capítulo 4
Com a passagem já reservada, desliguei a tela do celular, fechei os olhos por um instante e respondi num tom calmo:

— Só estava lendo as notícias.

Thiago franziu a testa, claramente irritado com minha resposta.

De repente, girou no banco, arrancou meu celular da mão e, desbloqueou a tela.

Ficamos os dois em silêncio.

Porque... A senha era a data do meu aniversário.

Ele digitou sem hesitar, como se tivesse feito aquilo mil vezes.

O rosto dele ficou vermelho, uma mistura de raiva e embaraço.

Rapidamente, trancou o aparelho de novo, sem se importar mais com quem eu estava falando. Apenas disparou, entre os dentes:

— Tô avisando. Não começa a fantasiar coisa onde não tem.

Balancei a cabeça, mantendo o tom sereno:

— Eu não entendi o que você quis dizer. Não estou pensando em nada.

Mas ao invés de se acalmar, isso só o deixou ainda mais irritado.

Mafalda, do lado dele, soltou uma risadinha alegre.

Agarrou o braço de Thiago e piscou de forma encantadora:

— Thiago, não foi nesse dia que a gente se conheceu? É uma data especial, né?

Ele afastou a mão dela com certo desdém. A voz saiu seca, tensa:

— É. Chega, Mafalda. Vamos pra casa.

Chegamos.

Assim que a Ferrari parou, Thiago jogou o celular no meu colo como se estivesse queimando suas mãos.

Saiu primeiro, com Mafalda amparada pelo braço, fingindo desconforto.

Antes de subir, virou-se e disse:

— Prepara umas comidas que a Mafalda goste. E... — Fez uma pausa, quase envergonhado. — Prepara também umas que a Regina costumava gostar. Três lugares na mesa.

Falou baixo, como se não quisesse que eu ouvisse.

Mas eu ouvi. E não soube o que sentir.

As lembranças dos tempos em que nos amamos pareciam tão distantes que já não sabia mais como reagir.

Devia me emocionar? Devia ignorar?

Escolhi o silêncio.

Fui até o quarto de hóspedes e comecei a organizar minhas coisas.

Quando abri a mala, levei um susto.

Todas as minhas roupas tinham sido cortadas, como se alguém tivesse passado a tesoura em cada peça com raiva.

Mas, por sorte, os documentos e o passaporte estavam intactos.

Escondidos na divisória secreta da mala.

Guardei tudo no corpo com cuidado. Estava prestes a sair, quando dois capangas apareceram.

Sem dizer uma palavra, me arrastaram até o subsolo.

Me lançaram no chão frio do porão como um saco de lixo.

E foi ali, naquele canto escuro, que vi Mafalda, encostada na parede.

Ela me olhou de cima a baixo com desprezo.

— Aguenta firme mesmo, hein, Regina. — Disse Mafalda, com um sorrisinho quase divertido, um quê de sadismo brilhando nos olhos. — Tenho que admitir, poucas mulheres conseguiriam continuar depois de serem humilhadas em público do jeito que você foi. A maioria já teria sumido. Mas você não. Você só... vai se arrastando.

Ela fez um teatrinho, puxando o ar como se estivesse chocada.

— Ah, é verdade. Sua avó, aquela senhora tão doce morreu no mês passado, né? Agora, sem o Thiago, não sobrou ninguém pra você se encolher e chorar no colo.

O tom era cruel, calculado. E mesmo assim, com uma tranquilidade desconcertante, ela mudou de assunto.

Seus olhos brilharam com malícia quando me encarou.

— Regina, lembra daquele dia em que você implorou ao Thiago, chorando, pedindo pra pegar o helicóptero até o hospital, só pra ver sua avó pela última vez?

Fez uma pausa dramática. Depois, sorriu.

— Quer saber por que ele recusou?

Tirou o celular da bolsa, já com a tela preparada, e me mostrou.

— Porque naquele mesmo dia ele tinha prometido me levar pra ver o pôr do sol no mar Egeu. Fofo, né? Você perdeu a última pessoa que te amava... e ele tava ocupado esquentando champanhe pra mim.

As paredes de concreto do porão devolveram aquelas palavras com um eco cruel, como se zombassem de mim.

