Início / Romance / Rafaella Me Resta Perdoar / Mas dentro dela, algo quebrava em silêncio.
Mas dentro dela, algo quebrava em silêncio.

O vento frio que cortava a tarde de sexta-feira parecia anunciar que algo estava prestes a acontecer. A cidade estava agitada. O nome dele estava nos corredores da universidade, nas rodas de café, nos grupos de mensagens e até nas conversas sussurradas nos bastidores do judiciário local.

Bruno Santos havia chegado.

Rafaella ainda não sabia se era curiosidade, receio ou pura inquietação o que sentia quando ouviu seu nome outra vez. Era estranho como alguém que ela nunca tinha visto de perto podia provocar uma reação tão intensa em todos — inclusive nela.

Ela tentava focar nas aulas, nos livros, na rotina. Mas o ar parecia pesado. Por onde passava, ouvia comentários sobre a presença do primogênito dos Santos. Ele chegara na noite anterior, direto da capital, em um carro preto de vidro escuro, acompanhado por dois homens que pareciam mais seguranças do que assistentes.

Diziam que ele não estava ali apenas para palestrar. Havia uma reunião secreta agendada com políticos influentes e juízes da região. Alguns sussurravam até o nome do pai de Rafaella, Mário Souza, como envolvido em algo que ninguém sabia ao certo o que era.

Na mansão dos Souza, o clima também mudara. Rebeca passou o café da manhã inteira calada, checando o celular, com um leve franzido de preocupação no olhar.

— O que aconteceu? — Rafaella perguntou, desconfiada.

Rebeca demorou a responder.

— Os Santos estão mexendo peças. A visita do Bruno aqui não é só por causa da palestra.

— Você está envolvida nisso?

— Não diretamente. Mas papai está... — e se calou. — Fique longe disso, Rafa. Sério.

Rafaella assentiu, mas seu coração estava inquieto. O nome dele agora parecia um sussurro constante. Bruno Santos.

Na segunda-feira seguinte, o auditório da faculdade estava lotado. Rafaella chegou cedo e sentou-se na fileira do meio, junto com duas colegas. Queria ver o que tanto falavam. Um burburinho correu quando as portas se abriram e ele entrou.

Era como se o tempo tivesse parado por um segundo.

Bruno Santos caminhava com passos firmes, impecável em um terno cinza escuro, a barba por fazer e os olhos atentos, quase predadores. Nada nele era desleixado. Tudo era calculado, até o modo como tirou o paletó antes de subir ao palco.

O silêncio se fez no auditório. Quando ele começou a falar, a voz grave, segura e sem pressa prendeu a atenção de todos. Falava sobre ética jurídica, poder institucional e o papel das grandes famílias no equilíbrio do sistema. Mas havia algo nas entrelinhas. Era como se suas palavras carregassem duplos sentidos, recados velados, ameaças disfarçadas de teoria.

Rafaella não conseguia desviar os olhos. Havia uma frieza ali que ela não sabia se a assustava… ou a intrigava.

No final da palestra, Bruno desceu do palco e cumprimentou algumas pessoas. Quando chegou perto da fileira dela, seus olhos a encontraram por um segundo. Um segundo apenas. Mas foi o suficiente.

Ela desviou o olhar, envergonhada. O coração disparado, as mãos suando. Ele não disse uma palavra, apenas manteve o olhar intenso por um instante antes de seguir em frente. Mas algo naquele olhar ficou com ela. Como se ele a tivesse marcado.

Mais tarde, ao sair da faculdade, Rafaella encontrou um envelope discreto dentro da sua mochila. Nele, um cartão com letras prateadas e uma caligrafia elegante:

“Convite reservado: coquetel de encerramento. Presença confirmada. – B. S.”

Ela gelou.

— Como isso veio parar aqui? — murmurou.

Não contou a ninguém. Nem a Rebeca, nem a mãe. Guardou o cartão no fundo da gaveta e tentou se convencer de que não iria. Mas a verdade é que, desde aquele olhar, algo dentro dela já estava sendo arrastado para o centro do furacão.

E quando chegou a noite do coquetel, Rafaella vestiu o vestido que mais escondia e, ao mesmo tempo, mais revelava sua alma.

Ela sabia que estava entrando em um território perigoso. Mas não sabia que, naquela mesma noite, Bruno Santos mudaria sua vida para sempre — com um beijo proibido, uma promessa sussurrada e um pacto silencioso com o destino.

