Culpa

Virou certo costume o Pedro me levar com seus amigos até a escola. O que me faz ficar irritada logo cedo, e quem não ficaria? Sou obrigada a ver uma garota com cara de emburrada para mim sempre que me encontra, e o Pedro com as provocações dele sempre que estamos sozinhos.

Aliás, descobri que ela se chama Anna. Um nome tão bonito, para uma pessoa tão bonita... mas tão megera como ela. Acho que não combina.

Rafael só troca algumas palavras comigo durante as aulas, mas nunca quando estamos com eles.

A sala está tão silenciosa que o único ruído que se escuta é o ranger do giz de cera no quadro negro. Com pouco tempo aqui, percebi que o professor de história adora escrever e ele escreve e escreve e não para mais. A mão chega a doer.

Em um momento impulsivo, bato a cabeça sobre o livro que está na minha mesa, tentando espantar o sono e me manter acordada.

“Mas um minuto dessa tortura e eu durmo!” Penso, ainda com a cabeça sobre os livros. Ouço uma risada baixa ao meu lado e me viro para ver. É Rafael, sorrindo para mim.

- Que bom saber que não sou o único entediado por aqui. - diz, sussurrando e me olhando com aqueles olhos marrons profundos que me lembra um cachorro caramelo.

Pego uma folha, faço duas linhas horizontais e duas verticais, e entrego para ele.

- Você começa! - lhe sussurro, devolvendo o sorriso.

- Você quer mesmo jogar jogo da velha comigo? Eu sou muito bom nisso. - diz, com pouca humildade, e já marca um “X” no centro.

Depois de 5 tentativas e de perder em todas elas, amasso a folha, frustrada.

- Não quero mais jogar. - sussurro para ele, irritada.

Finalmente, o sinal toca para o intervalo. A sala vira uma bagunça de vozes altas, cadeiras sendo arrastadas, risos e conversas aleatórias. E como sempre, eu sei que ele vai sair agora.

Olho para Rafael se levantando. Ele veste a jaqueta, que estava pendurada na cadeira, e digita algo no celular. Me olha por um segundo como se fosse dizer algo, mas não diz nada. Apenas vai embora meio apressado.

Para meu azar, Diana faltou hoje, então passo o intervalo inteiro sozinha. Apesar de algumas pessoas terem demonstrado interesse por mim no primeiro dia, logo passaram a agir como se eu fosse invisível.

O recreio termina e logo todos estão em seus devidos lugares. Novamente vejo pessoas cochichando sobre mim e rindo. Respiro fundo fingindo que não me incomoda, mesmo que seja mentira. Rafael se senta ao meu lado e coloca sobre minha mesa uma barra de cereal. Sorrio em agradecimento, abrindo-a rapidamente antes da professora começar a classe. Estava morrendo de fome.

Passei o intervalo inteiro com uma sensação estranha no peito. Me viro para Rafael e começo a observá-lo, tentando decidir como abordar o que me incomoda. Ele me olha de volta, firme, inabalável. Seu olhar não é frio e nem quente, apenas… intenso. Suspiro. Me viro para meus cadernos e rabisco qualquer coisa, indecisa. Falar sobre sentimentos nunca foi meu forte. Na verdade, nem sei direito o que me incomoda.

Ainda que eu não esteja olhando para ele, sinto seus olhares sobre mim. Viro novamente para ele.

- No que você está pensando? - pergunto a ele, por fim.

Ele pensa um pouco e responde:

- Nada. Estava me perguntando o mesmo: no que VOCÊ está pensando? - ele me olha, como se pudesse me analisar.

“Ok, talvez essa seja uma boa oportunidade, Sophia”, penso.

- Hmm… Por que você não fala comigo quando estamos com eles no carro? - pergunto, encarando minha borracha. Obviamente me refiro à Anna e ao Pedro - Tipo… é estranho. Aqui você é tão simpático, mas lá parece outra pessoa.

Ainda sinto seus olhares sobre mim, mas tenho vergonha demais para encará-lo de volta. Rafael fica calado por alguns segundos, provavelmente pensando em uma boa resposta, até que resolve responder:

- Minha namorada não gosta de você. - a resposta me faz olhar para ele. Novamente, um olhar que não é nem frio e nem quente. Apenas intenso. Muito intenso.

Eu rio sem humor e reviro meus olhos. “Grande coisa!”, penso. Mas algo me incomoda, porque não é como se ele não falasse comigo nunca, apenas faz isso escondido da namorada. O que será que isso significa?

- E você deixa de conversar com as pessoas só porque ela não gosta delas? - pergunto, apesar de parecer mais uma afirmação que tudo.

- Sim. - ele desvia o olhar.

Mordo meu lábio inferior, um pouco irritada.

- E ela deixa de falar com as pessoas só porque você não gosta delas? - lhe pergunto.

Rafael me encara novamente. Com uma cara sem expressão.

- Sim. - responde seco.

- Que relacionamento saudável - a ironia sai da minha boca sem pensar. Desvio o olhar.

- Pelo menos eu tenho um. - ele rebate.

Olho para ele, incrédula com sua resposta.

- Se todos os relacionamentos são assim, acho que prefiro ficar sozinha. 

Ele ri, o que faz a tensão se aliviar imediatamente. Alguns segundos depois, ele começa a querer dizer algo, mas para bruscamente, se virando para a janela.

- O que foi? - pergunto, curiosa. 

- Nada! - responde, de modo evasivo.

- O que foi? - indago outra vez - Se você não me contar, eu vou te amaldiçoar com espinhas na testa em forma de coração.

Ele se vira rápido, encarando-me com desconfiança.

- Isso nem existe. - responde, me olhando como quem vê uma louca.

- É porque você ainda não conhece o meu poder mental. - ele ri, se relaxando novamente. - Anda, me fala.

Ele dá de ombros.

- Não é nada, eu só meio que… - ele pensa no que vai falar - … meio que fiquei curioso para saber que tipo de relacionamento você teria.

Ele me observa com atenção, como se tentasse ler o que penso.

- Ah… Era isso?! - transmito certa decepção, como quem esperava algo mais sério - Você faz muita tempestade em copo d’água. O que tem demais nessa pergunta? Por acaso você se sente culpado só por me perguntar isso?

Olho para ele, esperando resposta. Ele não desvia o olhar.

- Me sinto culpado em querer saber. - responde, sem hesitar.

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