Enquanto ali uma morte brutal parecia prestes a acontecer, mais ao fundo da caverna algo que mudaria tudo repousava num sono incubido de magia. Correntes grossas envolviam seus pulsos e tornozelos, gravadas com runas prateadas de contenção, cintilando com a mais pura magia, prendendo o imenso monstro com garras enormes e pelo negro. O tempo não passava naquele lugar, sua alma estava presa no abismo da própria mente, onde a luz não existia, onde o silêncio pesava como pedra e a única sensação era o vazio eterno.
Mas então… algo rompeu o silêncio e a escuridão.
Uma voz fraca, trêmula, que se o silêncio absoluto não existisse mal se poderia ouvir.
— Por favor, que pelo menos seja… seja rápido…
A súplica ecoou por todo o vazio.
Aquela imensa criatura se mexeu pela primeira vez em séculos. Dentro de sua prisão, seus olhos se abriram, confusos, mas atentos, a forma humana do monstro guiou os olhos vermelhos pela escuridão em busca de qualquer passagem, qualquer luz, ao passo que o corpo monstruoso se sacudia, sem forças para romper as correntes.
Foi quando uma outra voz mais forte agora, ecoou na escuridão da mente dele:
“Está na hora, filho da lua. O mundo precisa do Alfa Supremo, aquele que renasce do sangue inocente para por ordem ao caos. Acorde, River.”
O chão tremeu.
O encantamento das correntes estremeceu com um estalo seco. As pálpebras do corpo adormecido se abriram com brutalidade e seus olhos, vermelhos como brasas acesas, arderam na escuridão da caverna.
Ele sugou o ar com força, o peito inflando violentamente como se voltasse a respirar pela primeira vez.
O cheiro a invadiu como uma lâmina.
Sangue.
Medo.
Desespero.
E algo mais.
Algo que arrepiou cada pelo do corpo do lycan.
A presença dela.
A dor dela.
River rugiu, as correntes vibrando ao seu redor.
Um rugido ensurdecedor, primitivo, despedaçando o silêncio com tamanha fúria que as pedras da caverna racharam.
Com um puxão brutal, River estourou as primeiras correntes.
As runas brilharam uma última vez antes de se desfazerem em pó prateado.
Com os olhos selvagens e a mente em frenesi, ele rasgou as últimas amarras, o som do metal se partindo ecoou como trovões.
As paredes da caverna estremeceram.
O alfa estava livre.
Desnorteado, cambaleou por um instante, respirando com dificuldade, como se o mundo estivesse girando ao seu redor. Mas então o cheiro voltou a dominá-lo. Forte. Quente. Tentador.
E ele correu.
As patas descalças golpeavam o chão de pedra, os músculos contraídos em tensão total, o ar silvava ao redor de seu corpo nu e poderoso. Era imenso, maior que qualquer lobo, o pelo negro e grosso estava sujo, molhado pela umidade da caverna onde o haviam trancado.
E então ele viu.
No centro da caverna, caída no chão, estava a garota.
Pequena.
Ensanguentada.
Nua.
Machucada de formas que nem mesmo ele conseguia compreender.
O peito dele se contraiu com algo que não sentia há séculos, uma mistura explosiva de fúria e... sede de sangue.
Mas não estava sozinho.
A frente da garota, três lobos que, em tamanho, era muito menores do que ele, rosnava para ela, mostrando os dentes e ameaçando atacar aquela que o despertou. .
— Minha… — a voz gutural, monstruosa, ecoou pela caverna até chegar ao centro, aos invasores.
Os renegados pararam, hesitantes, sentindo o cheiro dele e ouvindo a voz do monstro, mas era tarde demais.
River avançou como uma tempestade de ódio.
Seu corpo se movia com uma imensa velocidade apesar de seu tamanho e em seus olhos vermelhos não havia nem uma gota de pena, apenas uma imensa fúria apenas a vontade de despedaçar cada um deles.
O primeiro lobo tentou atacar, mas River o agarrou pela garganta e o ergueu no ar com uma só mão. Os olhos da criatura se arregalaram em pânico antes que os dedos do monstruoso lycan esmagassem sua traqueia num estalo grotesco.
Sangue espirrou nas paredes.
O segundo tentou fugir, mas River o alcançou em um salto. Cravou os dentes em seu ombro e o jogou contra a parede da caverna, onde o som dos ossos quebrando ecoou num estalo seco. Um uivo de dor foi sufocado por outro rugido de River, agora totalmente dominado pela selvageria.
O terceiro renegado se curvou, tremendo, mostrando submissão na intenção de ser poupado guinchando como um animal indefeso.
Mas River não teve piedade.
Afinal, ela também estava chorando segundos antes, não estava?
