Parte 2...
Valentina
— Oi? – minha voz saiu até mais fina. — Eu não entendi. – meu pé começou a bater rápido. Vi o olhar de Madame Collier seguir o movimento.
— Seu futuro, senhorita – ele me respondeu como se isso fosse tão óbvio — Já está decidido isso. A sua formatura será antecipada e depois voltará para a Itália.
Eu fiquei um segundo meio perdida. Olhei para a diretora, buscando algum tipo de protesto ou explicação, mas ela apenas abaixou os olhos.
— Como assim, voltar? – repeti confusa — Eu não posso voltar... Tenho planos para depois que me formar e ainda faltam cinco meses para a formatura... – balancei a cabeça espantada.
Ele sorriu de modo educado, mas não havia humor ali.
— Senhorita Moretti... Valentina, se me permite – eu fiz que sim com a cabeça — Os seus planos mudaram. Quando seu pai fez um acordo no passado, isso selou o seu destino.
Minha garganta fechou. Até engoli em seco, mas foi difícil. Molhei os lábios com a ponta da língua. Ainda não entendi.
— Acho que preciso de mais explicações, senhor – enfiei as unhas na capa dura do livro.
— E você as terá, querida – agora Madame Collier falou — Mas antes tem que saber que seu tempo aqui será reduzido.
— Não! – franzi a testa — Eu tenho tempo para me preparar para minha formatura e depois...
— Não haverá uma formatura comum, Valentina – ele colocou as mãos para trás e começou a andar devagar pela sala — Seu pai precisa que você esteja em casa nas próximas semanas.
— Eu ainda não entendi – levantei — Tem que ser mais claro, senhor Mancini.
— Valentina... O senhor Mancini vai ficar na cidade este mês, para ajudar a adiantar as coisas e depois você voltará com ele para casa e...
— Desculpe, diretora... Mas eu não vou sair daqui com alguém que eu nunca vi antes.
— Eu garanto que sou uma pessoa de confiança de seu pai. A diretora Collier pode lhe assegurar isso.
— É verdade, querida. Eu mesma chequei as informações. O senhor Mancini trabalha diretamente com o seu pai e foi enviado por ele.
— Sim, entendi – puxei o ar e olhei para fora pela janela. A neve voltava a cair mais forte. — O que não entendi, é o motivo disso.
— Você vai se casar!
Eu parei de boca aberta, olhando para ele como se tivesse ouvido um desaforo enorme.
— O... O que? – eu acho que minha voz saiu mais alto do que deveria — Me casar? – dei uma risadinha, mas foi de nervoso — Eu não vou me casar – larguei os livros em cima da cadeira.
— Sinto discordar, mas sim, você vai.
— Não, eu não vou – repeti.
O homem olhou para a diretora, como que pedindo ajuda.
— Valentina, o que o senhor Carlo quer dizer...
— Eu sei o que ele disse – apontei pra ele e ri de novo — Mas isso está errado. Não tem como eu me casar. Eu nem mesmo tenho namorado.
— Isso não importa – eu olhei pra ele — O acordo que seu pai fez, a coloca com uma obrigação a cumprir.
— Diretora... – eu olhei pra ela — O que esse homem está falando, pelo amor de Deus? Eu quero falar com meu pai.
— Ele não vai atender – Carlo respondeu — Se ele pudesse vir, teria vindo até aqui, mas está em uma viagem a África do Sul, a negócios. Por isso ele me incumbiu de vir.
Eu não estava entendendo nada. Segurei a testa como se meu juízo fosse escapar por ali. Andei alguns passos e me virei para ele.
— Isso é ridículo – abri a mão, tentando mostrar um ponto — Está dizendo que meu pai fez um acordo de casamento arranjado? Em pleno século vinte e um?
— Sim, é isso mesmo.
— Não, isso não pode – encolhi os ombros.
— Pode sim, acredite.
— Por acaso você sabe que nós temos celulares, carros que já voam, internet... Essas coisas modernas de hoje, sabe... Não da época medieval.
— Esse acordo foi feito quando você tinha onze anos, querida – eu ergui as sobrancelhas quando a diretora disse isso — Foi por isso que seu pai a trouxe para cá.
— Então... A senhora já sabia? – ela assentiu — E por que nunca me contou, senhora Collier?
— Seu pai nos proibiu de falar qualquer coisa que fosse sobre o assunto – ela uniu as mãos e me olhou com cara de pena — Você deveria ter sua vida normal aqui com a gente, ter uma boa educação...
— Pra depois ser vendida a um homem que eu nem mesmo conheço – falei olhando para o tapete.
— Você o conhece, Valentina – o homem disse se aproximando — Você conheceu seu futuro marido quando tinha dez anos – eu apertei os olhos — Você se recorda de um final de semana em que viajou com seu pai, para a casa de sua avó? – continuei com a mesma cara — Naquele final de semana em que somente você e seu pai visitaram sua avó e em seguida, ela também viajou e deixou vocês na casa?
Eu puxei pela memória, em busca desse dia. Senti um frio estranho nas pontas dos dedos. As palavras dele abriram a porta para minhas memórias fragmentadas. Eu era muito pequena.
Minha mente foi atrás das imagens nebulosas daquele tempo. Eu me recordo sim, mas não de tudo e não consigo me lembrar do rosto direito. Tinha muita gente naquela casa, eu até achei estranho.
— Ele estava lá para conhecer você – Carlo Mancini cruzou os braços, me encarando — Ele também era muito novo.
— Então, ele também era um garoto como eu?
— Não exatamente... Matteo é onze anos mais velho do que você.
Eu ergui as sobrancelhas, espantada com aquilo. Então, se seu tinha dez anos, ele tinha vinte e um?
— Espera... – abri as mãos e inclinei o corpo para trás — Está me dizendo que meu pai me casou com um homem? Eu? Com dez anos apenas?
— Ele também era muito jovem – Carlo continuou — E o acordo só foi fechado realmente um ano depois.
— E vocês só iriam realizar o casamento de verdade depois que você completasse vinte anos – Madame Collier tentou arrumar a informação.
— Ah... Entendi – dei um sorriso irônico. Senti que lágrimas enchiam meus olhos e eu odeio chorar — Então era só para quando eu fosse mais velha... Nossa, que compensação por me vender para um total estranho. Como uma mercadoria, né?
— Não é assim, Valentina – ele deu um passo adiante — Esse tipo de coisa é muito comum nesse mundo. Você só vai seguir uma tradição.
— Sei... O que eu quero não importa nada – esfreguei as sobrancelhas — Eu sou apenas um prêmio para ser sacrificado em um bom acordo.
— A máfia vem agindo assim desde sempre.
— Boa resposta – estalei a língua — Mas não tão boa a ponto de me convencer. – senti meus olhos arderem, as lágrimas ameaçando escapar, mas minha boca ficou seca.