Acordei de um leve cochilo com uma dor aguda e cortante no braço.
Olhei para baixo e vi que o soro havia se enchido de sangue, uma linha vermelha subindo lentamente pelo tubo transparente.
Apertei o botão de chamada.
Uma enfermeira entrou apressada e franziu o cenho ao ver o estado do soro.
— Por que não tem ninguém cuidando de você? Onde está o seu namorado?
— Ele não é meu namorado. — Respondi com calma. — Precisou sair para resolver algo importante.
— Há quanto tempo? — A enfermeira perguntou, trocando a agulha com habilidade.
Olhei para o relógio na parede. Eram duas da manhã. Vincent tinha saído às sete da noite. Sete horas atrás.
— Faz bastante tempo.
A enfermeira suspirou, balançando a cabeça.
— Esses ricos são todos iguais. Fazem questão de mostrar para os outros que se importam, mas, na hora que realmente importa, nunca estão por perto.
Depois que ela saiu, não consegui mais dormir.
Quando a manhã chegou, decidi dar uma volta.
Arrastando o suporte do soro pelo corredor, acabei ouvindo duas enfermeiras conversando em voz baixa.
— Aquela moça na ala VIP tem muita sorte. O namorado reservou o andar inteiro só para ela.
— Ouvi dizer que ele até trouxe especialistas do exterior para cuidarem dela 24 horas por dia.
— O herdeiro da família Marcelli é mesmo dedicado. Não saiu do lado dela desde que foi internada.
Eu parei.
A ala VIP ficava no décimo andar. Eu estava no oitavo, em um quarto particular comum.
Apertei o botão do elevador e subi até o décimo.
O andar inteiro estava, de fato, isolado. Apenas um quarto permanecia iluminado.
Caminhei até a porta e espreitei pela pequena janela.
Vincent estava sentado ao lado da cama, pacientemente dando colheradas de mingau a Isabella.
Ela estava recostada em uma montanha de travesseiros, o rosto pálido, mas satisfeito.
— Ainda dói? — Vincent perguntou suavemente.
— Bem menos. — Respondeu Isabella, abrindo a boca para receber outra colherada. — Com você aqui, eu não tenho medo de nada.
Don Romano estava sentado no sofá, descascando uma maçã para ela. Assim que Isabella terminou o mingau, ele lhe ofereceu uma pequena fatia.
— Coma devagar. Não se engasgue. — A voz do Don carregava uma ternura que eu não ouvia há anos.
— Tio Romano, você é tão bom para mim. — Isabella sorriu docemente. — Quase como um pai de verdade.
— Você é minha filha agora. — Disse Don Romano, dando um tapinha em sua mão. — Esta família é o seu lar.
Vincent sorriu de leve e estendeu a mão para alisar os cabelos de Isabella.
— Sua cabeça ainda está girando?
— Não, só um pouco cansada.
— Então durma mais um pouco. — Vincent fechou as cortinas e abaixou as luzes. — Eu vou ficar aqui com você.
Aquela cena doméstica, terna e íntima, era como uma lâmina girando dentro do meu coração.
Mordi o lábio com tanta força que senti o gosto de sangue, me obrigando a não soltar um grito.
Virei as costas para a ala VIP e voltei para o meu quarto.
Não chore, Sophia. Você não pode chorar.
Quatro dias antes da minha viagem a Boston para o casamento, recebi alta.
Ao sair do hospital, vi Vincent encostado em seu carro preto, esperando.
— Entra. — Ordenou.
— Eu vou de táxi.
— Entra. — O tom dele não deixava espaço para discussão.
Olhei para sua expressão fria, dura, e acabei deslizando para dentro do carro.
— Para onde estamos indo? — Perguntei.
— Para clarear sua mente. — Respondeu Vincent, ligando o motor. — Você ficou tempo demais presa naquele hospital.
Meia hora depois, ele estacionou em frente à Sothebys, em Midtown.
— Um leilão? — Olhei para o cartaz na entrada.
— Vai ter um leilão de arte hoje. — Disse Vincent, saindo do carro. — Achei que você gostasse desse tipo de coisa.
Eu estava prestes a recusar, mas quando ele me entregou o catálogo, meus olhos pararam em um item familiar.
Lote 47: Um colar de pérolas.
Minhas mãos começaram a tremer.
Eu conhecia aquele colar. Era da minha mãe. A única coisa que me restara dela.
— O que houve? — Vincent percebeu minha reação.
— Nada. — Apertei o catálogo contra o peito. — Vamos entrar.
No banheiro, disquei o número do meu advogado com os dedos trêmulos.
— Venda tudo o que eu tenho. Tudo. Agora.
— Srta. Sophia, a senhora disse que queria levar esses bens para Boston...
— Eu mudei de ideia. — Respondi com urgência. — Quanto consigo por eles?
— Aproximadamente quinze milhões de dólares.
— É suficiente. — Encerrei a ligação e respirei fundo.
Eu tinha que recuperar o colar da minha mãe.
Entramos no salão do leilão, e Vincent encontrou assentos próximos à frente.
Eu estava prestes a me sentar quando uma voz conhecida soou.
— Vincent!
Isabella se aproximou, usando um vestido rosa-claro. A cabeça ainda enfaixada, mas tão bela e frágil quanto sempre.
Ela enlaçou o braço no de Vincent.
— Sophia também está aqui. — Isabella me lançou um sorriso doce. — Eu disse a Vincent que queria me desculpar pessoalmente com você hoje. Não achei que ele realmente fosse te trazer ao leilão.
Naquele instante, tudo ficou dolorosamente claro.
Vincent não tinha me trazido ali para me animar ou me distrair.
Ele me trouxe porque Isabella queria “se desculpar”, e eu não passava de um adereço para encenar essa cena.
Olhei para o sorriso triunfante de Isabella, e a última fagulha de dor em meu coração se apagou, substituída por uma frieza dura, impenetrável.
Eu já não sentia mais nada.