A rotina no abrigo havia se tornado previsível. Pela manhã, eu acordava com o barulho dos outros moradores levantando, panelas batendo na cozinha comunitária, crianças correndo pelo corredor enquanto gritavam. Tomava café numa caneca lascada e depois seguia para a biblioteca. As horas passavam entre livros velhos, cheiro de poeira e o som baixo de páginas sendo viradas. Por fora, eu era apenas Marina Costa, a jovem de cabelo curto, óculos grandes e jeito reservado.
Mas por dentro, a cada dia, a mentira pesava mais.
Mas enrolada e perdida.
O ataque dos caçadores havia me marcado. Eu ainda sentia o som das botas correndo atrás de mim, o brilho metálico das armas, a faca prata, o rosnado quase incontrolável que escapou da minha garganta. E depois… o estranho. A forma como ele me olhou, como me chamou de Luna, como se tivesse certeza absoluta de quem eu era. Eu podia mentir para os humanos, mas não para ele. Nem para mim mesma.
Como se ele me conhecesse.
Tentei ignorar.
Na biblioteca, aju