Me mantive estática por alguns instantes, encarando o corpo do irmão do homem que mais me odiava.
— Não podemos mantê-lo aqui, tirem ele daqui agora! — minha mãe disse, quase em desespero. Coloquei-me à frente. — Mãe, não podemos deixá-lo morrer. — Elara, você não entende? Você não vai conseguir salvá-lo. E então ele vai morrer em suas mãos, e Cassian Midas virá nos matar! — Eu não vou deixá-lo morrer — respondi firme, voltando meus olhos para o corpo diante de mim. — Eu posso fazer algo. — Não, não pode... — Mãe, tente confiar em mim. Por favor. — arregaçei as mangas lentamente, determinada. Ela tocou meus ombros com força. — Elara, se esse lobo morrer em suas mãos, seremos acusados novamente por algo que não cometemos. — Eu sei o que estou fazendo, mãe. — falei firme. Ela me encarou em silêncio por alguns instantes. Mas logo recuou, cedendo. Inclinei-me para o jovem inconsciente. Seus ferimentos eram profundos, principalmente nos braços e no abdômen. Ele se remexia e resmungava baixo, mas não despertava. Limpei cada corte, fechei os piores e costurei os que ameaçavam se abrir. Minhas mãos tremiam, mas eu não podia parar. Passei quase toda a noite em vigília, lutando contra a morte que rondava aquele corpo. Quando terminei, o sol já nascia. Sentei-me no chão, exausta, com as mãos trêmulas e cobertas de sangue. De repente, minha mãe e o conselheiro entraram na tenda. — Santos deuses... é ele mesmo — o velho murmurou, em choque. Minha mãe se ajoelhou diante de mim. — Ele ainda vive? — Muito fraco, mas respira. — respondi. Ela se ergueu devagar, fitando-o. — Se ele morrer... — Então eu terei feito o possível. E até o impossível, mãe. — falei, cansada. — Mas o lobo castanho não vai entender isso, Elara... — Da primeira vez, houve um engano. Algo que separou tudo, que destruiu uma amizade antiga. Agora... temos a chance de reconstruir. — o conselheiro disse, olhando firme para minha mãe. — O que está dizendo, Alastar? — Que, se a jovem Elara salvar o irmão de Cassian Midas, talvez tenhamos uma chance. De nos unir novamente. Quem sabe até... — Chega! — minha mãe o interrompeu bruscamente. — Se ele sobreviver, chamaremos Cassian Midas até aqui. Até lá... oremos à deusa mãe para que ele não morra, e que a história não se repita ainda pior. Ela saiu sem esperar resposta. Fiquei sozinha com o conselheiro, que me olhou com peso. — O que você iria propor, Alastar? — perguntei. Ele engoliu em seco. — Apenas olhe ao redor, jovem Elara. Veja por si mesma... e me diga o que seria mais benéfico para todo o nosso povo. E se retirou, deixando-me mergulhada em pensamentos ainda mais confusos. Virei o olhar para o lobo adormecido. Algo se acendeu em minha mente. Talvez... uma oportunidade. ----- Após tomar um banho, voltei à tenda. O jovem continuava inconsciente. Tudo o que eu conseguia fazer era rezar à deusa mãe por sua vida. Foi então que um grito cortou o ar: — INVASÃO! INVASÃO! O acampamento mergulhou em caos. Corri para junto do lobo desacordado, instintivamente protegendo-o. Se alguém entrasse ali, teria que passar por mim primeiro. Lá fora, os sons de garras, mordidas e gritos ecoavam, uma batalha sangrenta em pleno amanhecer. Sacudi os ombros dele com desespero. — Acorde... por favor, acorde! Nada. De repente, algo imenso se chocou contra a tenda. O impacto quase me lançou ao chão. Cobri o corpo do lobo com o meu, tentando protegê-lo. — SOCORRO! — gritei, mas ninguém veio. A lona começou a ser rasgada. Uma sombra enorme tomou forma diante de mim. Um lobo colossal, transformado, de presas e garras expostas, pronto para matar. Dei alguns passos para trás, mas não me afastei dele. Não do corpo que eu jurara proteger. O enorme lobo fixou os olhos em mim. E eu congelei. Eram castanhos, salpicados de laranja. Olhos que me assombravam desde sempre. Meu peito travou. Não podia ser... Foi então que o lobo ferido abriu os olhos, murmurando algo quase inaudível: — Cassian... A enorme besta hesitou. E ainda com os olhos cravados nos meus, parou. Sim. Era ele. Cassian Midas estava diante de mim.