Mundo ficciónIniciar sesiónPOV: NICHOLAS BLACKWELL
A MADRUGADA APÓS O ENCONTRO ÀS CEGAS O silêncio sempre foi confortável para mim. Sempre o cultivei com o mesmo cuidado com que alinhava meus ternos. Era um silêncio funcional. Preciso. Um reflexo da minha posição e da minha autoridade que não precisava ser anunciada. Bastava eu entrar numa sala e tudo — e todos — estavam exatamente como deveria, ao meu alcance, sob meu controle. Eu não precisava pedir por nada. Não precisava implorar por nada. Tudo no meu mundo existia simplesmente para atender ao meu propósito e as minhas necessidades, antes mesmo que eu as tivesse. Mas aquela madrugada, o silêncio me parecia um zumbido. Incômodo. Quase... irritante. Depois de deixar o La Perle Noire – ou ser deixado lá – eu estava em minha cobertura, cercado por vidro, concreto e um luxo discreto. As luzes da cidade refletiam abaixo como miragens controladas. Tudo sob controle. Menos ela. Hannah Simmons. Um nome comum. Uma presença estranha. Uma mulher qualquer, que entrou e saiu como se o mundo fosse um cenário e ela estivesse apenas ensaiando uma peça em outro palco. E ainda assim, ela me tirou do eixo com um único gesto: ela não estava ali por mim e não quis nada que eu pudesse oferecer. Ela não se intimidou. Não tentou me impressionar. E o mais imperdoável: não me desejou. Porra, como seria mais fácil se ela fosse como todas as outras mulheres! Nada nela era extraordinário. Ela não era filha de alguém poderoso. Não estava cercada de brilho. Não queria nada de mim. Nem sequer parecia ter real interesse por mim — o que, por si só, já a torna uma aberração no meu mundo. Mas havia algo. Talvez na forma como cruzava os braços. No modo como parecia se sentir deslocada e ainda assim ela era a única coisa que fazia sentido ali. Desde o jantar, tentei obter informações mínimas que me permitissem localizá-la. Mas tudo que tinha era um nome: Hannah Simmons. Nenhum sobrenome influente. Nenhuma ficha pública relevante. Ela não constava em nenhuma das listas que costumava monitorar. Não era ameaça. Nem oportunidade. Apenas... incógnita. E isso é irritante pra caralho. Porra de mulher que entrou no meu campo de visão, bagunçou todo o seu sistema interno e depois desapareceu, como se não tivesse deixado nada para trás. Mas deixou. Me deixou extremamente irritado. Curioso. E compulsivamente interessado. E isso é um problema. Eu aprendi desde cedo que o desejo é uma fraqueza. Que querer qualquer coisa — ou qualquer um — é entregar o controle nas mãos erradas. E controle, no meu mundo, é tudo. A primeira lição do meu avô, Augustus Blackwell, foi essa: “Nunca deseje nada que você não possa tomar à força.” A segunda foi: “Nunca confie em ninguém que sangra. Eles sempre vão te trair.” Ele dizia isso com a voz firme, limpa. Vestindo seus ternos de alfaiataria enquanto decidia o destino de juízes, empresários e até de políticos — com um sorriso de canto e uma xícara de café nas mãos. Era um homem que não apenas controlava o mundo ao redor... ele manipulava os bastidores dele como um maestro do caos. Foi esse homem que me criou. Depois que minha mãe — a única pessoa que parecia ainda ter alma nessa família — se jogou da varanda de casa porque não aguentava mais as traições e as porradas do meu pai, eu fui jogado direto para o leão. E Augustus me moldou como quem afia uma lâmina: sem apego. Me arrancou a infância, o calor e a humanidade. Não me treinou apenas para sobreviver entre monstros, ele me transformou naquilo que os monstros temem. Por muito tempo, achei que esse era o único caminho. Assumi os negócios. Cresci. Eliminei riscos. Comandei seu império sem precisar levantar a voz. Mas então... veio ela. E desde que assumi o império, tentei deixar longe de mim tudo que ele usava para sujar o nome da família. Mas mantive todos que estavam envolvidos com ele por perto. Por controle. Porque no meu mundo, só se mantém o poder quem conhece o rastro da sujeira, mesmo que não o pise, mas que não a use a seu favor. Comprei a Onyx como meu refúgio. Minha chance de liderar algo limpo, com impacto real. Se tudo der certo, quero vender a parte suja do grupo. Mas ainda não encontrei um comprador disposto a desafiar Ausgutus, pelo menos nenhum que não seja outro demônio disfarçado. Até hoje única a única pessoa que ousou desafiar o controle de Augustus foi Aurora Blake: minha noiva. Lembro da última noite em que ela esteve viva, a 5 anos atrás. Ela fez um escândalo na sala do conselho, exigindo sair do contrato pré-nupcial arranjado por Augustus. Depois, no silêncio da noite, sentamos no sofá. Ela encostou a cabeça no meu ombro, como fazia quando criança. Disse que estava com medo. Eu disse que protegeria ela de tudo. Ela acreditou. Eu acreditei. No dia seguinte, ela estava morta. Assassinada durante um assalto estúpido, onde levaram o carro, mas nem olharam para as joias e deixaram a bolsa dela no chão. Desde então, nunca mais prometi nada a ninguém Ela foi minha única fraqueza, até agora. Como toda fraqueza dos Blackwell... ela foi