O Recomeço e as Escolhas do AmanhãOs dias se transformavam em semanas, e o ambiente acolhedor da casa de Matilde, com seus detalhes rústicos e a calma do interior, dava lugar a um novo ritmo de vida. Ava passava horas caminhando pelos jardins, absorvendo a energia do sol e permitindo que a natureza a ajudasse a cicatrizar, tanto o corpo quanto a alma. Mas, apesar do progresso visível, as dúvidas persistiam. Cada vez que passava pela casa onde antes morou com Taylor, o passado batia à porta com força, lembrando-a dos momentos de violência e medo.Decidida a buscar uma solução, Ava começou a conversar com amigos e consultores sobre a venda da antiga propriedade. A ideia não era simplesmente desfazer-se do lugar, mas sim se libertar do legado que o relacionamento conturbado representava. Em suas conversas, misturava o desejo de um futuro próspero com a necessidade de deixar para trás os traumas que a impediam de seguir em frente. A proposta de mudar-se para o litoral, onde poderi
Marcar o RetornoO telefone de Ava repousava sobre a mesinha de madeira clara, enquanto o aroma do chá de camomila se espalhava pela cozinha aquecida pelo sol da manhã. O tempo parecia correr em um ritmo diferente ali, como se a casa de Matilde se recusasse a acompanhar o mundo lá fora. Mas naquele dia, Ava sentia um impulso diferente, como se algo a chamasse de volta para enfrentar o que por tanto tempo evitou.Ela olhou o visor do celular, o número da clínica aparecendo na lista de contatos recentes. Respirou fundo, os dedos tremendo levemente, e tocou para ligar.— Clínica Monte Claro, bom dia! Atendeu a recepcionista, com a voz doce e profissional.— Bom dia… Aqui é Ava Santiago. Gostaria de marcar uma consulta com o Dr. Caleb, por favor. Sua voz soou firme, mas seu coração batia acelerado.— Claro, senhora Ava. Temos disponibilidade para esta sexta-feira, às nove da manhã. Pode ser?— Pode sim. Muito obrigada.Ao desligar, Ava sentiu uma espécie de alívio. Era como se aquele si
Corações que BatemA cidade parecia mais silenciosa naquela manhã de sexta-feira. O céu estava nublado, como se acompanhasse o peso das minhas emoções. Eu vesti a primeira roupa confortável que encontrei e saí cedo. O caminho até a clínica foi feito com os dedos entrelaçados sobre o colo, tentando conter a ansiedade que se remexia dentro de mim como uma maré instável.A fachada branca da Clínica Monte Claro me pareceu intimidadora. Era elegante, moderna, diferente de tudo o que eu conhecia. Talvez exatamente como deveria ser essa nova fase da minha vida.Entrei. O saguão era amplo, com poltronas de tecido bege, um aroma suave de lavanda no ar e uma música instrumental tocando ao fundo. Respirei fundo, caminhando até a recepcionista.— Ava Santiago, consulta com o Dr. Caleb às nove. Murmurei.Ela sorriu com delicadeza e fez um gesto para que eu me sentasse.Sentei-me perto da janela, observando um casal do outro lado da sala. Ela acariciava a barriga enquanto o homem lhe beijava a tes
Primeiras RaízesO cheiro de madeira molhada me recebeu antes mesmo de cruzar a porta do ateliê. Respirei fundo, como se o aroma pudesse me ancorar naquele momento. Era reconfortante o perfume da criação, da paciência e da permanência.Cheguei mais cedo do que deveria, mas Caio já estava lá.Ele se curvou sobre uma tábua de cedro, lixa em mãos, movimentos firmes e cuidadosos. A luz da manhã atravessava a janela e desenhava sombras suaves em seu rosto. Fiquei observando por alguns segundos, silenciosa, tentando entender por que aquele lugar me acalmava tanto.— Ei! Falei baixinho.Ele ergueu os olhos e sorriu. Um sorriso sem pressa, daqueles que aquecem antes mesmo de encostar.— Você chegou cedo.— Tive vontade de vir. Ontem, foi um dia importante. Estiquei a mão com a imagem do ultrassom. — Quis te mostrar.Ele largou a lixa e veio até mim, pegando a folha como se fosse algo sagrado. Seus olhos correram pela imagem em preto e branco, e então pousaram nos meus.— Isso aqui… é fort