O salão estava tomado por vozes abafadas, taças de cristal tilintando e sorrisos forçados. O coquetel, promovido em um dos hotéis mais luxuosos da região, reunia figuras importantes do direito, da política e da elite empresarial. Mas, por trás do brilho das joias e dos ternos caros, algo mais sombrio se costurava naquela noite.

Rafaella caminhava entre as mesas com a sensação de que todos a observavam. Usava um vestido preto discreto, de seda, que acentuava sua beleza sem exageros. Tinha os cabelos soltos, os olhos maquiados com suavidade e o coração disparado no peito. Ela não sabia exatamente por que estava ali. Apenas foi. Algo no olhar de Bruno na palestra — e no misterioso convite deixado em sua mochila — a empurrou para aquele lugar.

Mas ela também não sabia que, naquele exato momento, o nome dela já estava sendo decidido em contratos e acordos selados à porta fechada.

Em um salão reservado, seu pai, Mário Souza, estava sentado frente a frente com Emílio Santos e Bruno. Os três em silêncio. A tensão no ar era densa como fumaça.

— Está tudo acertado. — disse Emílio, com a voz firme. — A fusão de terras no Sul garantirá a proteção que precisamos. E o sobrenome Souza unirá as pontas que ainda faltavam.

Mário respirou fundo. Estava tenso, mas não recuaria.

— Minha filha não sabe de nada ainda.

Bruno, até então calado, ergueu os olhos. Não havia surpresa em seu rosto. Nenhuma hesitação. Apenas controle.

— Ela vai saber. Quando for o momento certo — disse Bruno, com a voz fria.

— Vocês querem que ela se case com você sem amor? — Mário indagou, quase como um apelo.

Bruno se encostou na cadeira com elegância.

— Nossos pais se casaram assim. Nossos avós também. Isso não é sobre amor. É sobre o futuro do país. E o dela.

Mário fechou os olhos por um instante. Sabia que já não tinha mais escolha. Estava envolvido demais. E, mais do que isso, sabia do que os Santos eram capazes.

Rafaella avistou Bruno perto do bar. Conversava com um desembargador, mas seus olhos logo a encontraram. Ele se despediu com um aceno discreto e foi em direção a ela.

Ela sentiu o corpo congelar quando ele se aproximou. Era alto, imponente, mas calmo. Sempre calmo. Como se o mundo girasse no ritmo que ele decidisse.

— Você veio — ele disse, com um leve sorriso nos lábios.

— Por que me mandou aquele convite? — Rafaella tentou manter a voz firme.

— Queria conversar. Em particular. — Ele estendeu a mão. — Podemos?

Contra todas as advertências da razão, ela o seguiu até uma varanda afastada do salão. A brisa noturna tocava a pele com delicadeza. O som da festa ficava para trás, abafado.

— Você sabe quem eu sou, Rafaella? — ele perguntou, com um olhar fixo.

— Sei que é o filho mais velho da família mais temida do país.

Ele sorriu de lado.

— E você é a filha mais nova da família mais respeitada do sul.

Ela franziu a testa.

— E isso importa?

Bruno se aproximou lentamente.

— Mais do que você imagina. — fez uma pausa. — Nossas famílias têm planos. E você está no centro deles.

— Que planos? — Rafaella sentiu um calafrio.

— Um casamento. O nosso.

O mundo pareceu parar por um segundo.

— Isso é uma piada?

— Não é. — Ele disse com seriedade. — Você vai ser minha esposa.

Ela deu um passo para trás.

— Eu não vou me casar com você. Isso é absurdo!

— Não tem escolha. — Bruno falou como se dissesse que amanhã vai chover. — Sua família já assinou os termos. Seu pai concordou. A união das nossas famílias é uma jogada de poder. Alianças estão sendo formadas, acordos políticos, proteção, influência. Você é a chave, Rafaella.

Ela estava pálida.

— Isso é tráfico de vidas...

— É o mundo em que você nasceu. — Ele se aproximou, o rosto muito próximo. — Eu não pedi isso. Mas vou fazer funcionar. Por mim. E por você.

— Você nem me conhece...

Bruno a fitou nos olhos.

— Ainda não. Mas vou conhecer. E, quando você perceber, será tarde demais para fugir de mim.

Naquela noite, Rafaella chorou sozinha, trancada no quarto. Lá fora, os fogos de artifício do coquetel explodiam no céu. Mas dentro dela, algo quebrava em silêncio.

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