eliminada. Eu sabia. Eu sempre soube que foi ele. Mas provar? Nunca pude. Augustus era mestre em apagar rastros. Em esconder suas intenções em presentes caros e promessas vazias. Depois disso, prometi a mim mesmo que nunca mais daria a ninguém algo que pudesse ser usado contra mim. Mulheres entraram e saíram da minha vida como notas em uma transação. Prazer? Sempre. Afeto? Nunca mais. Até Hannah Simmons. E a obsessão silenciosa que crescia como uma infiltração, tomando cada canto da minha mente enquanto eu fingia continuar no controle. Era um tipo de fúria toda vez que pensava nela. Um fascínio visceral por algo que não estava em meu poder. Eu não sei se quero destruí-la ou colocá-la contra a parede e perguntar por que, entre todos naquele salão, foi ela quem me desarmou. Por que, entre tantas, foi a única que me deixou faminto por algo que não sei o que. Hannah não tem sobrenome. Não tem passado. Não tem influência. Mas ela tem alguma coisa que eu não sei nomear. E isso já me torna vulnerável. Ela era tudo que meu mundo não permitia. Ela era caos sem estratégia. Beleza sem cálculo. Livre demais para pertencer ao universo Blackwell — e exatamente por isso, eu queria prendê-la. Se Augustus ou minha tia Victoria souberem disso… com certeza vão cavar até o inferno para achar essa mulher e usar contra mim. Vão encontrar uma forma de transformar essa obsessão em uma fraqueza. E eu não posso permitir. Mas é tarde demais. Ela estava bem ali, debaixo do meu nariz o tempo todo. DOIS ANOS APÓS O JANTAR Hoje recebi um relatório confidencial da filial da Onyx Digital Security em Londres — uma empresa que eu investi silenciosamente há alguns meses, como forma de afastar meus negócios da podridão dos Blackwell e certamente fazer uma pressão direta aos negócios de Adrian. Adrian herdou o pior dos Blackwell: o sangue sujo de Augustus e a ambição sem cérebro de Victoria. Um lobo vestido de CEO, sempre à espreita de qualquer vacilo meu. Surpreendentemente fez algo útil na vida de merda dele e salvou a empresa de tecnologia que herdou de seu pai da falência. – O que guardo até hoje minhas dúvidas sobre a capacidade daquele monte de merda fazer algo tão incrível como o projeto que tirou eles do buraco. A Onyx era meu ataque silencioso. Um projeto limpo, estratégico e letal. Uma forma de desbancar Adrian... sem que ele nem percebesse. O relatório era sobre o novo projeto deles, o Centurion. E quando eu li o nome da pessoa promovida para liderar a fase final da operação internacional meu corpo inteiro enrijeceu. Ali, na última página do relatório: Hannah Simmons. Como uma maldição disfarçada de coincidência. Era para ser só mais uma noite. Só mais uma mulher. Só mais uma taça de vinho entre relatórios e silêncio. Mas aquela noite me feriu de um jeito que nenhuma outra fez. Nunca entendi por completo. Mas dias depois daquele jantar... Hannah Simmons continuava aparecendo. Não fisicamente. Mas nas frases dos livros que eu relia sem saber por quê. No cheiro de vinho que me deixava nostálgico. Na forma como outras mulheres tentavam parecer interessantes, mas só me pareciam ensaiadas. Todas, depois dela, eram entediantes. Elas falavam demais, queriam demais, esperavam demais. E nenhuma delas me fazia esquecer aquela que não pediu nada. Hannah não tentou me conquistar. Ela não quis saber quem eu era. Não quis nada que eu pudesse tentar oferecer. E isso me destruiu. Talvez tenha sido o modo como ela riu de si mesma, como se carregasse cicatrizes demais pra fingir ser perfeita. Talvez o olhar – aquele olhar carregado de desconfiança e esperança ao mesmo tempo. Como se dissesse: “se você vacilar... eu vou embora. Mas eu queria muito não precisar fazer isso.” Ela não me deu tempo de dizer nada. Não implorou, não chorou, não hesitou. Apenas... levantou e foi embora. Certa de que não precisava de nada que viesse de mim. E, porra, isso doeu. Porque eu já fui deixado. Já fui traído. Já fui enganado por gente que eu chamava de sangue. Mas nunca fui descartado tão elegantemente por alguém que nem sequer sabia quem eu era. Ela me viu como homem. E eu quis ser isso. Nos meses que se seguiram, eu tentei enterrá-la com todas as outras. Mulheres bonitas, corpos perfeitos, nomes que eu nem me dei ao trabalho de decorar. Mas nenhuma delas me olhava daquele jeito. Nenhuma me fez girar o maldito anel no dedo como Hannah fez com o dela. Às vezes, eu sonhava com aquela noite. No sonho, eu dizia meu nome antes da garçonete. E no sonho... ela ficava. Mas quando acordava, a única coisa que restava era a lembrança do olhar dela se fechando como uma porta batida no meio da madrugada. A única mulher que não quis o que eu tinha pra oferecer... Foi a única que eu realmente quis ter. E ver aquele nome, naquele relatório. No mesmo instante, o mundo girou de forma diferente. Porque a mulher que me tirou do controle agora estava trabalhando em algo meu. – Não pode ser. Ou poderia? Ela entrou pela porta da frente, sem pedir. E agora... está no tabuleiro. No meu jogo. E eu não jogo pra perder!






