O ar da madrugada bateu no rosto de Alejandro assim que ele cruzou as portas do hospital. O frio cortante parecia não afetá-lo, sendo a adrenalina ainda a principal coisa que corria em suas veias, abafando a dor que tentava se manifestar em seu corpo. Seus músculos e articulações protestavam, mas sua determinação era mais forte.
Dois de seus homens o aguardavam no carro preto estacionado a alguns metros, atentos, varrendo as ruas silenciosas. Ao vê-lo, saíram do veículo imediatamente. Javier foi o primeiro a correr para abrir a porta traseira. — Patrón — disse Javier, claramente preocupado com seu estado. Alejandro ignorou o olhar dele. Não precisava de pena nem de alguém lembrando-o da vulnerabilidade que sentia, mesmo que momentaneamente. Entrou no carro, sentindo o ferimento arder sob a roupa manchada de sangue. — Temos que sair daqui agora — rosnou, cerrando os dentes para conter a dor que ameaçava transparecer. — Não quero mais um segundo nesse maldito país. Javier assentiu rapidamente e fechou a porta atrás dele. O carro acelerou pelas ruas desertas. Alejandro encostou a cabeça no encosto do banco, fechando os olhos por um momento. Mas a imagem dela... daquela maldita doutora... teimava em surgir em sua mente. Tão pequena, tão frágil. Mas havia algo nela, algo que o incomodava profundamente. Algo que o fazia lembrar de coisas que preferia ter enterrado. Suspirou, irritado consigo mesmo. Não podia se dar ao luxo de pensar nisso. Não agora. Não quando sua vida estava em risco e ele precisava voltar à Colômbia para reorganizar tudo o que construiu com sangue e suor. Abrindo os olhos lentamente, deixou a raiva tomar conta dele. Raiva era boa. Raiva era combustível. — Me atualizem sobre os homens que ficaram — ordenou, a voz firme e fria. — Quero saber se a informação que vazou já foi limpa. — Estamos cuidando disso — respondeu Santiago, do banco da frente. — Já mandamos nossos contatos na fronteira se prepararem. O jatinho estará pronto em trinta minutos. Alejandro assentiu. Isso era o que ele queria ouvir. Eficiência. Lealdade. Enquanto o hospital ficava para trás, a sensação de que algo — ou alguém — ainda o prendia ali não o deixava. Uma dívida silenciosa que ele ainda não estava pronto para reconhecer. O carro cruzava a cidade em alta velocidade, serpenteando pelas ruas ainda adormecidas. Cada curva, cada farol vermelho ignorado era um lembrete de que o tempo estava contra ele. Ele não podia cometer erros. A todo momento, sua mente tentava trazê-lo de volta à imagem dela. Natalie. O jeito como ela o olhou... não com medo, como tantos outros, mas com algo entre desafio e preocupação sincera. Isso o irritava. E o irritava mais do que ele gostaria. Ele não precisava da compaixão de ninguém. Não dela. Não de mulher nenhuma. Aperto o ferimento, sentindo a umidade quente se espalhar sob o casaco manchado de sangue. Precisava de descanso, mas não seria idiota o suficiente para pedir isso. Seu orgulho sempre foi mais forte que a dor. — Quinze minutos, Patrón — avisou Javier, acelerando ainda mais ao avistar o caminho para o hangar privado. Alejandro olhou pela janela escurecida, o céu começando a clarear no horizonte. Mais um dia. Mais uma batalha. O carro derrapou levemente ao parar diante do portão de ferro, onde dois homens armados faziam a segurança. Eles os reconheceram imediatamente, liberando a passagem sem questionamentos. O jatinho já os esperava, motores ligados, pronto para decolar assim que ele embarcasse. Alejandro desceu do carro com a ajuda de Santiago, engolindo a dor que ameaçava dobrar seus joelhos. Cada passo era uma luta contra seu próprio corpo, mas ele não iria se render. Jamais. Subiu a escada do avião com esforço controlado, sentindo o suor frio descer pelas têmporas. Assim que entrou na cabine, sentou-se no primeiro assento e fechou os olhos brevemente. Mas não havia descanso para ele. Não quando, atrás das pálpebras cerradas, o rosto de Natalie surgia de novo. A forma como seus olhos