AcidenteA noite estava pesada, carregada. Uma tempestade caía sobre a cidade.Raios riscavam o céu, iluminando por breves segundos a estrada sinuosa.O vento uivava entre as árvores, fazendo-as balançar de forma ameaçadora.O cheiro de chuva e terra molhada impregnava o ar, misturando-se ao aroma ácido do álcool derramado dentro do carro. Taylor segurava o volante com uma das mãos, a outra apertava com força o pulso de Ava. Seus dedos cravavam na pele dela, deixando marcas vermelhas que ardiam.O medo pairava como um peso no peito dela.— Eu já disse para não me desafiar, Ava! Sua voz soava como um rugido de fúria, um trovão ameaçador no meio da tempestade. Os olhos embriagados brilhavam sob a penumbra do painel.Ava tentou soltar-se, mas o aperto aumentou. Seu corpo tremia. A boca estava seca, a respiração entrecortada pelo medo que a consumia. Já conhecia esse olhar. O olhar de quem iria machucar.— Taylor, por favor...Sua voz era um sussurro. Sabia que qualquer palavra errada
O ResgateOs faróis da ambulância pintavam de tons fantasmagóricos a estrada, refletindo nas poças d'água como pequenos espelhos da tragédia.O som das sirenes ecoava pelas ruas desertas, enquanto a equipe médica dentro do veículo lutava para manter a frágil vida de Ava. O monitor cardíaco oscilava de maneira irregular, uma sinfonia incerta entre a vida e a morte.Dentro da ambulância, Ava permaneceu inconsciente. A cada ronco do motor, seu corpo estremecia levemente. O monitor cardíaco apitava de forma errática. O médico-chefe trocou um olhar preocupado com um dos enfermeiros.— Ela está muito fraca. Se não chegarmos a tempo...Ninguém completou a frase.A tempestade rugia lá fora, como se quisesse apagar qualquer vestígio daquela noite terrível. A ambulância acelerou pelas ruas vazias, atravessando semáforos, desafiando o tempo. Dentro do veículo, uma equipe lutava para mantê-la viva. O oxigênio foi colocado, compressões torácicas aplicadas. O eletrocardiograma apitava de manei
Luta Pela Vida.Quando, finalmente, a cirurgia chegou ao fim e Ava foi encaminhada para a Unidade de Terapia Intensiva, Caleb permaneceu por alguns momentos ao lado do leito.Ele observou o delicado sistema de fios e tubos que conectavam a jovem.A máquina da vida! Ele fez um juramento silencioso:Não apenas trataria os ferimentos físicos, mas procuraria ajudar a curar as feridas invisíveis, a reparar a alma que havia sido despedaçada. Enquanto deixava a sala, o médico olhava uma última vez para aquele corpo delicado, marcado pelo sofrimento, e em silêncio reiterou seu propósito de que faria tudo ao seu alcance para que aquela mulher pudesse um dia olhar para o espelho e ver não apenas cicatrizes, mas também a força de uma sobrevivente. O peso das memórias e a intensidade dos abusos que ela havia suportado pairavam no ar, transformando aquele momento decisivo. Caleb sabia que o caminho à frente seria longo e árduo, mas a determinação em salvar Ava e, por extensão, seu bebê, era ma
Ecos do PassadoNo silêncio filtrado pelas janelas grandes de seu gabinete, Dr. Caleb Vasconcellos repousava por um momento a caneta sobre os relatórios de contabilidade hospitalar e fechava os olhos, deixando as lembranças invadirem sua mente. Há três anos, ele perdera sua amada esposa, Sofi, vítima de um aneurisma cerebral fulminante, em um verão que jamais esqueceria.Desde então, o hospital havia se tornado em seu refúgio e sua prisão. Como acionista majoritário de um conglomerado de saúde que reunia especialistas de ponta em todas as áreas e , ele se dividia entre reuniões de diretoria, decisões estratégicas e investigações discretas sobre movimentações financeiras estranhas que ameaçavam a reputação construída com tanto esforço.Enquanto isso, seu filho Lucas, agora com cinco anos, passava a maior parte do tempo sob os cuidados de uma babá de confiança. Caleb raramente chegava a tempo do jantar e quase nunca via os primeiros progressos do filho. O sacrifício parecia inevitável