Mundo ficciónIniciar sesiónPOV: HANNAH SIMMONS
O RETORNO A NOVA YORK Nova York parecia mais cinza do que o habitual. Não porque estivesse chovendo ou nublado — na verdade, o céu até ensaiava um azul pálido entre os prédios — mas porque eu sentia que carregava o peso de um encerramento. Eu estava ali, naquela cidade, para tomar de volta tudo que me tiraram. Não me sentia nem um pouco preparada, ainda estava incrédula que tinha conseguido estar exatamente onde planejei. E, mesmo assim, ali estava eu: descendo do táxi com duas malas e uma pasta presa ao peito como se fosse um escudo. A cidade era a mesma, mas tudo estava diferente dessa vez. Dessa vez eu sabia exatamente quem eu era e o que eu tinha que fazer e não iria permitir que ninguém entrasse no meu caminho. Não tinha mais volta e nada poderia me distrair. ONYX DIGITAL SECURITY Mal tive tempo de desfazer as malas, – ou dormir – mas não poderia me atrasar no primeiro dia de trabalho. A sede da Onyx Digital Security em Nova York era exatamente o que se esperava de uma empresa referência em segurança cibernética internacional: imponente, silenciosa e tão controlada quanto uma sala limpa de servidor. O hall espelhado, os elevadores silenciosos, os crachás com chips internos. Tudo transmitia precisão. Assim que eu entrei fui recepcionada por uma funcionária sorridente e simpática demais para uma segunda-feira. Entregaram meu crachá, meu laptop, um mapa interno e um café. E então, a frase que mudaria todo o curso do seu dia: — Acompanhe-me, você vai conhecer sua equipe. E seu chefe direto — ela disse com um sorriso discreto, enquanto caminhavam pelo corredor principal do andar executivo. O REENCONTRO Assim que entrei na sala de reuniões me surpreendi com todo o luxo discreto do local. A sala era ampla, de vidro e concreto, com vista panorâmica para Manhattan, uma mesa extremamente imponente com cadeiras de escritório em couro, onde todos me aguardavam confortavelmente. Mas nada me surpreendeu mais do que o que eu vi a seguir. Sentado, numa postura imponente, porém relaxado. Com os olhos fixos em mim. Lá estava ele, a última pessoa que esperava ver, principalmente nessa situação. Meu maldito mentiroso: Nicholas! Ele não me pareceu surpreso de me ver ali – Talvez não se lembrasse de uma noite qualquer há anos atrás. Fiquei por alguns segundos ali, cumprimentando a todos e tentando ignorar o nó na garganta que a presença dele me causou. Mas logo Nicholas Blackwell levantou-se de sua cadeira na cabeceira da mesa de reuniões. Terno escuro, camisa branca aberta no colarinho, sem gravata. Os olhos verdes — os mesmos que me desarmaram com um sorriso falso dois anos atrás — pousaram sobre mim com uma intensidade impossível de ser confundida. — Hannah Simmons — disse ele com a voz baixa e contida. — Bem-vinda à Onyx. O cumprimentei enquanto o encarava tentando descobrir se ele sabia quem eu era. – Isso durou por alguns segundos antes que eu me sentisse constrangida e interrompesse o contato visual para encontrar um lugar a mesa. A mulher ao lado dele — provavelmente a chefe de RH — começou uma apresentação formal, explicando o projeto Centurion, os setores envolvidos e a equipe que trabalharia no projeto. Sinceramente eu não ouvi nada. Meu sangue zumbia e formigava dentro do meu corpo. A mão que segurava a pasta tremia imperceptivelmente. Tentei disfarçar a tensão girando meu anel na mão esquerda enquanto Nicholas me encarava com neutralidade profissional. Mas algo em seus olhos dizia o contrário. Algo mais denso. Mais íntimo. Eu estava completamente fora de mim e desconectada do que se passava ao meu redor, até que uma voz grave me trouxe de volta. — Você vai trabalhar diretamente comigo, Hannah — ele