Meus olhos estavam fixos em Cassian, e meu corpo tremia violentamente. Eu não sabia se era pelo frio brutal da água ou pelo pavor que me tomava ao encarar aqueles olhos. Ele me fitava como um caçador paciente, como um monstro prestes a despedaçar sua presa.
Olhei para a carruagem caída na margem, incerta se Alastar ainda respirava. O desespero tomou conta de mim. Levantei as mãos, trêmula, implorando por uma trégua. — O que você quer, Cassian? — meus dentes batiam, mal consegui articular. Ele não respondeu. Apenas mordeu o ar, um gesto seco, cruel, que me obrigou ao silêncio imediato. — Por favor... Por favor... — minha voz se quebrou, e de novo o rosnado dele veio, mais baixo, mais ameaçador. Cassian avançou mais um passo dentro do rio. A água revolveu-se ao redor de suas pernas. Eu gelei. Ele mataria. Eu sabia. Não havia outra razão para estar ali. — Cassian... — sussurrei, e foi nesse instante que um uivo rasgou a noite. Rio acima, uma sombra colossal emergiu. Um lobo maior, mais robusto, a pelagem cinzenta e os olhos em brasa que se fixaram nos de Cassian. Antes que eu pudesse reagir, o animal avançou, a floresta inteira tremeu quando os dois colidiram. Dentes contra dentes, garras contra carne. O choque foi brutal. O som do sangue sendo arrancado misturava-se aos estalos de ossos. Enquanto o caos explodia, eu me lancei até a carruagem, mesmo mancando com dor. Um corte profundo rasgava minha perna, mas não havia tempo para fraqueza. Abri a porta com dificuldade. Alastar se contorcia, zonzo, o rosto ensanguentado. — Eu vou tirar você daí — sussurrei, puxando-o para fora com toda a força que restava. Seus ombros pesavam como chumbo nos meus, mas eu corri, ofegante, subindo a encosta enlameada. Atrás, arrisquei um olhar: Cassian caído, o lobo cinzento cravando as presas em sua jugular. Engoli o ímpeto de voltar. Não havia salvação possível. Corri, apenas corri, com o velho em meus ombros. --- A subida era íngreme, e a cada passo meus joelhos pareciam estalar, prestes a se romper. O peso de Alastar quase me esmagava. — Vai ficar tudo bem... vai ficar, eu prometo... — minha voz mal passava de um sopro. Já podia ver a estrada adiante. Se me transformasse, talvez conseguisse fugir com ele nas costas. Mas então o uivo ecoou, tão ensurdecedor que me fez vacilar. Não era um uivo de caça. Era de morte. Meu corpo inteiro gelou. A escuridão da floresta parecia fechar sobre nós. Encostei Alastar numa árvore e me ajoelhei, arfando. — Eu... eu preciso me transformar. — Não... jovem Elara... você vai morrer... — a voz dele era apenas um fio. — Nós dois vamos morrer se eu não me transformar. As palavras queimaram na minha boca, e já não havia volta. Meu corpo se esticou, ossos quebrando por dentro, garras surgindo onde antes havia unhas. O rasgo das roupas ecoava junto ao meu grito abafado. Foi então que o vi. Das trevas, ele surgiu como um demônio. O lobo cinzento jazia morto, e o focinho de Cassian ainda pingava sangue. Seus olhos ardiam como fogo vivo, e cada passo dele fazia a terra tremer sob minhas patas recém-formadas. Pus-me diante de Alastar, mesmo sabendo que era inútil. Não havia fuga, não havia chance. — Por favor... não toque nele... — implorei. Um grunhido feroz me atingiu como uma ordem. Não me mover. Eu obedeci, mas não recuei. Permaneci diante de Alastar, o coração batendo enlouquecido. Cassian se aproximou. Eu podia sentir o calor da respiração dele roçando minha cabeça. Fechei os olhos. Estava pronta para a morte. O cheiro metálico do sangue preenchia o ar, sufocante. Então ouvi. Um baque. O som seco de ossos cedendo, a pelagem se desfazendo em pele. Eu abri os olhos. Cassian estava caído, a respiração ofegante, se contorcendo na terra encharcada. E sua voz, quando enfim cortou o silêncio, foi ainda mais aterradora que qualquer rosnado. — Eu não vim para matar você, Elara Castro. — a selvageria em cada sílaba me fez gelar até os ossos. Ele ergueu os olhos para mim, e o mundo pareceu parar. — Vim para reivindicar você.