemente, no andar superior à boate, onde ainda ouço a música. O corredor termina em uma escada rústica, e quando subimos, uma antessala com um conjunto de sofás em couro se revela.
Mas não é a decoração do lugar que congela o meu corpo — e me deixa completamente atônita.
Bem na minha frente, dois homens e uma mulher estão envolvidos em uma cena de sexo a três tão explícita, que me deixa sem reação.
— Me espere aqui, já volto. — Samiel diz, atravessando outra porta e desaparecendo da minha vista.
Não consigo responder.
A mulher está no meio dos dois, sua boca completamente enterrada no membro de um deles, enquanto o outro está atrás dela, entrando e saindo do seu corpo com tanta força que movimenta todo o trio. Eles estão suados e seus rostos têm tanta satisfação que, por um instante, chego a acreditar que estão sob o efeito de alguma droga.
A umidade que se forma no meu centro parece capaz de escorrer pelas pernas, e a cada movimento deles, minha pele reage como se fosse eu ali. Meu pulso acelera. Não consigo desviar os olhos.
Esfrego as mãos pelos braços, amenizando os arrepios intensos. Eles também me vêem, mas não se importam com a minha presença.
— Você gosta? — A voz surge atrás de mim, baixa e quente.
Viro o rosto e Samiel está ali, seus olhos têm um brilho escurecido. Estava tão presa na cena, que não o vi chegar.
— Não — minto — é vulgar.
Ele só sorri.
— Vem, ele não está aqui.
Sigo atrás dele, com as bochechas e o pescoço ardendo de… nem sei bem o que, e então, encaro a minha mão, onde está o curativo. Arranquei sem nem perceber.
Encaro o local do machucado e…
O que?
Onde deveria ter um corte enorme, de um tiro de raspão, não tem… nada.