Mundo de ficçãoIniciar sessão
Um dos melhores alfaiates de Caxias finalizou os últimos ajustes no smoking azul-turquesa de Anderson, que exibia um sorriso radiante por ter como par a garota mais desejada do Colégio Valdevez. Antônio, seu pai, e o irmão caçula uniram-se numa risada diante da euforia estampada no rosto do adolescente.
— Vai ser o garoto mais bonito do baile — disse Antônio, sorrindo diante da empolgação do filho em seu primeiro grande evento. — O senhor acha mesmo? — perguntou Anderson, levemente acanhado. — Não. Tenho certeza absoluta de que será o mais notável — respondeu o pai. No mesmo instante, o garoto desceu do banquinho e o abraçou com força. — Eu te amo, papai. — Embora soubesse que o senhor Silveira não era seu pai biológico, Anderson o respeitava e o tratava como se fosse. Logo após os últimos ajustes, o pequeno Matteo implorou ao pai que os levasse ao Boladoo, uma sorveteria famosa por servir a maior bola de sorvete da cidade. Agachado diante do filho, Silveira explicou o motivo de não irem mais até lá. — Lembra o que a senhora Salles disse ao ver seu irmão? — Que aquele lugar era para crianças negras... — respondeu o garotinho, cabisbaixo. — Por isso... — Pai, tudo bem. Vocês podem ir. Eu não estou com vontade. — Vamos, papai, antes que ele mude de ideia — disse Matteo, tentando aliviar a situação. — Filho, tem certeza? Você sabe que... — Pai, é sério. Podem ir. Diante da insistência dos filhos, o senhor Silveira cedeu. Anderson decidiu passar no píer para ver os patinhos antes de voltar para o consigo luxuoso. No caminho, próximo ao lago, esbarrou em Samanta, ela passeava com seu filhote de beagle. — Olha só, Melvin, quem encontramos por aqui. — disse Samanta, parando em frente a Anderson, que acariciava a cabeça do cachorrinho. — Olá, Samanta — cumprimentou ele, sem tirar os olhos do animal, que insistia em lambê-lo. — Oi, Anderson. Empolgado para o baile? — Sim. Samanta. Mas, só não entendi o porquê que me escolheu como seu par? — perguntou, agora com os olhos castanhos fixos nos olhos azuis dela. — Foi a única forma que encontrei de te pedir desculpas por ter sido uma idiota com você. — Um pedido de desculpas seria o suficiente... Mas por que escolheu justamente o nordestino como eu? Samanta alternou o olhar entre o cachorro e Anderson. Antes de responder, cumprimentou alguns conhecidos que passavam. — Nessas últimas semanas, você me mostrou que não é apenas um nordestino chato e sem graça. — Sam, ele está te incomodando de novo? — interrompeu Philip, um dos garotos do condomínio onde eles moravam, de punhos cerrados, pronto para confrontar Anderson. — Não, Philip. Ele não está me incomodando. Agora você... — Garota, não te entendo. Primeiro me deixa para andar com esse nordestino idiota, agora fica aí de papinho com ele. — Nos vemos à noite, Samanta. — disse Anderson, um pouco sem jeito. — Além de idiota, é um covarde. — provocou Philip com o sorriso convencido no rosto. Ao ouvir os insultos, Anderson quase voltou para agredi-lo, mas lembrou-se do vexame que causaria aos pais e seguiu em direção o seu trajeto rumo ao condomínio. Ao cair da tarde, diante do espelho, o garoto franzino se questionava se deveria mesmo acompanhar Samanta ao baile. Concluía, dentro de si, que os outros estavam certos ao dizer que ele não era bom o suficiente nem mesmo para Olga, a garota mais esquisita da turma. O som seco da escova arremessada contra o espelho fez sua mãe invadir o quarto, alarmada. — Filho, o que aconteceu? — perguntou Janice, ao ver o vidro estilhaçado. — Eu não quero mais... Eu não sou suficiente pra ela — respondeu Anderson, cabisbaixo. — Não estou entendendo... — Eu não quero mais ir ao baile, mãe — disse, com os olhos marejados. — Meu querido, você assumiu um compromisso com a senhorita Palmer. E filho meu não foge da responsabilidade, não. — Mas, mãe... — Mas nada, menino. Você não estava todo empolgado? O que foi que aconteceu? — Nada, mãe. Besteira minha... É melhor eu me apressar, senão chego tarde à casa da Samanta. — Tem certeza de que está bem? Aqueles garotos estão te provocando de novo? — indagou ela, lembrando-se das inúmeras vezes em que teve que ir à escola por causa de brincadeiras cruéis dos colegas. — Estou bem. E não, para eles, eu sou só mais um nordestino idiota — disse, desviando o olhar. Anderson odiava mentiras, mas odiava ainda mais admitir o preconceito que o cercava. — Eu sei que tem caroço nesse umbu, mas não vou insistir — respondeu a mãe, beijando-lhe a testa. Logo após deixar o quarto, a pequena Joana entrou com um aviãozinho de brinquedo nas mãos, imitando o som da decolagem. — O que foi que você perdeu agora aqui? — Nada. Só queria saber por que vai se casar com a ruiva estúpida — perguntou a garotinha, deslizando o brinquedo sobre a escrivaninha. — A Samanta não é estúpida... — Ah não? E como chamamos quem só faz estupidez? — Apesar da pouca idade, todos se espantavam com a sabedoria de Joana. — Vamos logo, que já estou atrasado — respondeu Anderson, pegando a irmã nos braços.