Com um golpe só, rasgou a garganta do último invasor, derramando mais sangue no solo sagrado da caverna. Os gritos cessaram, o silêncio voltou, mas não o mesmo silêncio de antes.
Era um silêncio carregado.
Denso.
O lycan, ofegante, coberto de sangue e com os olhos brilhando em vermelho, voltou o olhar para a menina caída no chão. Ainda viva, inconsciente, mas ainda respirando.
E o unico pensamento que teve naquele momento era que precisava protegê-la.
Era seu aniversário, mas nada naquela manhã fazia parecer que o dia teria algo de especial. A espuma do sabão escorria pelos dedos finos de Lyra enquanto ela esfregava o chão áspero da ala principal da alcateia, de joelhos, com os cabelos presos em um coque frouxo que não parava de se desfazer, fazendo os fios dos cabelos loiros escaparem do elástico que os prendiam. Ao seu lado, Petra bufava, com o rosto suado e as mangas da blusa arregaçadas até os cotovelos.— Você já percebeu que quanto mais a gente esfrega, mais esse chão parece sujo? — murmurou Petra, torcendo o pano no balde pela terceira vez.Lyra soltou um sorriso fraco, mas não respondeu. Estava concentrada em limpar uma mancha escura perto da escada de pedra. Precisava deixar tudo perfeito, assim poderiam ir para a festa durante a noite. O silêncio que pairava entre elas foi quebrado por risadas estridentes e passos de salto ecoando pelo corredor. As duas se entreolharam antes de se levantarem lentamente, como quem antecip
Momentos antesO ar estava pesado na floresta.As folhas dançavam em silêncio sob a brisa que anunciava o cair da noite, e os lobos da alcateia já se reuniam ao redor da clareira sagrada. A lua cheia começava a subir no céu, seu brilho prateado refletindo sobre as peles e olhos atentos. Tudo estava preparado, tudo sob o controle de Kael.O alfa observava tudo de cima, de um dos degraus de pedra que levavam ao altar da bênção. Seus olhos dourados percorriam os arredores com rigidez. Nenhuma vela fora esquecida, nenhuma fita fora mal amarrada. O baile da primavera estava perfeito. Como deveria ser.Era o primeiro baile da primavera que celebrava como alfa, seu pai havia lhe passado o título no ano anterior, no outono, e agora ele finalmente encontraria sua companheira, se a deusa da lua assim quisesse.— Está tudo como você pediu, Kael — disse um de seus soldados, curvando-se respeitosamente.— Como eu mandei, você quer dizer — respondeu ele, seco. — Pode ir. E tire aquele arranjo horrí
AVISO DE GATILHO: ABUSO SEXUAL E VIOLENCIA (Se não se sente confortável com esse tipo de conteúdo, pule este capítulo)Não havia mais esperança.O som da festa já era só um eco distante, ficando cada vez mais baixo a medida que Lyra era arrastada para o calabouço. Nunca tinha ido ao local porque iria? Era destinado aos piores criminosos… Agora ela estava sendo tratada como um desses na verdade, pior que eles pois sua punição era desumana, cruel, asquerosa. Qualquer criatura que tivesse um coração pulsante em seu peito sabia que aquilo era além de errado, que era uma abominação, mas aqueles homens pareciam não ter coração, ou consciência. Eram vis, maus, não se podia nem dizer que eram selvagens, pois a selvageria é guiada por instinto, e nenhuma criatura tem um instinto tão tenebroso como a vontade que guiava aqueles lobos. A luz das tochas projetava sombras monstruosas nas paredes do calabouço, e quando as portas de ferro se fecharam com um baque que reverberou em seus ossos, ela so
Estava esperando para morrer. O som de rosnados se aproximava rapidamente, como trovões rasgando a noite, e a omega estava decidida de que esperar seu fim era o melhor a se fazer.Mas já havia sofrido tanto…Será que não merecia nem uma morte pacifica?Ter seu coração e corpo quebrados já não era o suficiente? Lyra tentou erguer a cabeça, mas o peso de seu próprio corpo parecia esmagá-la contra o chão frio e sujo da floresta. Cada respiração era uma luta, cada movimento, uma tortura.Os lobos estavam tão perto…O terror se instalou em sua mente fazendo todo seu corpo vibrar quando percebeu que não queria morrer daquele jeito, então, sem pensar, apenas obedecendo ao instinto mais primitivo de sobrevivência, tentou se mover. Os braços trêmulos e ensanguentados cavaram a terra diante de si. As pernas, mortas pela dor, arrastavam-se inutilmente atrás do tronco magro e despido.— Só... mais um pouco... — sussurrou, quase inaudível, enquanto o sabor metálico do sangue invadia sua boca.O