capítulo 2
Assim que avistei o Rolls-Royce preto estacionado do lado de fora dos muros, apressei o passo.

Mas antes que eu conseguisse sair pelo portão, dois capangas surgiram de repente. Um de cada lado, me agarraram com força e me arrastaram de volta pra dentro da mansão.

No escritório, Thiago mandou me amarrarem como um animal. Ainda colocou um pano na minha boca, para que eu não dissesse uma palavra.

O médico da família chegou pouco depois. Sem dizer nada, enfiou uma agulha enorme no meu braço. A seringa era tão grossa quanto o braço de um bebê.

Quando terminou de coletar o sangue, saiu calmamente da sala. Pela fresta da porta entreaberta, consegui ouvir a conversa dele com Thiago:

— Senhor Thiago, embora tanto Regina quanto Mafalda tenham tipos sanguíneos raros, Regina tem asma desde criança. Esse procedimento pode levar ela a um choque...

— Não desperdice meu tempo com possibilidades. — Respondeu Thiago, com uma frieza que gelava os ossos. — Sua única função é estabilizar o estado da Mafalda. O resto... é comigo.

O médico assentiu, hesitante.

Seus passos eram leves, elegantes. Quando parou diante de mim, vi suas botas de couro lustradas brilharem sob a luz. Mantive os olhos fechados. Não tinha coragem de encarar ele.

— Está doendo muito? — Thiago perguntou, levantando meu queixo com cuidado. Passou os dedos pela ferida em meu lábio, que eu mesma mordi.

O tom dele quase soava gentil.

— Aguenta só mais um pouco. Já está quase.

Uma risada amarga escapou da minha garganta.

— Deixa pra lá. — Murmurei.

Que fosse. Que esse sangue servisse como pagamento pelos poucos momentos de carinho que ele me deu ao longo desses anos.

Depois de tirar 600 mililitros, meu corpo já tremia. Os lábios, roxos. Comecei a ofegar, sentindo um frio que vinha de dentro.

Achei que aquilo seria o fim.

Mas foi nesse momento que, no quarto principal, Mafalda começou a tossir.

Thiago, que já se inclinava pra me segurar, parou de repente.

Segurou o braço do médico, impedindo-o de remover a agulha, e ordenou:

— Tire o dobro.

O médico empalideceu. A voz dele saiu num sussurro assustado:

— Senhor Thiago, isso pode deixar sequelas permanentes...

Por um instante, o silêncio caiu como pedra.

Então, com a mesma calma cruel de sempre, Thiago respondeu:

— Mafalda está grávida. Ela vem primeiro.

— Mas...

O médico ainda tentou protestar.

Eu o interrompi antes que pudesse continuar. A voz saiu fraca, arranhando a garganta.

— Pode tirar. Só me deixe ir embora depois.

Ao ver meu rosto pálido como papel, Thiago passou a mão pela testa, impaciente. A voz saiu seca, dura:

— Já acabou o drama? Vai mesmo embora por causa de uma bobagem dessas? Mesmo depois de tudo, até depois de você ter me enganado...

Eu ainda nem tinha respondido, mas bastou um sussurro delicado vindo do quarto — um "Thiago" doce e manhoso da Mafalda — para que ele virasse nos calcanhares e saísse, leve, apressado.

Fiquei olhando para as costas dele enquanto se afastava. E lembrei.

Lembrei de quando a gente se amava de verdade.

Naquele inverno, na primeira neve do ano, eu estava com febre alta, quase delirando.

Foi ele quem dirigiu a madrugada inteira, sem pestanejar, só pra me levar ao hospital.

Carregou meu corpo febril nos braços, deu remédio gota por gota, não saiu do meu lado nem por um segundo.

Disse:

— Você é a parte mais importante da minha vida.

E eu acreditei.

Ele me beijava como um homem à beira da loucura. Me prensava contra a janela de vidro do apartamento e murmurava, rouco:

— Vamos ficar assim pra sempre. Nunca me deixa, tá?

Mas agora, ele virou as costas e foi embora sem olhar pra trás.

Em que momento tudo começou a desmoronar?

