AmelieO sol nasceu e apenas acompanhei a claridade invadir o quarto. Já não estava mais chorando, porém, há pouco que tinha parado. Os barulhos das correntes continuaram até quase o amanhecer e agora não pareciam aterrorizante, apenas cruel. Albert era um homem cruel, eu estava casada com um monstro.Quem eram aqueles dois homens? Seriam desafetos? Criminosos?Ainda assim, nada justificava, eu não conseguia suportar tal feito. Não era possível seguir normalmente sabendo que eles estavam lá embaixo daquela maneira.Como eu poderia criar nossos filhos sabendo que o sofrimento deles estaria sob meus pés?O barulho do trinco da porta se movendo me alertou e senti medo. A porta foi aberta devagar e quem entrou foi Ana. Respirei aliviada.— Bom dia, senhora.— Ana… — Ela entrou acompanhada de outras duas serviçais, cada uma trazendo alguma coisa. A bandeja com o desjejum foi deixada sob o estofado do móvel aos pés da cama por Ana e as outras deixaram os baldes cheios de água ao lado da
AmelieAlbert entrou no quarto ao cair da noite, eu já tinha jantado, agora apenas lia um livro sentada em uma poltrona confortável que Ana teve a gentileza de arrastar até aqui junto com uma mesinha redonda de apoio onde coloquei um castiçal com três velas.Coloquei o livro sobre o colo, Albert me encarou longamente e se sentou na cama, na minha frente. Ainda sentia medo, depois de saber de sua outra face não voltaria a olhá-lo da mesma maneira.— Aqueles que você viu são meus filhos. Filhos gêmeos, compartilharam o mesmo ventre — Albert disse quebrando aquele silêncio e arregalei os olhos, não só devido ao espanto, mas de horror. — Mas eles só me trouxeram sofrimentos e perdas, são amaldiçoados e foram os responsáveis pela morte da própria mãe.Meu coração batia tão forte que era difícil manter-me quieta, porém, certamente, meus sentimentos estavam estampados em meu rosto.— Minha primeira esposa teve duas gestações, a primeira foi uma menina, mas a segunda… — Albert puxou a gravata
Aviso: Capítulo sensível.AmelieA vela estava em seu fim e uma forte chuva caía lá fora. O relógio marcava mais de meia noite e recusava-me a fechar os olhos. Estava exausta. O barulho das correntes estavam mais violentos, alguma coisa estava acontecendo lá, talvez Albert estivesse os chicoteando, sentia-me cada vez mais cúmplice disso.Mais uma vez, um raio clareou o céu, a luz azulada entrou no quarto através da janela, ao mesmo tempo, a porta foi destrancada e aberta.Albert entrou no quarto um pouco cambaleante, a porta foi escancarada e depois fechada bruscamente. Murmurando, ele se aproximou da cama, senti o odor do álcool quando ele chegou perto. Arrastei-me para a cabeceira.— Deite-se, não me obrigue a usar a força, Amelie.— Você está bêbado, eu não quero assim — respondi, receosa.— Obedeça seu marido!Albert puxou a camisa de dentro das calças e a tirou, ele iria me forçar de um jeito ou de outro. Mais um clarão tomou conta do céu sendo seguido pelo estrondo ensurdecedor
Amelie— Seus malditos!! — Albert mexeu na espingarda, ele estava recarregando. A faca ainda estava cravada em suas costas.Fui puxada com mais força, nós corremos e quando chegamos na porta dos fundos, fui jogada para o outro homem que me segurou pela cintura. Ouvimos os passos de Albert e antes da porta ser finalmente destrancada, Albert atirou de novo, dessa vez atingiu a parede. A chuva forte caiu sobre mim e corri sobre a lama, estava escuro, porém, quando o céu clareou mais uma vez, vi as suas costas. Um deles estava bem na frente. Eu não conseguia correr tão rápido, estava praticamente sendo arrastada, mas ele não me soltou em nenhum momento.Quando o céu clareou de novo, estava diante do pequeno abrigo dos cavalos. Eram apenas dois que guiavam a carruagem. Escureceu novamente e fui levada para dentro.— Fique aqui. — Ele me ergueu e fui colocada em cima dos fenos. — Não. — Segurei em seu braço antes que me soltasse.— Não vou deixá-la para trás. Confie em mim.— Willian, o q
Amelie— Ele foi tentar conseguir mais alimentos e roupas, por enquanto só temos uma abóbora, e não há temperos ou sal. — Olhou para a panela que parecia um caldeirão pequeno. — A sopa é só de abóbora. — Certo. Obrigada pelos cuidados, Willian. — Caminhei até a cadeira e peguei as roupas dobradas. Olhei primeiramente os bolsos da capa e senti o alívio pelas joias ainda estarem lá.A camisola estava amarelada, mas parecia que tinha sido lavada, ou pelo menos tentaram. Retornei para o outro cômodo e vigiando a entrada sem porta, vesti rapidamente, até mesmo minha calça íntima estava limpa, nem consigo imaginar um homem lavando essa peça, é vergonhoso demais.Mas não importava no momento. Eu consegui fugir, tinha que pensar no que fazer daqui para frente. A parte de cima da camisola estava rasgada, mas não mostrava os meus seios e apesar do tecido fino, era melhor que estar nua.Voltei para o outro cômodo e hesitei antes de me aproximar de Willian que mexia dentro daquela panela. A casa
AmelieAs pessoas de classes baixas viviam quase na miséria, eu conhecia a realidade pois me compadeci de muitas que conheci e eu não era alheia às notícias de política, creio que me adaptaria a qualquer vida que fosse.Eu até mesmo poderia viver em um casebre desses.Olhei para a porta fechada de maneira improvisada ao ouvir algo do lado de fora, Willian se apressou em abri-la e me levantei do chão.— Finalmente! — Willian recebeu Arthur que trazia um saco de pano cheio com entusiasmo. — Não demorei tanto assim. — Ele olhou-me de cima a baixo e puxei a parte rasgada da camisola para cima.Eles eram idênticos, agora de dia eu conseguia ver com mais clareza. Os mesmos olhos cor de mel, a mesma cor dos cabelos, mas Arthur tinha os cabelos um pouco mais ondulados que Willian.— E ela, como está? — Arthur perguntou para Willian um pouco baixo, mas não o suficiente para que eu não ouvisse.— Estou bem — respondi a ele e me aproximei.— Fico feliz que esteja. — Seu meio sorriso não era tím
Amelie— Eu vi uma outra casa abandonada aqui perto, está em melhor estado e não é tão exposta. — Arthur disse ao me encarar. — Eu sugiro irmos para lá e ficar um pouco mais, pelo menos até termos certeza de onde ir e como fazer isso. Eu não quero ser pego para ser jogado naquele lugar novamente, com certeza meu pai está nos procurando, não acho que tenha morrido.— Por que ele os prendeu? Eu não entendo. — Ele sempre foi um louco, se não fosse por nossa mãe, teríamos morrido de fome e de sede naquele lugar. — Arthur praticamente rosnou deixando transparecer sua raiva e mágoa. — Ela era boa, nos fazia companhia, nos ensinou a ler e a escrever, contava histórias. Mas ela também foi tirada de nós.— Nossa mãe morreu quando tínhamos quinze anos, depois que ela se foi, ele nos torturou e acorrentou nossos pés. — Willian completou com pesar.— Eu lamento.— Não lamente, está no passado. — Arthur disse ainda aborrecido.— Eu não sabia de nada até alguns dias atrás, mas eu ouvia as corrente
AmelieAlguns dias se passaram e me acostumei com a tranquilidade e o silêncio. Nós limpamos dois dos cômodos que era possível recuperar e ajeitamos as portas, nas janelas apenas pregamos algumas madeiras.Arthur e Willian se mostraram habilidosos, eles tinham bom raciocínio. Arthur conseguiu bastante coisa, inclusive ferramentas. Mesmo com o peso na consciência, não reclamei em momento algum.A convivência era boa, Arthur era o mais falante, diria atrevido, eles não seguiam tantas regras, suas educações eram limitadas, eram dois homens que seguiam instintos, mas acreditava que quando passassem a conviver em sociedade aprenderiam rapidamente.Passei o retalho de pano no rosto e enxuguei o suor. A lenha estava queimando dentro do forno formando a brasa para assar o pão. Sovei a massa uma última vez e moldei as bolas, não cresceria pois faltava a fermentação, mas ficaria bom. A mesa de madeira estava enfarinhada assim como minhas roupas, essa farinha era a última quantidade que tínhamo