se encheram de algo que ele não queria reconhecer. Uma preocupação verdadeira. Ele devia esquecê-la. Era só uma mulher. Uma médica de hospital qualquer. Alguém que não tinha lugar no seu mundo sujo e violento. E, ainda assim, quando o avião começou a acelerar pela pista, ganhando impulso para subir, ele soube que não seria tão fácil quanto queria acreditar. O motor do jatinho rugiu enquanto ganhavam altura, deixando para trás a cidade e tudo o que ela representava — inclusive ela. Natalie. Alejandro apertou os punhos, ignorando a fisgada aguda que percorreu seu braço ferido. Era ridículo. Estúpido. Ele tinha coisas mais importantes com o que se preocupar do que uma médica teimosa com olhos que pareciam ver mais do que deveriam. Forçou sua mente a se concentrar no que estava por vir. A negociação. Os ajustes que precisavam ser feitos. Os homens que ainda precisavam ser cobrados pela traição. Era isso que importava. Sobrevivência. Poder. E, no entanto, lá no fundo, uma irritação silenciosa crescia — não com ela, mas consigo mesmo. Ele nunca se permitiu distrações. Nunca. Então, por que diabos aquela mulher ainda estava nos cantos de sua mente? — Patrón — a voz de Javier o tirou de seus pensamentos —, assim que pousarmos, teremos um médico esperando. Cuidará de tudo discretamente. Alejandro assentiu em silêncio, mantendo os olhos fechados por mais alguns segundos. Discrição. Eficiência. Lealdade. Isso era tudo que ele exigia — tudo que confiava. O resto... o resto era fraqueza. E ele não era um homem fraco. Respirou fundo, sentindo a cabine estremecer levemente conforme o jatinho cortava as nuvens. Era um novo começo. Um novo campo de guerra. E ele estaria pronto. Porque era isso que Alejandro Rojes fazia. Sobreviviam. A qualquer custo. Não importava o preço. Não importava quem ficasse para trás. Inclusive ela. A viagem foi curta, como previsto. Meia hora depois, as rodas do jatinho tocaram o solo de outra cidade — outro esconderijo, outro palco onde ele reconstruiria suas forças. Assim que a aeronave parou, Santiago já estava de pé, abrindo a porta e descendo primeiro para garantir a segurança. Alejandro o seguiu com passos firmes, mesmo que cada movimento fizesse sua cabeça latejar. No asfalto, um SUV preto aguardava com o motor ligado. Ao lado dele, um homem de jaleco branco. Discreto, como combinado. — Patrón — ele se aproximou com respeito —, sou o doutor Martín. Estou aqui apenas para trocar seus curativos e garantir que não haja infecção. Alejandro assentiu com um breve movimento de cabeça. Entraram no SUV, e o doutor já estava pronto, com luvas e materiais no banco traseiro. Santiago ficou no banco da frente, atento a tudo. Javier assumiu o volante e acelerou para longe da pista. O doutor retirou o casaco manchado com cuidado e depois foi para as ataduras antigas, que já estavam encharcadas de sangue seco. Ele suportou em silêncio o desconforto quando o médico começou a retirar o curativo, expondo a pele já costurada antes, a linha escura ainda firme contra a pele. — O ferimento está bem fechado, senhor. Só vamos limpar e refazer a bandagem — disse ele, enquanto trabalhava com mãos rápidas e experientes. A ardência do antisséptico foi um incômodo momentâneo, mas ele permaneceu imóvel, encarando o nada pela janela enquanto sentia a nova atadura sendo enrolada firme em volta de sua cintura. Fechou os olhos por um segundo. Ela voltou. Natalie. Sempre Natalie. Mesmo agora, distante, com a vida em risco a cada quilômetro percorrido, era a imagem dela que surgia em sua mente, impertinente e incômoda. — Pronto, Patrón — a voz do médico o trouxe de volta. — Recomendo apenas repouso. E, claro, evitar esforços desnecessários. Ele riu baixo, sem humor. Repouso. No seu mundo, isso não existia. O SUV tomou uma estrada secundária, sumindo entre árvores e sombras. Outro esconderijo o aguardava. Outra guerra. E, ainda assim, em meio a tudo isso, era ela quem continuava atravessando as defesas que ele julgava inabaláveis.