JavierEntrei no quarto com passos lentos, meu peito comprimido pela tensão que havia se tornado constante desde o que aconteceu. Era o nosso quarto, mas parecia estranho agora, carregado de uma atmosfera que eu não reconhecia, como se parte dele tivesse sido roubada junto com o que perdemos.Camille estava deitada na cama, virada para a porta. Seus olhos estavam molhados, mas ela não olhou para mim quando entrei. Da poltrona, Roberta levantou-se do assento em que estava e forçou um sorriso leve, um gesto que não combinava com a seriedade do momento.— Javier — disse, como se meu nome fosse uma ponte para uma conversa impossível.Eu não respondi.Meu olhar ficou preso em Camille, naquela forma delicada e abatida que parecia tão diferente da mulher forte e teimosa que conheci. Dei alguns passos na direção dela, ignorando a presença de Roberta.Queria tocá-la, mostrar que estava ali, mas, quando estendi a mão, Roberta interveio, sua voz baixa, mas firme.— Ela não quer ser tocada.Minh
CamilleA água do chuveiro caía sobre mim, escorrendo pelo meu corpo e se misturando com a espuma do sabonete, antes de desaparecer pelo ralo.Eu encarava aquele movimento, quase hipnotizada, como se a corrente pudesse levar embora o peso que carregava nos ombros, junto com o vazio que habitava dentro de mim. Mas era apenas uma ilusão. Nada parecia ser suficiente para preencher o buraco que se abriu na minha alma desde aquele dia.Ainda assim, algo estava mudando. Talvez fosse a forma como Javier se aproximava de mim agora, como se finalmente entendesse a profundidade da dor que dividíamos. Sua presença parecia um bálsamo, mesmo que ainda carregasse o peso da mágoa pelo que ele escondeu de mim.Talvez, apenas talvez, sua dor fosse tão genuína quanto a minha, e isso criava um terreno comum onde ambos podíamos tentar nos equilibrar.Desliguei o chuveiro e vesti o roupão, deixando a toalha sobre o cabelo molhado. Enquanto saía do banheiro, vi Javier no quarto, caminhando de um lado para
JavierOs sons do ginásio eram como uma trilha constante no fundo da minha mente.Punhos batendo em sacos de pancada, os grunhidos abafados de esforço, os pesos sendo erguidos e caindo no chão de borracha. Tudo isso me mantinha focado, distraído de tudo o que estava acontecendo lá fora, de tudo que eu sentia mas não queria lidar.Meu corpo estava em movimento, os músculos queimando com a repetição incessante de golpes no saco de pancadas e, depois, no meu oponente. O suor escorria pela minha testa, pingando no tatame, enquanto o ar denso do ginásio queimava em meus pulmões.Eu estava no ringue, enfrentando um dos meus homens. Era apenas treino, mas não significava que eu pegaria leve. Cada golpe que dava tinha uma força bruta que parecia mais sobre descarregar a tensão no meu corpo do que vencer uma luta. Meu oponente era bom, mas não estava no mesmo nível. E mesmo assim, eu não me segurava. Precisava sentir a dor, o cansaço extremo, precisava me esgotar até não ter forças para pensar
JavierA água quente escorria pelos nossos corpos, Camille estava ali comigo, debaixo do chuveiro, os cabelos encharcados e grudados em seu rosto, a pele molhada e reluzente. Ela parecia tranquila, quase vulnerável, mas não de um jeito ruim. Era como se finalmente estivesse se permitindo relaxar, mesmo que por um momento.Passei as mãos pelo rosto, tentando me livrar da sensação surreal de tê-la tão perto de novo, depois de semanas de distância emocional. Nunca pensei que um dia chegaríamos ali, dividindo o espaço debaixo da água quente como se o mundo lá fora não existisse.Ela ergue o rosto para me encarar, os olhos brilhando com algo que parecia indecisão ou talvez incerteza. Não pude evitar um pequeno sorriso ao ver aquela expressão.— Camille — comecei, minha voz soando mais suave do que esperava. — Talvez você devesse sair um pouco de casa. Fazer algo. Respirar o ar de fora.Ela inclinou a cabeça, franzindo o cenho enquanto processava minhas palavras. O silêncio dela era quase
Camille Uma BMW estava parada diante de mim, reluzindo sob o sol. Eu segurava as chaves com firmeza, como se fossem a única coisa que me conectava ao momento. Javier realmente permitira que eu saísse de casa, sem seguranças, sem motorista, sem ninguém me seguindo.Apenas eu e o mundo lá fora. Era surreal.Tinha me acostumado tanto à rotina sufocante dentro da propriedade, às ordens silenciosas e à constante vigilância, que a ideia de estar sozinha parecia um sonho distante. Ou talvez um pesadelo.Respirei fundo, sentindo o peso da liberdade nas mãos. Poderia ir onde quisesse, fazer o que quisesse, mas estava paralisada. Meu olhar alternava entre o carro e a entrada da casa.Eu realmente devia ir? E se fosse uma armadilha? E se algo acontecesse enquanto estivesse fora? A proteção de Javier, embora sufocante, tinha seu conforto.Depois de alguns minutos perdida nesses pensamentos, me forcei a agir. Apertei o botão que destrancava o carro, o som familiar me puxando de volta à realidade.
