POV Salvattore Bianchi

A noite tinha virado fumaça, e o gosto do silêncio de Rafaella ainda queimava na minha garganta como uísque barato. Eu não dormi. Nem por um segundo. Só fumei. Um atrás do outro. A varanda do meu quarto virou um campo de batalha entre minha culpa e meu desejo.

Pela manhã, desci para o café como se o chão da casa tivesse virado um campo minado. Cada degrau parecia uma provocação. Eu sabia que ela estava ali em algum lugar. E sabia também que ela não queria me ver.

Mas não esperava por Matteo sentado à mesa, com um croissant na mão e aquele sorrisinho maldito nos lábios.

— Dormiu bem, loverboy? — ele soltou, antes mesmo que eu pudesse fingir indiferença.

Suspirei e puxei uma cadeira.

— Vai direto ao ponto, Matteo.

— Ah, Salvattore... — ele jogou o corpo pra trás, teatral. — O homem que resistiu a tortura, interrogatório, guerra entre clãs, e agora está sendo destruído por uma adolescente apaixonada. Isso... isso é poético demais pro meu gosto.

Revirei os olhos, mas não consegui evitar o sorriso torto.

— Cuidado com o que diz. Adolescente ou não, ela é Rafaella Ferraro. Tem mais sangue nos olhos do que metade dos nossos soldados.

— E você está completamente rendido — ele disse, levantando a sobrancelha. — Fala sério, Salvattore. Vi sua cara ontem quando ela dançava com o russo. Parecia que tinha levado um tiro no estômago.

— Foi pior.

Nesse momento, a voz de Erich ecoou do corredor, carregada daquele tom de irmão mais velho que já vinha com julgamento embutido:

— Eu disse pra ele. Ninguém sai ileso quando uma Ferraro entra na jogada.

Ele apareceu na cozinha com o cabelo ainda molhado do banho, camisa semiaberta, e um olhar afiado direto pra mim. Me encostei na cadeira, tenso. Sempre me dei bem com Erich. Nós confiamos a vida um ao outro. Mas esse olhar... esse era o de um irmão desconfiado.

— Bom dia, Erich — disse Matteo, já se divertindo com o clima.

— Bom dia é quando eu não vejo minha irmã trancada no quarto com cara de quem quer matar alguém. Adivinha quem ela quer matar?

Silêncio.

Erich puxou uma cadeira, pegou uma maçã e mordeu como quem está prestes a começar um interrogatório.

— Olha, Salvattore. Eu te conheço. Sei o tipo de mulher que costuma atrair sua atenção. A maioria delas tem algo em comum: pouca roupa, segundas intenções e nenhum filtro emocional.

— E zero consideração por compromisso — completou Matteo, como se fosse um júri informal.

— Exato — Erich assentiu. — Mas a Rafa... ela é diferente. Ela é inocente em algumas coisas, sim, mas não é boba. E não tem estrutura emocional pra ser mais uma nas suas conquistas.

— Eu não quero que ela seja — minha voz saiu baixa, mas firme. — E se você acha que estou brincando com isso, não me conhece tão bem quanto pensa.

Erich me encarou por longos segundos. Depois soltou um suspiro carregado.

— A genética da minha família é um problema — murmurou. — Não tem gente feia entre nós. É um castigo.

Matteo caiu na risada, e até eu soltei um leve sorriso.

— Só estou dizendo — ele continuou — que a Rafa tem um histórico. Ela é intensa. Quando ama, mergulha de cabeça. Mas quando se decepciona... você vai desejar estar do outro lado do mundo.

— Já estou no inferno agora — respondi, encarando o vazio da xícara à minha frente. — Eu não queria machucá-la. E falhei.

Erich se calou por um momento. Matteo também.

— Então conserta — disse Erich por fim. — Mas faz direito. Sem meias palavras, sem covardia. Se vai entrar no coração dela, entra pra ficar. Porque se você quebrar minha irmã, Salvattore... eu não vou hesitar em te derrubar.

O aviso veio calmo. Como tudo o que Erich fala quando está realmente sério. E eu entendi.

Muito mais do que a máfia. Muito mais do que o sangue.

Essa era a chance. A única.

Levantei da cadeira, com o estômago revirado e o coração mais pesado do que uma arma nas mãos.

— Vou resolver isso — prometi.

— Boa sorte — disse Matteo, pegando outro croissant. — Vai precisar. Ela herdou o temperamento da mãe. Já tá de luto pela traição que você nem consumou.

Deixei os dois para trás, pronto para enfrentar o verdadeiro campo de batalha: o coração da mulher que eu não podia mais perder.