Quando o carro me atingiu, minha consciência começou a se apagar.
A dor atravessou todo o meu corpo, mas o que mais doía era o desespero absoluto, esmagador, de ser abandonada.
Lembranças cintilavam em minha mente.
A primeira vez que vi Vincent, sentado atrás da mesa, a luz fria refletindo em seus óculos. Eu, provocando-o de propósito, e ele, completamente impassível.
A primeira vez que ele me prendeu contra si, chamando-me de Principessa, a voz baixa e rouca. Eu havia acreditado que aquilo era amor.
Incontáveis noites, deitada em seus braços, ouvindo o compasso firme do coração dele, convencida de que finalmente tinha encontrado um lar.
A última imagem ficou gravada em minha mente: Vincent, sem a menor hesitação, lançando-se para proteger Isabella.
E eu, como uma figurante descartável, deixada para enfrentar o perigo sozinha.
Quando abri os olhos novamente, estava em uma cama de hospital.
O quarto permanecia silencioso, mas eu conseguia ouvir Vincent ao telefone, logo atrás da cortina.
— Isabella, ainda dói? — A voz dele soava tão suave que parecia pertencer a outra pessoa.
— Muito melhor, obrigada, Vincent. — A voz de Isabella estava frágil. — Se você não tivesse me puxado a tempo, eu talvez...
— Não pense nisso. — Disse Vincent, tentando acalmá-la. — O médico disse que você só se assustou, não tem ferimentos externos.
— Vincent, se acontecesse de novo, você ainda me salvaria primeiro, certo?
Vincent não hesitou:
— Claro.
— Mas a Sophia foi atingida...
— Ela não tem motivo para ficar com raiva. — A voz de Vincent era calma, lógica. — Em uma emergência, é evidente que eu salvaria a pessoa mais frágil. Ela compreende isso.
Fechei os olhos, como se alguém tivesse acabado de cravar uma faca no meu coração.
Então, na mente de Vincent, eu não tinha sequer o direito de me irritar.
Passos se aproximaram, e a cortina ao redor da minha cama foi puxada.
Vincent estava ali. Ao perceber que eu estava acordada, seu rosto não mostrava um único traço de culpa.
— Acordou?
— Sim. — Minha voz saiu rouca.
— O médico disse que você sofreu uma leve concussão e alguns arranhões na perna. Nada grave. — Informou Vincent. — Já providenciei a melhor equipe médica. Vou ficar aqui para cuidar de você nos próximos dias.
— Obrigada. — Fitei o teto. — Eu pago a conta do hospital em dez dias.
Vincent franziu o cenho.
— Do que você está falando? O que tem em dez dias?
— Eu disse que vou te pagar. — Virei o rosto para encará-lo, o olhar impassível. — E também pelos custos da minha estadia na sua casa. Vou acertar tudo de uma vez.
A expressão de Vincent se contraiu.
— Sophia, você não precisa ficar acertando contas comigo.
— Por que não? — Minha voz não tinha emoção alguma. — Nós nunca fomos nada um para o outro, não é mesmo?
O quarto mergulhou em silêncio por alguns longos segundos.
Vincent pareceu querer dizer algo, mas no fim apenas murmurou:
— Descanse um pouco.
Nos dias seguintes, ele realmente permaneceu no hospital para cuidar de mim.
Passava para me ver regularmente, certificava-se de que as enfermeiras me dessem a medicação nos horários certos e até testava a temperatura da minha comida antes de me deixar comer.
Mas eu continuei fria e distante.
Não chorei, não fiz birra, não exigi sua atenção. Tratei-o como um estranho gentil, educada, mas completamente indiferente.
Essa nova versão de mim parecia deixar Vincent desconfortável.
Na tarde do terceiro dia, Vincent estava sentado na cadeira ao lado da minha cama, observando-me folhear uma revista sem ânimo.
— Sophia. — Começou ele.
— Hmm? — Não ergui os olhos.
— Sobre aquela noite... — Vincent hesitou. — Eu salvei Isabella primeiro, mas não foi porque eu não queria salvar você.
Ele prosseguiu:
— O corpo de Isabella é frágil. Ela não teria sobrevivido ao impacto. Foi a única escolha lógica...
Coloquei a revista de lado, interrompendo-o:
— Eu sei.
Vincent me fitou, um sentimento estranho e indecifrável em seus olhos.
— Você realmente não está com raiva?
— Você quer que eu esteja?
Nesse momento, uma agitação explodiu no corredor.
— Rápido! Levem-na para a emergência!
— O que aconteceu?
— A Srta. Isabella caiu da escada! Ela está muito ferida!
A cor desapareceu do rosto de Vincent.
Ele se levantou de um salto.
— Preciso resolver uma coisa. — Disse às pressas.
Caminhou até a porta e, antes de sair, lançou um último olhar para mim:
— Volto para ver você mais tarde.
Ouvi o som apressado de seus passos se afastando pelo corredor e fechei os olhos, uma onda de exaustão profunda me invadindo.
Isabella tinha conseguido, mais uma vez, afastar Vincent de mim.
E eu já não tinha forças para lutar por ele.
Dentro de uma semana, ele estaria livre para ficar com ela de qualquer forma.