De joelhos em frente ao computador, encarando os arquivos de vídeo condenatórios, peguei o celular e disquei o número de Don Romano.
— Pai. — Disse eu, com a voz embargada pelas lágrimas que ainda não haviam caído.
— O que foi? Achei que você tivesse me renegado. — A voz dele veio fria e surpreendida.
— Só tenho uma pergunta. Três anos atrás... o Vincent se ofereceu para me disciplinar?
Houve alguns segundos de um silêncio revelador do outro lado da linha.
— Como você soube?
Fechei os olhos.
— Então é verdade.
— O Vincent me ofereceu um projeto portuário de duzentos milhões de dólares em troca da chance de ficar responsável por você. — A voz de Don Romano era cruelmente pragmática. — Eu não sabia como você o havia ofendido, mas achei que um pouco de educação não lhe faria mal. Então aceitei.
Desliguei.
O último fio de esperança ao qual eu nem sabia que ainda me agarrava se rompeu.
Vincent se aproximou de mim, dormiu comigo, controlou tudo em relação a mim, por vingança. Pela Isabella.
Comecei a rir de novo. Baixinho, no início, depois cada vez mais alto, até que o som histérico tomou conta do cômodo estéril e secreto.
Ri até que as lágrimas vieram, até perder o fôlego.
Quando enfim me acalmei, enxuguei os olhos e me levantei.
Fui até o quarto principal e puxei a mala que já estava pronta.
Na gaveta do criado-mudo, peguei meu passaporte e a passagem de avião para Boston.
Olhei pela última vez para o quarto, aquele lugar que, um dia, eu, tola, achei que fosse meu lar.
Na sala, peguei o isqueiro de ouro maciço da caixa de charutos de Vincent.
Foi o primeiro presente que ele me deu. Eu achava que significava algo especial.
Agora eu sabia que não passava de uma marca de caçador em sua presa.
Acionei o isqueiro. A chama dançou na penumbra.
Então o lancei contra as cortinas pesadas de seda.
O fogo se espalhou com uma velocidade aterrorizante, devorando cada lembrança, cada mentira, cada fantasma daquela casa.
Arrastei minha mala até a porta e olhei para trás, para o cômodo agora iluminado pelas chamas vorazes que se espalhavam.
Adeus, Vincent.
Adeus à garota que eu costumava ser.
Meia hora depois, o uivo das sirenes dos bombeiros rompeu o silêncio do bairro abastado.
Eu estava sentada sobre minha mala na calçada do outro lado da rua, observando tudo se desenrolar.
As chamas lambiam o céu noturno, tingindo-o de um vermelho infernal.
Logo, um carro preto freou bruscamente. Vincent saiu disparado, o rosto se transformando numa máscara de pedra ao ver o incêndio que consumia o que um dia foi sua casa.
Ele olhou ao redor, desesperado, os olhos me procurando até que finalmente me encontrou.
— Sophia! — Gritou ele, correndo em minha direção. — Você está ferida?!
Apenas o encarei em silêncio.
— Por que você queimou a casa? Tudo bem, queime. Isso te faz se sentir melhor agora, Principessa? — A voz de Vincent estava carregada de uma exaustão amarga.
Continuei em silêncio, me levantei e comecei a me afastar, puxando minha mala atrás de mim.
Vincent se colocou em meu caminho.
— Aonde você vai?
— Para casa.
— Vou te levar de volta à propriedade dos Romanos. — Disse ele, já puxando o celular do bolso. — Marco, prepare o carro.
— Não precisa. — Falei, contornando-o com firmeza.
O telefone de Vincent tocou. Ele olhou para o identificador de chamadas e sua expressão se fechou ainda mais.
— Tenho uma reunião urgente. Marco vai te levar pra casa. — Disse ele, num tom seco e autoritário. — Vamos conversar sobre isso depois.
Ignorei-o e caminhei em direção a um táxi parado na esquina.
— Sophia. — Chamou ele, com a voz afiada.
Olhei por cima do ombro, encarando-o uma última vez.
— Fique em casa e me espere. Preciso te contar uma coisa.
Dito isso, entrou no carro e partiu em alta velocidade.
Observei as luzes traseiras desaparecendo na noite e sussurrei para o vazio:
— Nunca mais vamos nos ver.
Entrei no táxi e pedi ao motorista que me levasse ao aeroporto.
No caminho, abri o aplicativo do banco no celular, calculei o valor total do dinheiro de Vincent que eu havia gasto nos últimos três anos, e devolvi tudo.
Despesas médicas, moradia, tudo. A quantia somava oitocentos e setenta e três mil dólares.
Assim que a transferência foi concluída, joguei o celular pela janela.
Ao ver o aparelho se espatifar no asfalto, senti uma onda profunda de alívio.
A partir de agora, Vincent Romano jamais conseguiria entrar em contato comigo novamente.
Uma hora depois, o táxi parou em frente ao Aeroporto JFK.
Arrastei minha mala até o portão de embarque.
— Senhora, seu voo embarca em trinta minutos. — Informou uma funcionária.
Assenti com a cabeça e me sentei na sala de espera.
Através da enorme janela de vidro, consegui ver vários jatos particulares estacionados na pista.
Um deles se preparava para decolar. Reconheci a silhueta inconfundível de Vincent subindo as escadas da aeronave.
Ele devia estar indo para Chicago, naquela tal reunião urgente.
— Embarque para Boston iniciado agora. — Anunciou a voz nos alto-falantes.
Me levantei e olhei uma última vez para o jato particular dele.
Nossa história acabou, Vincent.
Dentro do avião, escolhi uma poltrona junto à janela.
Enquanto taxiávamos na pista, vi dois aviões prontos para decolar, apontados em direções opostas.
Um com destino a Chicago, o outro a Boston.
Exatamente como nossas vidas. Seguindo caminhos distintos, que jamais voltarão a se cruzar.