Capítulo 3

Antonella

Tudo o que eu queria era um sinal. Um gesto. Uma chance de mostrar que eu existo para além do contrato. Passei a tarde na cozinha com a empregada, insistindo em fazer pessoalmente a lasanha à bolonhesa. Era o prato preferido dele.

A receita da avó dele, com toques de vinho tinto, queijo parmesão fresco e camadas grossas de molho de carne moída refogado lentamente. Fiz com carinho, quase como um feitiço, se ele provar, talvez me veja. Talvez me sinta.

Arrumei a mesa na sala de jantar com mais cuidado que nunca. Usei uma toalha branca com detalhes dourados, dobrei os guardanapos em forma de flor e acendi uma vela pequena no centro, mesmo tendo eletricidade naquela mansão, eu queria o simples e romântico. Mas precisava de calor. De alguma centelha no meio daquele gelo todo.

Tomei banho, sequei os cabelos e vesti um vestido azul-marinho simples, mas que marcava minha cintura. Ajeitei os cabelos e desci com o coração aos pulos.

O relógio marcou 19h42 quando ouvi a porta da frente se abrir. O som dos passos dele ecoando no piso frio sempre mexia comigo. Abaixei as mãos para disfarçar o nervosismo, respirei fundo e fui até a sala de jantar, tentando sorrir.

Alonzo entrou com o blazer jogado por cima do ombro, a gravata frouxa e os olhos cansados. Ele parou na entrada, observando a mesa. Depois, me olhou com a expressão neutra de sempre.

— Preparei algo especial… você tem um minuto? — perguntei, com a voz quase trêmula, mas firme o suficiente para não parecer desesperada.

Ele demorou a responder. Avaliou o ambiente como se eu tivesse feito algo fora de lugar. Por um segundo, achei que ele fosse sentar. Mas então disse:

— Não tenho fome. Jante sem mim.

E subiu as escadas.

Simples assim.

Nem um “obrigado”. Nem uma explicação. Só o som dos passos se afastando. E mais uma porta que se fecha entre nós.

Fiquei ali parada, sentindo meu rosto arder. Não pela vergonha, mas pelo esforço em não desabar ali mesmo. Sentei sozinha, encarei o prato montado com perfeição, as camadas da lasanha ainda soltando fumaça. E não consegui tocar em nada.

As lágrimas caíram antes que eu pudesse impedi-las.

Subi correndo para o quarto, tirei o vestido e me joguei na cama. Enfiei o rosto no travesseiro, gritando contra o tecido.

— Até quando eu vou aguentar isso?

Abri o notebook e escrevi um rascunho de e-mail para o advogado da família:

— "Senhor Gagliardi, gostaria de saber se há alguma cláusula no contrato que permita o encerramento antes do prazo de três anos, considerando… desgaste emocional irreparável."

Li, reli… e apaguei. Não. Ainda não.

Ele vai me olhar. Vai me enxergar como mulher, como esposa… como alguém além de um nome numa certidão empresarial.

Fechei o notebook. Me levantei e fui até o espelho. Meu rosto ainda vermelho, os olhos marejados. Mas havia algo na forma como encarei meu reflexo. Um fio de orgulho que teimava em não morrer.

Desci novamente. A vela ainda acesa. A lasanha intocada.

Peguei o prato dele e coloquei em um pote de vidro. Guardei na geladeira. Amanhã, quem sabe, ele tenha fome.

Antes de subir de novo, parei na varanda.

Toronto estava fria como sempre à noite. A vista era linda, os prédios acesos pareciam constelações invertidas. E ali, naquele frio que mordia os ossos, me peguei sussurrando baixinho:

— Você ainda vai me olhar como mulher… nem que seja no último dia desse contrato.

Voltei para o quarto, troquei o pijama, peguei meu diário e sentei na poltrona de canto. Comecei a escrever com as mãos trêmulas, mas o que saiu foi direto:

— “Querido diário, hoje tentei mais uma vez. Tentei fazer com que ele me enxergasse. Cozinhei, arrumei a mesa, sorri. E ele disse que não tinha fome. Ele nunca tem fome de mim. Às vezes penso que há algo errado comigo. Mas não. Eu sei que ele tem medo. Ele acha que se me tocar, algo dentro dele vai quebrar. E talvez eu quebre junto. Mas eu vou continuar. Porque meu coração é burro. É teimoso. É dele. E eu vou lutar. Nem que seja por um olhar. Nem que seja por uma noite. Nem que seja só para ele se lembrar que existo.”

Fechei o diário. Encostei na poltrona e deixei os olhos se fecharem devagar. Não vou desistir. Ainda não.

Amanhã é mais um dia… e se ele não tem fome agora, talvez sinta falta depois.

Na manhã seguinte, vesti uma roupa elegante, mas discreta, calça preta de alfaiataria, blusa creme de gola alta e um blazer xadrez em tons suaves. Prendi o cabelo em um coque baixo e fui até a empresa dele.

Mesmo como esposa de Alonzo, eu fazia questão de cumprir minha parte no contrato, que incluía presença em eventos da família e participações sociais na empresa.

O elevador até o décimo andar parecia mais lento que o normal. Eu sabia que ele estaria lá em alguma sala de reuniões, imponente como sempre.

Assim que cheguei à recepção do andar executivo, fui surpreendida por um dos gerentes de marketing, Matteo, um homem simpático e sorridente, que sempre me tratava com gentileza.

— Senhora Karvell — disse ele com um sorriso genuíno. — Está radiante hoje. Essa cor combina perfeitamente com você.

Sorri, educada, mas um pouco sem jeito.

— Obrigada, Matteo. Você é sempre gentil.

— Só falo verdades. Se eu fosse o seu marido, cancelaria todas as reuniões só pra almoçar com você.

Antes que eu pudesse responder, senti um olhar atravessar a minha pele. Virei levemente o rosto e vi Alonzo no final do corredor, parado, observando. O maxilar travado, as mãos fechadas. Ele ficou ali por alguns segundos, depois entrou na sala de reuniões sem dizer uma palavra.

Fingi que nada tinha acontecido, mas confesso que minhas mãos suaram um pouco.

Minutos depois, desci até a cafeteria da esquina para encontrar minha prima Emily. Ela era o oposto de mim… extrovertida, falante, dona de uma risada contagiante e de uma mente afiada. Assim que me viu, levantou os braços:

— Olha ela aí, a esposa mais linda do Canadá!

— Emily, para com isso — ri, sentando à sua frente.

— Eu vi no site da empresa que você esteve lá hoje. Quase coloquei um outdoor dizendo: “Ela está viva, senhoras e senhores!”

— Boba — sorri, mas suspirei em seguida. — Almoço e janto sozinha quase todos os dias, você sabe.

— E hoje? Nenhuma migalha de atenção do bonitão?

— Na verdade… algo estranho aconteceu. Um dos gerentes me elogiou, coisa leve, sabe? E o Alonzo viu.

— E?

— E o jeito como ele olhou… foi estranho. Ele ficou sério. Tenso. Parecia… incomodado.

Emily ergueu as sobrancelhas com um sorriso.

— Isso se chama ciúmes, minha querida. E dos grandes.

— Não, não… ele não sente nada por mim, já deixamos isso claro desde o começo.

— Antonella, até um poste teria sentido aquele olhar. Você mexe com ele, mesmo que ele tente esconder. E sabe por quê? Porque ninguém consegue ser de gelo pra sempre. Uma hora, o fogo que você tem vai derreter aquilo tudo ali.

As palavras dela ficaram ecoando em mim mesmo depois que voltamos a conversar sobre outros assuntos. Talvez fosse exagero. Talvez fosse só coisa da minha cabeça.

Mas talvez… fosse o começo de alguma rachadura no gelo. E meu coração, teimoso como sempre, acelerou.

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