JavierO restaurante estava silencioso, exceto pelo som suave de talheres e conversas baixas ao fundo. Eu me sentia desconfortável, ainda tentando digerir o que havia acontecido nas últimas horas.Cada passo fora de casa parecia ser um campo minado, e eu sabia que nada seria mais do que uma distração momentânea. Mas aquela reunião, com Sandoval, era algo que não podia adiar.A mesa estava iluminada suavemente pela luz amarelada das luzes, criando uma atmosfera quente e íntima. A presença de Sandoval era algo que ainda não conseguia identificar completamente. Ele parecia confiável, mas sua natureza reservada sempre me deixava em alerta. Não sabia se podia confiar plenamente nele.Sandoval entrou no restaurante com sua postura característica, elegante e segura, o olhar sempre atento. Ele acenou levemente, indicando que havia me visto, e caminhou até a mesa onde eu estava sentado, como se fosse uma rotina. Sem mais palavras, ele se sentou à minha frente e pediu um copo de vinho, mais par
CamilleO sol já começava a se pôr, pintando o céu com tons avermelhados e dourados quando as duas mulheres apareceram, suas vozes suaves me arrancando do estado de torpor em que eu me encontrava.— Você está bem? — A primeira perguntou, a voz carregada de preocupação genuína.Eu me virei lentamente em direção às duas, ainda um pouco atordoada, sentindo o coração disparado no peito. A outra mulher inclinou a cabeça, os olhos estreitos enquanto me analisava.— Você parecia desnorteada quando saiu daquele carro — ela comentou, baixinho, como se tivesse medo de ser ouvida.Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a primeira se aproximou um pouco mais, o rosto ganhando um ar curioso e quase animado.— Ei! — exclamou. — Você não é a esposa do Javier?Pisquei algumas vezes, surpresa com a pergunta. Só então me dei conta de que ela era mais baixa que eu, esguia, com cabelos na altura do queixo e ondulações perfeitas que emolduravam seu rosto delicado.— É... Eu sou — respondi, hesitante.E
JavierA noite estava fria, mas o calor da fogueira improvisada no pátio central irradiava com intensidade suficiente para fazer suor brotar nas testas dos que estavam reunidos. Mantive meus olhos fixos nas chamas, que dançavam ferozmente enquanto consumiam a madeira. O crepitar ecoava pelo silêncio absoluto que se instalara entre os funcionários da casa. Ninguém ousava falar ou sequer se mexer sem que fosse necessário.Marco estava ao meu lado, como sempre, atento e inabalável. Ele, assim como os outros, aguardava que eu explicasse por que todos haviam sido convocados.— Devem estar se perguntando por que estão aqui — comecei, minha voz firme cortando o ar noturno.Os olhares estavam fixos em mim, carregados de expectativa e uma pitada de medo. Podia sentir a tensão no ar, tão densa que quase podia tocá-la. Dei um passo à frente, ajustando o paletó, e olhei para a grande panela de ferro cheia de água fervente sobre a fogueira. O vapor subia em espirais sinuosas, desaparecendo na esc