disse, firme, fazendo com que todos direcionassem a atenção à mim. — Espero que possamos nos entender de uma vez. — Também espero, Sr. Blackwell. Assim que a reunião terminou saí da sala apressada, minha cabeça girando como em uma montanha russa. Eu já não sabia o que fazer. Até que uma mulher simpática me chamou. — Hannah! Muito prazer em conhece-la, Alex falou muito bem sobre seu projeto – Era Elleonor Bishop, CFO da Onyx. — Ele foi gentil! Espero atender as expectativas que ele criou. — Tenho certeza que sim. Venha, vou te mostrar seu laboratório. Caminhamos por um longo corredor até chegarmos a minha sala, onde seria meu laboratório. Tudo ali foi pensado e planejado nos mínimos detalhes para minha chegada, era uma sala ampla, iluminada, com bancadas e computadores de máximo desempenho, mas nada impressionava mais do que a vista deslumbrante que tinha atrás da minha mesa. Dava pra ver toda a cidade aos meus pés. Passei alguns minutos sozinha, observando tudo e vendo onde ficava cada coisa – como uma criança numa loja de brinquedos. Estava tão distraída que não o percebi chegar. — Hannah, com H barulhento! Merda. Ele lembrava. — Daniel! Ou seria Nicholas? — Nicholas. Um homem sábio aprende com seus erros. — Bom, Daniel ou Nicholas, não fará mais diferença. Será Sr. Blackwell agora. Ele hesitou por um instante. Um traço de algo em seu rosto — arrependimento? Reconhecimento? Surpresa? — passou rápido demais. — Bom, Srta. Simmons, espero que saiba que eu não fazia ideia de que você viria trabalhar conosco até receber o relatório final do projeto. De qualquer forma, garanti que você tenha tudo de que precisa e espero verdadeiramente que possamos trabalhar bem juntos. — Dá pra perceber que todos os detalhes foram cuidadosamente pensados para esse lugar. Obrigada. — É importante para mim que o Centurion dê certo e queria que você se sentisse bem recepcionada. — Por que eu não me sentiria? — Porquê da última vez em que estivemos juntos, você fugiu e não me deu a oportunidade de me explicar. Quis garantir que não fuja dessa vez. — Da última vez você não era Nicholas Blackwell — ela rebateu, amarga. — Agora é. E é só isso que deve ser. — Justo! – Disse como quem não estivesse nada surpreso com a minha resposta. – Por isso, dessa vez, vou leva-la para jantar, de verdade. Eu não pude me conter em rir, incrédula com o que ele acabou de dizer. Ele acha mesmo que no meu primeiro dia de trabalho vou estar tão vulnerável e desesperada pra impressioná-lo ao ponto de aceitar essa ideia ridícula? — Não, obrigada! — Você me deve isso. — Eu não devo nada a você! E não me recordo de termos concordado em nos tratarmos tão informalmente, Sr. Blackwell. — Considere um jantar de boas-vindas. — O Sr. oferece jantares a todos seus funcionários? — Não! Mas... — Então não há necessidade de fazê-lo por mim. Percebo a irritação tomar conta de seu rosto e a mandíbula dele tensionar. Ele passou a mão pelos cabelos, visivelmente irritado, mas se recompôs rapidamente enquanto se aproximou o suficiente para eu sentir seu perfume amadeirado me envolvendo. — Por dois anos, pensei naquele jantar. No que teria sido se você não tivesse fugido. — Eu também pensei. Mas no quanto gostaria que tivesse sido honesto. Agora, somos chefe e funcionária. É só isso que nos cabe ser agora. — É o que veremos. O restante do dia passou sem grandes emoções. Nicholas passou o dia em sua sala e só voltei a vê-lo de dentro do elevador, quando eu já estava de saída e ele estava parado na recepção conversando com Ellie. Durante todo o caminho até em casa me senti como se estivesse flutuando. Não conseguia acreditar em tudo que aconteceu. Chegando em casa encontro Claire me esperando na porta do prédio com uma sacola do