A manhã começou com chuva fina e jazz instrumental baixinho no fundo do ateliê.
Clara sentou-se diante do computador com uma caneca de chá e o caderno de bilhetes aberto ao lado.
As primeiras páginas do livro estavam começando a tomar forma.
Mas ela ainda hesitava.
Escrever sobre o que viveu era como tocar cicatrizes com as pontas dos dedos — você sabe que já não dói, mas sente mesmo assim.
No título provisório, digitou:
INTERVALO – o que ficou quando tudo parou
E abaixo, começou a escrever:
“Este não é um livro sobre perda.
É sobre o que ficou depois.
É sobre pausas que viraram ponte.
E sobre amor que continuou mesmo quando ninguém lembrava o começo.”
Ela parou.
Leu em voz alta.
Depois pegou um bilhete solto e colou com fita na borda da tela:
“Alguns sentimentos não precisam ser relembrados.
Eles apenas continuam.”
À tarde, ela recebeu uma ligação de Gus.
— Minha escritora favorita já tem prefácio?
— Ainda não.
Não sei se quero.
— Então ouve isso:
‘Este livro é uma galeria portátil.