Foi naquele dia. Quando ele, por acaso, encontrou o contrato.

Um acordo antigo, assinado entre minha família e o pai dele, Matheus Vidal.

Ali estava escrito, preto no branco: a família Vidal apoiaria os negócios falidos dos Verani. Em troca, eu teria que me casar com Thiago.

Lembro como se fosse agora. Ele estava parado na porta do escritório, calado, com o papel tremendo entre os dedos.

O rosto tão frio quanto gelo.

Corri até ele, desesperada:

— Eu não sabia da existência desse contrato! O casamento foi por amor, eu juro! Nunca quis te enganar!

Ele me encarou por um longo tempo. Os olhos, antes cheios de paixão, agora vazios, sem nenhum calor.

— Então é isso... — Disse ele, com desprezo. — Você era só uma mercadoria de luxo, embrulhada pra presente.

Naquele momento, vi ele erguer um muro invisível entre nós. Com as próprias mãos.

E depois disso... ele nunca mais me abraçou.

Nunca mais me beijou.

O que sobrou foi aquele olhar frio, que me pesava como se eu fosse culpada de tudo.

Todas as juras de amor, as promessas de me proteger pro resto da vida… se transformaram, hoje, nessa frase cruel:

— Já acabou o drama?

Eu tentei.

Tentei devolver a nós dois aquele começo bonito.

Mas, Thiago. Eu me cansei. Cansei tanto que já não tinha mais força nem pra te amar.

Fechei os olhos e deixei a escuridão vir.

...

Dois dias depois.

Ainda me recuperando do choque, abri os olhos no quarto de hospital e dei de cara com Thiago, sentado em silêncio, revisando uma pilha de documentos.

Nossos olhares se encontraram por um longo tempo.

Sem dizer nada, ele se levantou, trouxe uma tigela de mingau e se aproximou. Soprou levemente uma colherada e a levou até minha boca, como se fosse me alimentar.

Virei o rosto e murmurei:

— Eu mesma cuido disso.

Thiago se afastou um pouco e observou em silêncio enquanto eu comia metade da tigela.

Depois, com uma voz baixa, quase afetuosa, perguntou:

— Está sentindo alguma coisa? Algum incômodo?

Mas minha resposta veio seca, sem olhar pra ele:

— Pode me entregar meu celular?

Talvez fosse o tom frio da minha voz, ou a distância que ela deixava entre nós, mas ele hesitou por alguns segundos. Só então fez um gesto com a mão, e um dos seguranças me trouxe o telefone.

Ele franziu a testa ao ver a tela cheia de chamadas não atendidas.

— Quem te ligou?

Antes, Thiago nunca se importava. Nem perguntava.

Olhei para o celular e respondi com simplicidade:

— Alguém que você não conhece.

Num instante, ele perdeu o controle. Arrancou o primeiro botão da camisa com força, e depois agarrou meu queixo, apertando como se quisesse me fazer ceder na marra.

Os olhos dourados brilharam com raiva, como os de um leão prestes a atacar.

— Regina, até quando vai bancar a princesa mimada na minha frente? Dou um pouco de carinho e você já se acha no direito de me desafiar?

Antigamente, quando Thiago se irritava, eu me encolhia. Pedia desculpas, tentava consertar. Tentava acalmá-lo.

Mas agora, não.

Agora, eu só estava cansada.

Apontei para o celular dele, vibrando sem parar sobre a mesa, e falei com calma:

— É a Mafalda te ligando.

Ele congelou por um instante. Toda a fúria evaporou do rosto. Afrouxou a gravata, ajeitou a camisa amassada e saiu do quarto sem dizer uma palavra.

Mal ele passou pela porta, meu celular tocou.

Atendi.

Antes que eu dissesse qualquer coisa, a voz do outro lado falou, ansiosa:

— Você não ia vir me encontrar? Regina, me diz que não desistiu...

— Não, não desisti. Só... tive um imprevisto. — Sussurrei.

— Imprevisto? O que aconteceu? Isso não tá certo. Vou pra Itália te buscar...

Cortei a fala dele com um leve sorriso, sereno:

— Só me dá mais alguns dias. Poucos.
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