nosso restaurante preferido e duas garrafas de vinho e taças. – E é claro que estaria! Última vez que nos vimos pessoalmente foi a 2 anos, quando prometi a ela que iria aquele maldito encontro antes de me mudar pra Londres. Entramos no apartamento juntas e ela já se aconchega na sala, afastando algumas caixas da mudança para abrir espaço. Me jogo no sofá ao lado dela e aceito a taça de vinho que ela me serve. — Não sei o que seria de mim sem você. — Digo enquanto ela desembala nosso jantar. — Provavelmente você jantaria algum sanduiche de origem duvidosa da esquina. — Não duvido disso! — Agora, não pense que esse jantar sairá de graça. Me conte tudo sobre sua promoção, sua volta à Nova York e tudo mais. Claire pergunta super animada e a única coisa que eu desejo é esquecer tudo o que aconteceu hoje. Ainda assim, decido contar todas as surpresas do dia com todos os detalhes. — Qual é a probabilidade de algo assim acontecer? Digo, vocês tiveram um jantar a dois anos e de repente... ele é seu chefe? — Acredite, estou me perguntando isso desde o momento em que entrei naquela sala. — Mas ele se lembra de você? — Ah, com certeza! E fez questão de deixar isso bem claro ao me chamar pra jantar... de novo. — E você aceitou? — Claro que não! Não tem nem motivo pra isso. — Bom, ele é seu chefe agora. Certamente se as pessoas com quem trabalha souberem que tiveram um encontro, não vai ser um começo muito fácil pra você. — E alguma coisa já foi fácil pra mim? Nós rimos e a noite seguiu com muitas gargalhadas e sem falarmos mais sobre trabalho, Adrian ou Nicholas. Nos primeiros dias parecia impossível se mover pelos corredores da Onyx sem sentir o peso da presença dele. Nicholas não falava muito, mas o olhar... Deus, o olhar falava o mais do que o suficiente. E ultimamente, ele parecia sempre estar por perto. Como se a empresa inteira tivesse encolhido para nos manter em constante colisão. Aquela manhã começou como qualquer outra: café forte, mil e-mails pendentes e uma lista de tarefas que desafiava as leis da física. Mas bastou abrir a porta da minha sala e ele estava ali, encostado casualmente na minha mesa, como se fosse dono do lugar. Bem, tecnicamente era. — Bom dia, Srta. Simmons. Dormiu bem? Revirei os olhos, passando por ele para colocar minha bolsa sobre a cadeira. — Sr. Blackwell, eu realmente tenho muito trabalho para colocar em dia. Se eu não precisar de nenhum relatório urgente, já adianto o pedido de desculpas, mas creio que não estou disposta a conversar sobre trivialidades agora. — Quem disse que quero conversar? — Ele sorriu com aquele ar perigoso. — Só queria observar sua rotina e como está sua adaptação. Curiosidade de chefe. — Ou abuso de poder. Mas chame do que quiser. – Disse num sussurro, alto o bastante para ele ouvir. – Ainda assim estou certa de que não é do seu interesse atrapalhar o decorrer do meu trabalho. Ele ergueu as mãos, num gesto de rendição falsa. — Estou saindo. Mas já que não posso oferecer um jantar, posso pelo menos sugerir um novo firewall pra sua estação. Os logs de ontem indicaram um acesso suspeito. Meu coração quase parou. — Você está monitorando meus logs? — Estou monitorando a segurança da empresa. Você só aconteceu de ser a vulnerabilidade mais interessante que eu encontrei aqui. Virei de costas antes que ele visse meu rosto corar. Já era difícil demais lidar com ele profissionalmente. Ainda mais com esse tipo de provocação que parecia sair com naturalidade da boca dele. Nicholas Blackwell era tudo o que eu deveria evitar. E por isso mesmo, tudo que meu corpo insistia em notar. Mas não. Não dessa vez. Não depois de Adrian. Não com meu chefe. — Certamente não vou permitir que nada mais desvie sua atenção. Senhor!






