Ela hesitou por alguns segundos com o polegar pairando sobre o botão de envio, o coração batendo forte no peito. Então, apertou enviar.
A mensagem foi entregue instantaneamente. Nenhuma resposta veio de imediato, mas o simples ato de escrever aquilo foi como acender um fósforo num barril de pólvora: perigoso, errado — e absurdamente excitante. Guardou o celular na bolsa, mordeu o lábio inferior e tentou se convencer de que ainda tinha o controle da situação. Mas no fundo, ela sabia: não tinha controle algum. Assim que chegou em casa, tomou um banho quente e demorado. Deixou a água escorrer por seu corpo, como se pudesse apagar as sensações que Heitor provocara mais cedo. Mas não apagava. A cada lembrança do toque dele — ou da promessa daquele toque — o calor em seu ventre reacendia. Quando saiu do banheiro, enrolada em uma toalha e já um pouco mais centrada, encontrou Bianca preparando pipoca na cozinha, animada como sempre. — Agora sim — disse Bianca, sorrindo e balançando a tigela nas mãos —, noite de cinema, pipoca... e fofoca, claro. — Fofoca é contigo, não comigo — rebateu Laura, divertida. — Ah, claro... a senhorita ética e profissional. Mas vai me dizer que não adorou fazer serão com nosso chefe gostosão? Aposto que ficou até tarde só pra admirar aquele monumento de terno e gravata... Laura revirou os olhos, mas não conseguiu conter o riso. Sentaram-se no sofá, como faziam em tantas outras noites, com a televisão ligada em algum filme irrelevante e a tigela de pipoca entre elas. — Então? — insistiu Bianca . — Pode ir dizendo logo que se apaixonou por ele mesmo sendo gay, porque olha... isso seria muito a sua cara. — Gay? — Laura deu uma risada nervosa. — Agora sou eu que tenho uma bomba pra te contar. Mas, por favor, isso fica só entre a gente, tá? Eu posso até perder meu emprego se isso vazar. — Juro por tudo que é sagrado que não sai uma palavra da minha boca. Agora fala, mulher! Como você tem tanta certeza de que ele não é gay? Laura respirou fundo. — Porque ele me cantou. Na sala dele. E ele mesmo disse que nunca desmentiu os boatos porque isso mantém as mulheres inconvenientes demais longe dele. Fez um jogo de sedução muito bem arquitetado comigo... e não, nós não transamos — apressou-se em completar ao ver o brilho nos olhos da amiga. — Mas ele tentou, não tentou? Ai, meu Deus, ele quis te agarrar? Me diz que foi na mesa dele! Nossa, que loucura! — Calma, Bianca! Se você parar de me interromper, eu conto. Ele não me tocou... não de verdade. Mas falou coisas. Coisas que eu não consigo tirar da cabeça até agora. Prometeu me fazer perder o controle, me disse para o chamar pelo primeiro nome quando estivermos a sós... — ela parou, corando. — Confesso que ele é muito intenso e excitante. Bianca jogou a cabeça para trás, rindo. — Só de imaginar aquele deus grego falando um monte de sacanagens com aquela voz grave no meu ouvido, eu sinto até calor. — Pois é. Eu também senti. E mais: fantasiei. Imaginei exatamente o que ele descreveu. Eu debruçada na mesa dele, chamando por ele... — Laura suspirou, envergonhada. — E por que não rolou? Se os dois estão tão atraídos desse jeito, por que você não ficou logo com aquele gostoso? Laura desviou o olhar. — Porque ele não quis e também porque ele me dá medo, Bianca. Aquele homem... tem uma presença, um poder. É como se escondesse mil segredos por trás daquele olhar. Eu aposto que quase ninguém realmente o conhece. — Isso é verdade. Tudo o que sabemos sobre ele saiu na mídia, anos atrás. Dizem que herdou uma fortuna bilionária e que a multiplicou com investimentos brilhantes. Tem 32 anos, mas da vida pessoal... nada. Só que o pai dele mora em outra cidade e eles não se falam desde que o velho se casou com uma mulher mais nova que o próprio Heitor, e ele foi embora de casa por causa dela. — Eles não se falam? — Há anos. E sobre relacionamentos... nada. Nenhuma namorada, nenhum escândalo, nenhuma aparição com alguém. É por isso que todos acham que ele é gay. Mas que ele transa, com certeza transa. Só que deve ser do tipo extremamente discreto. Laura permaneceu em silêncio por alguns segundos, pensativa. — Quer saber? A melhor coisa que eu faço é me manter longe dele. — Como assim “longe”? — Intimamente, digo. Amanhã mesmo vou deixar claro que serei apenas sua secretária. Nada mais. Bianca arregalou os olhos, como se Laura tivesse dito que ia abandonar o próprio emprego. — Não acredito que você vai dispensar aquele homem agora que sabe que ele é hétero! Por quê? Medo de viver uma aventura? — Não é medo, é precaução. Eu fui contratada para trabalhar com ele, não para me envolver. — Mas você quer se envolver. Dá pra ver nos seus olhos — disse Bianca. — Sim, eu quero. Mas também tenho medo de me viciar nele. Bianca... ele me deixou molhada só com palavras e presença. Imagina se ele me tocar de verdade? — Laura estremeceu. — E tem mais... ele mandou eu ir de vermelho amanhã. Bianca soltou uma gargalhada alta. — Ai, amiga... o cara realmente não é nada do que falam por aí... acho até que ele deve ser um daqueles homens bem safados, sabe? — Pois é. Mas eu não vou obedecer. Vou deixar claro, usando uma roupa neutra e com uma postura bem profissional, que sou apenas a secretária dele. — Talvez seja o melhor mesmo — disse Bianca, ficando mais séria. — Porque você não é como eu. Você se entrega. Não sabe separar sexo de sentimento. Pode acabar sofrendo de novo... Aquela última frase ficou no ar por alguns segundos. Um lembrete silencioso de feridas antigas que ainda não estavam totalmente cicatrizadas. Laura assentiu devagar, sem responder. Sabia que a amiga tinha razão. Depois disso, as duas voltaram a falar de trivialidades, comentaram o filme que passava na TV e riram de coisas bobas, como sempre faziam. Mas o pensamento de Laura não estava ali. Estava no escritório. Na sala dele. Na voz dele. No som da voz grave e autoritária dele, mandando que ela fosse trabalhar de vermelho no dia seguinte.