Não aguentei.

Com um tapa seco, derrubei o celular da mão dela.

Mafalda apenas deu uma risada aguda, quase divertida. Me olhou como quem já esperava aquela reação.

— Sabia que Thiago me deu controle total da casa? — Disse ela, com gosto. — Mandei transferir o arsenal pra parede ao lado.

E então olhou o relógio, como se esperasse um espetáculo.

— Agora, é hora.

Antes que eu entendesse o que aquilo significava, o estrondo veio.

Um rugido ensurdecedor, como mil trovões. A explosão sacudiu o chão, o calor queimou o ar. O porão virou um inferno.

Tudo desabou.

Pedaços do teto vieram abaixo, e um deles caiu sobre mim, me prendendo ali. Mal conseguia mexer o corpo. Senti o sangue escorrer da testa e turvar minha visão.

Mafalda também estava presa, mas ainda tinha uma parede semi-intacta lhe dando algum abrigo.

A poeira suspensa rasgava minha garganta a cada tentativa de respirar. Tossia sem parar, e a fumaça entrava ainda mais fundo nos pulmões.

Aos poucos, tudo foi ficando escuro.

Foi quando ouvi uma voz, desesperada:

— Regina!

Era Thiago.

Logo depois, outro grito, o de um dos seus homens:

— Chefe, não pode entrar! Está instável! Já tem gente iniciando o resgate…

— Sai da minha frente! A Regina ainda está lá dentro!

E então ele entrou. Ignorando fumaça, perigo. Correu de volta pro meio do caos.

No meio da fumaça espessa, sufocante, Thiago não esperava encontrar Mafalda ali também.

Ela estava presa sob uma parede desabada, o corpo frágil coberto de poeira e sangue. A voz saiu fraca, quase um sussurro:

— Thiago… Me ajuda…

O coração dele falhou um batimento. Correu até ela sem pensar duas vezes, e com as próprias mãos começou a remover os escombros que a prendiam.

— Aguenta firme, Mafalda! — Gritou, desesperado, puxando-a para os braços, suja, mas viva.

Ao se virar, me viu. Eu também estava presa, soterrada sob os restos da parede. Nossos olhos se encontraram no meio do caos.

Ele hesitou.

Por um segundo, apenas um — o suficiente para me olhar nos olhos.

Então, cerrando os dentes, virou o rosto. E me deixou ali.

Enterrada nos destroços, sufocada pela fumaça negra, esquecida.

O calor queimava a pele. O ar vinha carregado de fuligem. Respirar era como enfiar espinhos nos pulmões.

Mas eu sabia: se eu desistisse ali, seria o fim.

Não. Eu não ia morrer assim.

Nem que fosse só para viver o bastante para ver Thiago se arrepender amargamente.

Com os dentes trincados, comecei a me arrastar. Procurei uma fresta entre os escombros, forçando o corpo pelo menor espaço possível, guiada apenas pela memória da planta da casa.

A passagem de emergência escondida no porão, feita com tijolos refratários e ventilação ligada ao muro de trás do jardim. Ali talvez ainda houvesse uma chance.

Mais um pouco. Só mais um pouco…

E então eu vi. A luz.

A lua sobre o jardim. A liberdade que eu já nem ousava sonhar.

Caí entre os espinhos das roseiras, a pele do rosto rasgada pelos galhos, o sangue quente escorrendo, mas eu nem senti. Só consegui rir. Uma risada leve, solta, que lavou meu peito.

Subi no Rolls-Royce preto que me esperava sabe-se lá há quanto tempo, e segui direto para o aeroporto.

Já tossindo, embarquei no voo para Londres, depois de despachar minha bagagem.

Minutos antes da decolagem, uma mensagem chegou no celular.

[Não tenho tempo pra brincadeiras. Agora, venha me ver.]

Thiago.

A Regina de antes teria voltado. Correndo. Esquecida o orgulho, implorado por um olhar dele.

Mas a de agora apenas desligou o aparelho. Retirou o chip. Jogou no lixo.

O avião decolou, e a Itália foi ficando para trás, cada vez menor.

Thiago, a partir de hoje, você e eu, nunca mais.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP