Antes que ele pudesse protestar, Ágata já caminhava até a porta. Seus passos eram lentos, medidos, carregando uma calma enervante. Kael a observou em silêncio, tentando decifrar sua intenção. Não confiava nela, mas também não encontrava um motivo convincente para que o tivesse salvo. A porta se fechou, e ele soltou um longo suspiro. Sentia-se exausto, como se algo dentro dele tivesse sido arrancado. Seus olhos vagaram pelo quarto. As paredes de pedra escura, a lareira acesa num canto, os frascos de poções deixados por Ágata. Tudo parecia estranho e familiar ao mesmo tempo. Mas o desconforto não vinha do ambiente. Vinha de dentro. Ele fechou os olhos, tentando se lembrar da última coisa antes de apagar. Sangue. Dor. Azrael caindo morto a seus pés. A fúria queimando como uma tempestade sem fim. E então... o toque frio de Ágata puxando algo dele. Os olhos de Kael se abriram de repente. E se seu pai tivesse a ver com isso? Não fazia sentido. O medo do pai era que ele desenvolve
— Fez uma promessa a ela, lembra-se? Kael parou, estático. Ele a olhou por cima do ombro. — É mesmo? Uau, como eu pude esquecer disso — Kael disse sarcasticamente. — Eu também prometi que daria minha vida por ela se ela decidisse ficar comigo. E ela morreu. Não era difícil sentir o que Kael estava sentindo naquele momento. Seus olhos estavam cheios de tristeza e raiva. — É claro. Com um mundo desse tamanho, somente Kael, o escolhido, sofre — Ágata falou, dando a volta na mesa. — Eu pedi com gentileza, mas acho que você não entendeu: você vai fazer isso. Teria destruído um reino inteiro se eu não o impedisse, e isso é contra a lei. Pode ser visto como um ataque do próprio rei dos demônios. Imagina o problema que você traria aos outros demônios que vivem escondidos no mundo humano. Se não fizer por bem, amanhã pela manhã o exército estará atrás de você, e talvez à tarde sua cabeça decore uma estaca no centro da cidade, depois de ser acusado de alta traição. Kael bufou, olhando
Kael desceu do sótão, ainda perdido em pensamentos sobre o encontro inesperado com Boldar. Caminhava pelo corredor rumo ao quarto quando algo do lado de fora chamou sua atenção. Ao passar por uma das janelas, parou abruptamente. Lá fora, uma das árvores se moveu. Não foi um simples balançar de vento ou o farfalhar rotineiro das folhas. Ela deslizou pelo solo, como se estivesse viva. Franziu o cenho, inclinando-se para enxergar melhor. Outra árvore repetiu o movimento, depois outra, e mais outra, como se a floresta inteira estivesse… caminhando. Foi então que as palavras de Agatha ecoaram em sua mente: "A casa anda em reforma." Ele piscou. Aquilo não era uma metáfora. A casa realmente andava. Kael recuou um passo, observando melhor a estrutura ao redor. Por fora, parecia pequena, quase insignificante, mas lá dentro… era imensa, confortável, aconchegante de um jeito estranho. Aquilo exigia um nível altíssimo de magia. Ele soltou um riso curto. — Uma maga de primeiro nível
Nos três dias seguintes, Kael e Ágata permaneceram na vila. Kael reforçou as cercas, cavou um novo poço e inspecionou os estábulos. Ágata, por sua vez, canalizou sua magia para restaurar parte das plantações ressecadas. Apesar dos esforços, os ataques às carroças dos viajantes continuavam sem sentido, e Kael precisava descobrir a verdade. À noite, na taverna da aldeia, ele espalhou um boato: um novo carregamento de cerveja estava a caminho, escoltado por um mercador rico, dono da fabricação. Como esperado, o "lobo" atacou novamente. Mas não havia mercador, apenas uma armadilha cuidadosamente montada para revelar a verdade. Durante o confronto, Kael percebeu que não era um lobo atacando as carroças — eram homens. Os bandidos usaram a lã das ovelhas desaparecidas para criar disfarces e encobrir seus rastros. Após um combate breve, Kael os capturou e os levou ao ancião da vila. Exausto, retornou à casa onde estavam hospedados. Quando o terceiro dia amanheceu, a vila respirava com ma
Bazzard era uma cidade de pedra e ferro, com ruas fervilhantes de mercadores, guardas e viajantes. Kael e Ágata passaram pelos portões sem dificuldades, exibindo o selo do rei. — Vamos direto à prisão — disse Ágata. O prédio era sombrio e úmido, impregnado pelo cheiro metálico de ferrugem e algo mais… algo que Kael reconheceu no instante em que cruzou a entrada. Ódio. Quando a cela de Yoran foi aberta, a reação dele foi imediata. Um soco certeiro atingiu Kael no queixo, jogando-o para trás. — Acha que eu sou idiota?! — rosnou Yoran. — Acha que eu não ia sentir esse cheiro podre em você?! Kael se ergueu, limpando o canto da boca, o olhar endurecido. — Filho da— Antes que terminasse, revidou o golpe, arremessando Yoran contra a parede. Ágata segurou seu braço antes que ele avançasse de novo. — Chega. Yoran cuspiu no chão e estreitou os olhos para ela. — O que vocês querem? — Falar com você — respondeu Ágata, soltando Kael. — Mas, se preferir continuar bancando o
Kael estava quase sem fôlego com a história. A tensão aumentava a cada palavra, mas Yoram continuou, impassível: — A voz me ofereceu algo... algo que eu nem sabia que queria. Falou de riquezas, conforto, e até me mostrou uma visão do que poderia ser meu futuro, caso aceitasse. Sei o que você está pensando: que tipo de idiota cai num poço, encontra uma vela falante e ainda escuta o que ela tem a dizer? — Ele riu, sem humor, balançando a cabeça. — Eu concordo. Mas eu estava desnorteado, sem saber o que fazer. E quando a vela me prometeu que eu poderia trazer Yure de volta, eu não hesitei. Aceitei na hora. O silêncio pairou por um instante antes de Yoram continuar, sua voz levemente rouca. — Assim que aceitei... a vela se apagou. E eu caí. Caí sem parar. O mundo ao meu redor desmoronava, e a cada vez que meu corpo colidia contra algo, eu amaldiçoava aquela maldita vela. Mais uma pancada, e eu teria morrido. Kael respirou fundo, processando as informações, tentando encaixar as peça
O aroma forte e envolvente do café recém-passado preenchia o ambiente, despertando lentamente os sentidos de quem ainda repousava. O sol da manhã filtrava-se pelas janelas da cozinha, projetando sombras suaves sobre a madeira envelhecida da casa. As paredes de pedra e a mesa rústica de carvalho compunham o cenário onde Boldar estava, encostado no batente da porta, a xícara de barro entre os dedos longos. Seus olhos vermelhos eram uma lâmina na penumbra—um brilho inquietante, quase melancólico. O cabelo negro escorria sobre os ombros, com uma única mecha branca destoando no topo da cabeça. Ele parecia uma obra-prima inacabada—força crua e beleza trágica em uma só figura. "" Kael inclinou-se para trás na cadeira, despreocupado. O brilho cortante dos olhos âmbar denunciava que sua letargia era enganosa—ele estava sempre pronto para agir. As cicatrizes sob sua pele contavam histórias que ele jamais se daria ao trabalho de narrar." O cabelo castanho, desgrenhado, caía preguiçosamente so
A Taverna do Falcão Negro era um buraco decadente. O chão de madeira rangia sob os pés dos clientes embriagados, e o ar cheirava a cerveja fermentada, suor e carne assada. Homens riam alto, engrossando suas histórias de batalha, enquanto outros apostavam em jogos de dados e cartas. O grupo se sentou em um canto discreto, observando. Não demorou para que notassem Lake, o comandante dos Fúria da Noite e um dos chefes da guarda real. Ele estava no centro do salão—grande, robusto, com uma barriga ligeiramente protuberante, mas ombros largos e braços fortes. Sua armadura, embora gasta, ainda parecia imponente, e sua espada repousava sobre a mesa ao lado de uma caneca cheia. Falava alto, gabando-se de feitos passados, enquanto os homens ao redor riam e brindavam. Bêbado e descuidado, em um gesto brusco, ele atirou uma garrafa na direção da porta. Kael, que passava naquele momento, desviou com facilidade, mas a garrafa estourou contra a parede. — Ei, cuidado aí. Lake se viro