STELLA HARPER
Eu encarava a sacola em cima da bancada como se ela pudesse, de alguma forma, desaparecer se eu a ignorasse por tempo suficiente. Comprei o teste naquela manhã, depois de semanas me enganando. O atraso, as tonturas, o enjoo que virou rotina... Eu repeti para mim mesma que não podia ser. Não era. Três meses atrás, eu havia assinado um contrato com Damian, meu chefe. Nele, eu me comprometia a satisfazer suas necessidades sexuais em sigilo absoluto e com a condição de tomar anticoncepcionais regularmente para evitar qualquer gravidez. Se uma gravidez acontecesse, eu teria que pagar dez vezes o valor que ele me pagava, uma quantia impagável para mim, que ainda estava lutando para pagar as dívidas de jogo do meu pai falecido. Mas agora, claramente, eu quebrei o contrato. Envolvi os braços ao redor do corpo, os dedos apertando o tecido do meu moletom velho como se isso pudesse me ancorar. O banheiro estava a poucos passos de distância. Mas eu já sabia. No fundo, sabia. Sentia isso nas entranhas, no peito, na pele que parecia mais sensível do que nunca. Aquele banheiro era como um portal para uma realidade que eu não queria atravessar. Enquanto eu permanecesse ali, parada, podia fingir que tudo era apenas um atraso, talvez causado pelo estresse, pelas viagens, pelas noites sem dormir por causa dele. Um soluço escapou da minha garganta antes mesmo que eu pudesse contê-lo. Inclinei a cabeça para trás, tentando manter o ar nos pulmões. — Não pode ser isso… — sussurrei, quase sem som. Com passos trêmulos, me aproximei do banheiro. Meus dedos tremiam quando segurei a embalagem e a rasguei. Meu estômago se revirou com tanta força que precisei me apoiar na pia para não desabar. Segui as instruções como uma máquina, quase sem pensar, tentando bloquear o pânico que ameaçava me engolir. Coloquei o teste sobre a pia e recuei, como se ele fosse radioativo. "Três minutos." Era o que o manual dizia. Comecei a andar de um lado para o outro no espaço apertado, com os braços cruzados sobre o peito. "É impossível. Eu tomei o remédio certinho, fiz como ele mandou, assim como dizia o contrato. Tenho que estar protegida." As vozes na minha cabeça se atropelavam, misturando medo, culpa e desespero. Três. Dois. Um. Zero. O alarme no meu celular soou, e eu congelei. Por um instante, pensei em não olhar. Queria deixar o resultado ali para sempre, intocado, num limbo em que eu ainda podia fingir que estava tudo bem. Mas eu precisava saber. Respirei fundo e caminhei de volta à pia. Quando finalmente olhei para o visor, o mundo parou. Duas linhas. Claras. Fortes. Incontestáveis. — Não… — a palavra saiu num fio de voz, junto com um nó que explodiu em lágrimas. — Não pode ser… não… O teste escorregou da minha mão e caiu no chão. Eu recuei até encostar na parede e deslizei até o piso gelado, abraçando as pernas com força. As lágrimas vinham silenciosas no começo, depois em soluços que sacudiam meu corpo inteiro. Isso não fazia parte do meu plano. Não era assim que minha vida deveria ser. Talvez o teste estivesse errado. Talvez fosse um defeito. Num impulso desesperado, me arrastei até a sacola e peguei o segundo teste. Com mãos trêmulas, repeti cada passo entre lágrimas e respirações ofegantes. Três minutos depois, a confirmação. Duas linhas. Outra vez. — Não… não pode ser… — murmurei, enterrando o rosto nas mãos. Ouço o som da porta da frente se abrindo mas não me movo. — Stella? — a voz de Leah, minha melhor amiga, ecoou pelo apartamento, cansada depois do trabalho. — Cheguei! Não respondi. Não conseguia. — Stella? — ela apareceu na porta do banheiro e parou ao me ver no chão, em prantos. — Meu Deus… o que aconteceu? Leah correu até mim, ajoelhando-se e me puxando para seus braços. — O que foi? Você está machucada? — Eu… eu estou… — minha voz saiu aos soluços — eu estou grávida… — Grávida? — ela repetiu, surpresa, olhando para os testes caídos no chão. Então me envolveu em um abraço mais apertado. — Oh, Stella… — Eu quebrei o contrato. — sussurrei contra o ombro dela. — Eu tenho que pagar dez vezes o valor que recebi. Eu não tenho esse dinheiro, Leah Eu estou presa… — Falo em sussurro, com os olhos fixos no vazio.— É impossivel pagar dez vezes o valor que ele me pagou nesses três meses— Stella… — Leah murmurou, com um olhar preocupado.
— Eu não tenho escolha. — minha voz saiu baixa, quase sem vida. — A única saída... é interromper a gravidez. Antes que fique tarde demais.
— Calma, vamos para a sala, se acalmar e beber uma água. — Me deixo ser arrastada por ela, sento e em seguida bebo a água que ela me entrega. — Você estava dizendo que vai... que está pensando em...
Assenti com um movimento trêmulo da cabeça, o estômago se revirando ao pronunciar em silêncio a palavra que eu não conseguia dizer em voz alta. Abortar.
— Eu não posso ter esse bebê, Leah. Ele vai me destruir. Ele vai achar que eu fiz isso de propósito. Vai me odiar. Vai me demitir. Vai me processar.
— Mas… é isso mesmo que você quer? Você tem certeza?
Abri a boca para responder. Mas nada saiu.
Eu fechei os olhos.
Por um segundo, vi um vulto vago no futuro. Uma criança. Pequena. Frágil. Me chamando de mãe.
Meu peito apertou. E dessa vez não foi medo.
— Eu... — levei a mão ao ventre. — Eu não sei. Eu não sei o que fazer, Leah. Mas... e se isso for tudo o que eu tenho? E se esse bebê for... a única parte boa de tudo isso?
Ela se inclinou e segurou minhas mãos com firmeza.
— Então ouve o que eu vou te dizer. — seus olhos estavam cheios de ternura. — O Damian pode parecer um monstro, mas ele não vai te prender a um contrato agora. É uma vida. Um filho dele. Você precisa contar. Antes que decida qualquer coisa, antes que vá para qualquer clínica, você precisa contar pra ele. Tenho certeza que ele não leva esse contrato tão a sério, era só uma forma de se precaver, você vai ver.
Mas eu não acreditava. Ele levava tudo a sério, e pior, pensaria que eu engravidei de propósito e use esse pequeno herdeiro para disputar a herança dele.
— Espera… — falei, quando a TV ligada na sala chamou minha atenção. Na tela, estava uma notícia que me esmagou: Damian Winter ficou noivo de Sophie Pósitron, herdeira de uma família rica.
Eu engoli em seco. Eu nunca teria um lugar ao lado dele. Nunca. E naquele momento, uma decisão tomou conta de mim. Eu precisava fugir. Para um bem lugar longe do alcance de Damian Winter.