Dimitri Blackthorn
O cheiro veio como um estalo de trovão na noite silenciosa. Pinho queimado e sangue velho Meus olhos se abriram de uma vez, a pele formigando como se meu alfa estivesse arranhando sob a superfície. Não era o vento. Não era a floresta sussurrando. Era algo mais sombrio, mais direto. Perigo. Levantei do banco de pedra com um só movimento, o instinto pulsando em cada veia. Minhas garras ameaçavam surgir, e precisei de um esforço consciente para manter o controle enquanto atravessava o jardim. As folhas úmidas sob meus pés, mas eu já havia me fundido à escuridão. Eles estavam aqui. Dois. Talvez mais. Mas o cheiro, o rastro,me dizia que eram apenas dois idiotas que ousaram atravessar a barreira mágica que cerca minha propriedade. Corajosos ou estúpidos. Foi então que os vi. Dois lobos enormes, de pelos escuros como a noite, rondando o limite do bosque. Um deles rosnava, os olhos âmbar queimando com a marca da alcatéia rival. Eles tinham o cheiro do mesmo grupo que destruiu a família de Scarlet. O mesmo que matou minha Luna. Minhas presas se estenderam, o corpo se transformando no instante seguinte. Ossos estalaram, músculos se alargaram, e minha pele queimou com a transição. Quando meu alfa assumiu, não havia mais hesitação. Apenas fúria. Avancei com um salto. O primeiro deles tentou me morder, mas eu já estava sobre ele antes que sequer pudesse recuar. Minhas garras rasgaram o ombro da criatura, e o uivo que escapou da garganta dele fez os pássaros dormindo levantarem voo. O segundo me atacou por trás. Tolo. Mordi seu pescoço com força suficiente para fazê-lo cambalear para longe, arfando, sangrando. Mas não o matei. Ainda não. — Volte pro seu líder. — minha voz saiu com fúria mesmo em meio à forma— Diga a ele que mandar dois cães farejadores ao meu território foi um erro. Ele tentou recuar, trêmulo. O outro já estava no chão, sem vida, o peito aberto como um livro de lições mal aprendidas. —Diga a ele que se ousar mandar mais, eu não só os matarei… eu arrastarei o coração dele até o túmulo do irmão dele que fiz questão de matar.— completei, rosnando. O lobo ferido fugiu, tropeçando pela floresta. Eu poderia tê-lo matado. Mas precisava que ele falasse. Precisava que meu aviso ecoasse até as cavernas mais fundas do meu inimigo. O inimigo estava se movendo. Scarlet era a chave, e eles sabiam. Voltei à forma humana com o sangue ainda quente nas mãos. O corpo ardendo. A mente em alerta. Voltei para a mansão. Scarlet precisava ser marcada. E a guerra já havia começado. Eu entro no quarto e a observo ali, deitada na cama antiga do quarto que outrora pertenceu à minha Luna. A luz da Lua atravessava a vidraça, desenhando em seu corpo marcas que não vinham da claridade. Ela se remexia entre sonhos e memórias que começavam a despertar. O lobo dentro de mim rugia inquieto, farejando o perigo que se aproximava. O ataque daquela noite não foi um teste, mas sim um aviso. E se voltassem, se tentassem levá-la de mim outra vez? Eu não teria como encontrá-la se ela não estivesse marcada. Me aproximei. — Eu não posso mais adiar isso, Scarlett. Se alguém te levar eu não conseguirei sentir seu cheiro. Você será como fumaça ao vento. E eu não suporto a ideia de perdê-la. Ela abriu os olhos devagar, a íris dourada pulsando em sintonia com a Lua cheia. — Dimitri— murmurou, sua voz rouca, trêmula, mas não de medo. — Você pode me proteger dele? Do seu maior inimigo? Havia tanto peso naquela pergunta que meu peito pareceu ceder. Me ajoelhei à beira da cama, tomando sua mão entre as minhas. — Eu não só posso, Scarlett. Eu vou. Com todo o poder que tenho. Com cada gota de sangue que ainda corre em mim. Mas preciso marcá-la agora. Você confia em mim? Ela hesitou apenas por um instante. Depois assentiu, com os olhos marejados, mas sem medo. — Eu confio. Me transformei parcialmente, o lobo sob minha pele avançando para a superfície. Meus caninos se alongaram, os olhos arderam, e o instinto assumiu o controle. A marca de um alfa não era um simples gesto ,era uma união sagrada, selada em carne e espírito. Me inclinei sobre ela, o hálito quente roçando sua pele, e ela virou o pescoço com submissão voluntária, expondo a curva onde o coração batia mais forte. — Vai doer — murmurei. — Mas depois, você será parte de mim para sempre. E então a mordi. A pele dela se rompeu sob meus dentes, e a força que nos regia selou o elo. Senti seu grito abafado, não de pura dor, mas de algo mais primordial, mais antigo. Era o chamado da loba nela despertando, aceitando o meu sangue, a minha marca. Um brilho prateado percorreu sua pele, como se a Lua a envolvesse por dentro. Ela arqueou o corpo, ofegante, os olhos brilhando com algo novo. Selvagem. Indomável. E então nos encontramos. Sem palavras. Sem promessas. Apenas o instinto. A alma. O desejo enraizado em cada célula. Me despi da razão e deixei o lobo guiar. Não foi suave. Não foi humano. Foi algo primitivo, como se estivéssemos retornando à origem de tudo. Movimentos intensos, respirações descompassadas, dois corpos colidindo como mar e tempestade. Cada toque, um juramento. Cada gemido, uma guerra vencida. Ela era minha. E eu era dela. Quando tudo cessou, ainda a segurava nos braços. O cheiro da nossa união pairava no ar, misturado ao da floresta e à brisa noturna. A marca pulsava em sua pele, viva, brilhando sob a luz da Lua. Agora… se viessem por ela, me encontrariam. Porque Scarlett era minha loba. Minha Luna renascida.E eu sangraria o mundo por ela. continua...