Parte 3...
Valentina
Carlo manteve a postura firme.
— O mundo em que você nasceu não é um lugar como os outros, não foi feito para sonhos e ilusões inocentes, Valentina. Agora chegou a hora de você cumprir seu destino.
— Destino uma ova! – bati o pé — Eu fui presa em um acordo que nem deveria ter acontecido. Eu era só uma menina – me virei para eles não verem que eu queria chorar. Esfreguei os olhos com força.
O silêncio depois disso foi quase sufocante pra mim. Minha garganta estava até ardendo. Olhei para a janela. Cada floco que caía era como um lembrete da prisão dourada em que eu vivia e nem sabia o que me aguardava.
— Você só tem a ganhar com isso. Esse casamento é desejado por várias mulheres.
— Pois ele que se case com todas elas – me virei, quase gritando, meu peito pesado — Eu não fiz nenhum acordo.
— Mas seu pai fez – foi a resposta seca dele. — Matteo Romano é o próximo na linha de sucessão. O pai dele está velho e logo Matteo irá assumir seu lugar, como esperado.
— Eu não me importo com isso.
— Valentina, por favor...
— Eu que peço por favor, diretora – segurei o rosto entre as mãos — Como a senhora me escondeu isso todo esse tempo?
— Eu não podia contar – ela juntou as mãos como em prece — Seu pai deixou tudo acertado. Nós cuidamos bem de você todos esses anos.
— Mas mentiu pra mim.
— Não foi uma mentira, eu apenas evitei falar.
— Pra mim é a mesma coisa – engoli em seco, está difícil pra mim.
— Seu casamento com Matteo vai selar a paz real entre as famílias. Desde que o acordo foi feito, as brigas e conflitos estão diminuindo. Com o casamento isso vai parar de vez. Essa rivalidade de décadas vai finalmente acabar.
— Paz? Que paz? – soltei um riso nervoso.
— Vai ser bom pra você, filha – a diretora ainda tentava justificar.
— Não, não vai – cobri a boca com a mão, olhando de um para outro — O que vai me fazer bem é continuar com meus planos.
— Você vai se formar, vamos adiantar isso. A paz vai ser selada e tudo vai seguir bem.
— A paz em cima de minha prisão? É isso?
— Isso é sobrevivência, menina.
Ele se inclinou levemente, sua voz saiu baixa e até ameaçadora pra mim.
— Eu não precisava sobreviver – respondi entre dentes — Minha vida estava seguindo normalmente.
— E ainda pode, só depende de você.
Nesse momento eu percebi pelo olhar dele, que eu não tinha escolha. A expressão de Madame Collier também mostrava isso. Eu estava presa ao destino de um mafioso que nem mesmo conheço.
*** *** ***
Depois de alguns minutos mais de conversa, eu pedi licença e saí da sala da diretoria, quase correndo de volta para meu quarto. Estou com fome, mas não tenho como ir ao refeitório agora, vou começar a chorar na frente de todos.
Eu não queria encontrar ninguém pelo corredor. Fechei a porta rápido e me sentei na cama, abraçando os joelhos e só aí percebi que deixei os livros na sala da diretora Collier.
Estava pensando no que fazer, quando a porta se abriu e Kira entrou, seguida por Bianca e logo depois veio Silas.
— O que houve? Por que não foi comer com a gente? – Bianca sentou ao meu lado — Que cara é essa? Fala logo – empurrou minhas pernas.
— Você está branca como uma folha de papel – Silas declarou — Ai... Não me diga que foi alguma coisa ruim com o seu pai.
Eu não consegui responder de imediato, minha garganta travou e as lágrimas começaram a cair. Kira sentou do outro lado e passou um braço em volta de meus ombros.
— Fala logo o que foi, Val... Estou preocupada com você agora. Por que está chorando, amiga?
— Foi com meu pai sim... – funguei e Silas puxou um lencinho de papel da caixinha ao lado da cama — Mas nada com ele mesmo... Ele está bem.
— Então...
— É comigo – minha voz deu uma falhada.
— Você está doente? – Bianca franziu os olhos.
— Não... – apoiei a cabeça na mão — Meu pai decidiu que... Que eu tenho que voltar pra casa logo.
— Mas e a nossa formatura? – Silas se abaixou em minha frente, segurando em minhas pernas.
— Eu vou me formar – assoei o nariz no lenço — Mas depois eu tenho que voltar para casa... E me casar... – outras lágrimas fugiram.
Os três se olharam sem entender nada.
— Casar? – Silas repetiu — Casar como?
— Casar, casar... – gesticulei para o alto, nervosa — Meu pai fez a merda de um acordo quando eu era pequena e agora chegou a hora de cumprir isso.
— Gente, eu tô passado – Silas caiu sentado.
— Isso é brincadeira, amiga? – Kira questionou me encarando, observando de perto.
— Como assim casar? Você nem tem um namorado, criatura.
— Eu sei... – dei uma soluçada — Eu fiquei tão espantada quanto vocês, mas é isso. Eu vou ter que me casar.
— Tá... – Bianca levantou — E casar com quem? A gente conhece esse cara? Você conhece?
— Mais ou menos – estiquei as pernas — Ele me viu quando eu tinha dez anos e...
— Misericórdia! – Silas bateu as mãos — Seu pai vendeu você para um pedófilo.
— Ai, credo... – Kira deu um tapa nele — Que horror! Deixa ela falar.
— Ué! Mas se ela tinha dez anos.
— Não sei se é bem pedofilia isso... – torci a boca — É estranho, com certeza, mas aí já é demais. – esfreguei os olhos — Eu tinha dez e ele era onze anos mais velho, aí nossos pais fizeram um acordo para encerrar com a rivalidade.
— Que rivalidade? – Bianca cruzou os braços.
— Meu pai é um mafioso – soltei um suspiro desanimado — Eu nunca falei antes porque achei que vocês não iriam querer ser meus amigos.
— Ah, tá! – Silas riu e abanou a mão — E eu que sou filho de um ator fracassado que finge que ainda tem alguma importância?
— Não é a mesma coisa – balancei a cabeça.
— Mas é tão feio quanto – ele comentou.
— Meu pai é político... – Bianca fez um bico, apertando as unhas — Corrupto... Ele desvia dinheiro público.
— É pra gente contar as vergonhas? – Kira ergueu a mão — Eu sou filha bastarda. Minha mãe era amante e ainda é, até hoje... De outro homem. Não sei quem é o meu pai de verdade.
— Acho que estamos todos na mesma lama, só que com cheiros diferentes - Silas comentou rindo.
— Essa é a família tradicional brasileira - Bianca suspirou, revirando os olhos. — Uma amante, um ator fracassado e um mafioso. Perfeito! Drama é nosso tempero.
— Ah, vocês não sabem o que é drama - Kira deitou e encolheu as pernas. — Crescer em Paris é sobreviver a tudo de mais maluco que se possa imaginar. As ruas de Paris são uma loucura total.
— Em Roma - Silas ergueu um dedo — Você precisa convencer a família inteira antes de namorar alguém. E “inteira” significa até o padeiro da esquina. Quando você se envolve com uma pessoa, não é só com ela – bateu as mãos — Sua vida vira um inferno. A fofoca corre solta.
— Ótimo - falei, rindo. — Então somos oficialmente um desastre internacional.
— Viva a Organização das Nações Infelizes - Bianca brindou com uma taça imaginária.
— E que a amizade sobreviva a todas essas loucuras - Kira completou, tocando a taça imaginária.