Mais tarde, já longe do caos do porto, fui procurá-la. Ela estava encolhida num canto, envolta no meu casaco, tremendo feito um filhote de foca. Cheirava a medo. A morte.
Aproximei-me, e ela encolheu os ombros.
— Precisa de alguma coisa, Capitão Vrynn? — sua voz era áspera, quebrada.
— O corte na sua barriga... Como curou?
Ela engoliu seco. Seus olhos eram verdes. Verdes como a porra do mar antes de uma tempestade.
— Não curou… De que corte está falando?
Segurei seu braço, forçando-a a me encarar.
— Tinha uma adaga cravada na sua barriga quando você se jogou do penhasco. Ela ainda estava lá até pouco antes de sairmos do mar. Seu vestido tem um rasgo… o corte que a lâmina fez.
— O vestido rasgou quando fugi dos aldeões. Não viu? Eles estavam armados. O sangue não era meu.
Enquanto falava, percebi que seus olhos fitavam a porta do camarote, como se estudassem o lugar.
Soltei-a e recuei, os nós dos dedos brancos de tanto segurar minha raiva.
— Você vai trabalhar pra mim. Cozinhar. Limpar. O que for preciso.
— E se eu me negar?
Sorri, mostrando todos os dentes.
— Aí eu te jogo de volta lá embaixo.
Mentira. Mas ela não precisava saber disso.
Saí do camarote com a mente tumultuada. Ela falou a verdade? Será que me confundi?
— Merda — praguejei. — Eu vou ficar maluco.
— Tripulação, a todo pano para Dolphin!
— Sim, capitão! — todos responderam em uníssono.
— Parece aborrecido, capitão! — disse Garrick, me entregando uma caneca de bebida.
— O que você acha? — perguntei, sem humor.
Ele se acomodou ao lado de um dos canhões.
— Eu acho que o senhor não sabe o que fazer com a pilhagem de hoje.
Olhei para ele de soslaio. Navegamos tanto que, pelo olhar, ele já sabe o que estou pensando?
— Vamos atracar em Dolphin, dar a ela algum dinheiro e deixá-la lá.
Ele gargalhou.
— Em Dolphin? A ilha dos prazeres? Pode acreditar, com o temperamento dela, ela vai se dar muito bem... na cadeia.
Ele saiu, gargalhando e sacudindo a cabeça em negação.
— Ai, ai, capitão… que piada.
Porra, parece que todo mundo perdeu o respeito aqui. Mas o pior de tudo? Ele tem razão.
Mais tarde, quando a tripulação dormia, voltei ao convés. Ela estava lá, encostada no mastro principal, olhando para o céu.
— Não consegue dormir? — perguntei, acendendo um charuto.
Ela não me olhou.
— Tenho medo de fechar os olhos.
Cuspi a fumaça pro lado, observando o tremor em suas mãos. Dez anos mais nova. Dez anos mais pura. E ainda assim…
— O que fizeram com você no convento? — A pergunta escapou antes que eu pudesse contê-la.
Liora encolheu-se ainda mais.
— Diziam que eu… atraía coisas ruins. Tempestades. Doenças. — Uma lágrima escorreu, mas ela a limpou rápido. — Mataram elas por minha causa. As freiras.
Eu não sou homem de consolar. Mas, naquela noite, por algum motivo, me sentei ao lado dela. Nossos ombros quase se tocando.
— O mundo é uma merda — resmunguei. — Você aprende a nadar ou afunda.
Ela virou o rosto e, pela primeira vez, eu realmente a vi.
— E você? — sussurrou. — Afunda ou nada?
Sorri de novo, mas dessa vez, foi diferente.
— Eu sou o maremoto, garota.
Naquele momento, jurei que vi o canto da boca dela se erguer, enquanto o vento soprava seus cabelos.
Ela olhou para baixo, em silêncio por um tempo, até que finalmente quebrou o silêncio.
— Obrigado por me tirar da ilha.
Ela não me olhou. Seus olhos vagavam pelo céu, e eu senti um leve arrepio na nuca. Eu sabia bem o que aquilo significava, e não ia deixar que acontecesse.
— Não sei por que fiz aquilo, mas não sou um homem que faz esse tipo de coisa.
Ela sorriu de lado.
— Diga "não há de quê", como pessoas normais fariam.
— Eu não sou normal, garota — respondi, frio, me levantando.
— Fique no camarote. Ficarei abaixo com a tripulação.
Ela assentiu, mas eu sabia que ela não havia concordado.