Ponto de vista de Máximo Bianchi.
O silêncio da madrugada parecia zombar da minha dor. Cada passo dentro daquela casa ecoava pesado, como se as paredes também quisessem testemunhar meu fracasso, meu desmoronar. Deveria ir pro meu quarto. Fingir que estava tudo bem. Que aquilo não me afetava. Mas não... não dava. Meu corpo, minha mente, minha alma... tudo me levava a um só lugar. O quarto dela. Bati duas vezes, hesitante, e a voz sonolenta que tanto me acalmou durante toda a minha vida veio quase de imediato. — "Entra." Abri a porta e lá estava ela, minha irmã, sentada no meio da cama, com o rosto amassado pelo sono e aquele olhar doce que sempre me acolheu. — "Máximo...?" — ela franziu o cenho ao me ver. — "O que aconteceu...?" Não consegui responder. Apenas fechei a porta atrás de mim e caminhei até ela, jogando meu corpo na cama e escondendo o rosto em seu colo, como fazia quando era criança. Seus braços me envolveram automaticamente, apertando-me contra ela, como se ela pudesse, só com aquele gesto, colar os pedaços quebrados de mim. — "Ela me destruiu, Giullia..." — murmurei, a voz sufocada, arranhada. — "Isabella... ela me destruiu." Ela apertou meus ombros, afagando meus cabelos. — "Calma, fratellone... calma... me conta, o que aconteceu?" Levantei um pouco o rosto, encarei o vazio do quarto e senti meu peito se contrair. — "Ela... ela cuspiu na minha cara tudo o que a gente viveu. Disse que eu fui só uma aventura. Que me usou... e agora... agora vai viver a vida dela com aquele maldito mexicano. Disse que vai ser esposa do don do maior cartel da América Latina... e que eu tenho que aprender a dormir com o pensamento de que Alejandro vai estar dentro dela... todas as noites. Não eu." Meus olhos se fecharam com força, o peito subindo e descendo em um misto de raiva e desespero. — "Máximo..." — Giullia sussurrou, apertando minha mão. — "E não bastava isso..." — continuei, apertando os olhos. — "Eu ouvi... ouvi ela falando com Serena." — "O que ela disse?" — a voz da minha irmã soou mais dura, como se já esperasse o pior. Passei as mãos no rosto, tentando apagar as lembranças, mas elas estavam cravadas na minha pele, como ferro em brasa. — "Ela disse... que eu a amo... que odiaria cada segundo com Serena... que ela é dona de todas as minhas primeiras vezes. Disse que Serena só serviria pra gerar meus filhos. Que eu sou o resto dela. O RESTO, Giullia." — apertei os punhos. — "Como se... como se tudo o que vivemos não passasse de... lixo." Por um segundo, o silêncio dominou o ambiente, pesado, sufocante. Até que a voz da minha irmã veio, firme, cortando o ar: — "Ela não te merece, Máximo. Não merece um grama do amor que você deu." Fechei os olhos, e foi inevitável. As lembranças me engoliram. Me vi, anos atrás, naquela noite. A primeira vez. Isabella me olhava com aqueles olhos brilhantes, as mãos tremiam, e eu tremia junto. A respiração acelerada, os beijos carregados de desejo, mas também de medo, de descoberta. Ela foi minha primeira mulher. Meu primeiro amor. Minha primeira ruína. Lembro de cada detalhe... de como minhas mãos tremiam ao deslizar pela pele dela, de como ela sorria no meio dos beijos, como se aquilo fosse a coisa mais doce e mais intensa que poderíamos viver. E era. Pelo menos, eu achava que era. — “Eu te amo...” — ela tinha sussurrado, naquela madrugada, com a cabeça apoiada no meu peito, enquanto eu acariciava seus cabelos. E eu... tolo... acreditei. Voltei para o presente, sentindo a respiração falhar. — "Ela teve tudo de mim, Giullia. Tudo. Meu corpo, minha alma, meu amor, minha lealdade. Eu a amei como nunca pensei que fosse capaz de amar alguém. E agora... agora eu só sinto... que fui usado. Que fui um brinquedo. Um capricho pra ela se sentir poderosa, desejada. E no fim... fui descartado." Minha irmã me puxou mais pra perto, abrindo espaço debaixo do edredom, como fazia quando eu era criança. Deitei ali, do lado dela, sentindo o calor do seu abraço me envolver. — "Você não é o resto de ninguém, fratello." — ela disse, segurando meu rosto. — "Você é inteiro. Você é tudo. E sabe... eu conversei com Serena hoje." Arregalei um pouco os olhos, virando o rosto pra ela. — "E...?" Ela sorriu, passando a mão no meu cabelo. — "Ela é incrível, Máximo. Meiga, gentil, doce... Uma mulher que carrega uma luz diferente. E ela tá sofrendo. Você não percebeu porque tava cego, mas ela tá tentando... tentando muito não se deixar quebrar por você." Apertei os olhos, respirando fundo, desviando o olhar. — "Giullia... não força isso. Eu... eu não vou conseguir..." — "Só não demora demais pra enxergar o que tá bem na sua frente, fratellone." — ela apertou meu queixo, me obrigando a olhar pra ela. — "Porque, às vezes... o amor não espera. Às vezes, quando a gente acorda... quem podia nos salvar já aprendeu a se salvar sozinha." As palavras dela bateram forte, como um soco no estômago. Fiquei em silêncio, encarando o teto, o peito pesado, a mente em guerra. — "Eu não vou ceder fácil, Giullia." — murmurei, mais pra mim do que pra ela. — "Vou continuar comendo pelas beiradas. Ela que não ache que vai ser simples me fazer esquecer tudo... o que eu vivi... o que eu senti." Giullia me puxou pra mais perto, beijou minha testa e sussurrou: — "Faz o que você quiser, Máximo. Só... só não se fecha pro amor. Você ainda tem tanto pra viver... tanto pra sentir." Fechei os olhos, respirando fundo, e pela primeira vez em muito tempo... deixei as lágrimas caírem. E ali, no quarto da minha irmã, cercado pelo único amor que nunca me traiu... eu adormeci despedaçado.