Enya
Eu acordei devagar, o barulho dos carros na rua parecendo distante, como se viesse debaixo d’água. A cabeça latejava, o gosto amargo na boca me lembrava que o mundo ainda existia.
Quando abri os olhos, a primeira coisa que vi foram os dois ali: Bruna, de braços cruzados, e ele… parado perto da porta, como se já estivesse pronto pra sair.
O rosto dele parecia meio embaçado, mas o toque não. Aquele toque firme no meu braço, a voz que me chamou de volta. Eu não lembrava de tudo da noite daquela festa — só de pedaços, como fotos velhas espalhadas pelo chão. Mas o jeito que ele me segurou agora, era o mesmo.
Eu fiquei ali, tentando sentar, a respiração curta.
Ele percebeu que eu tinha acordado e soltou um suspiro.
— Bom… já que tá tudo bem, vou embora — ele disse, sem olhar muito pra mim.
A Bruna se virou pra ele, como quem só agora se dava conta de quem era.
— Calma, como assim “vou embora”? Você nem se apresentou, caralho — ela falou, meio debochada.
Mas ele já tinha dado as costas, indo embora como se nada tivesse acontecido.
Eu me forcei a falar, mesmo com a garganta seca.
— Bruna… é ele — eu sussurrei, a voz fraca. — Eu tenho certeza que é ele.
Ela me olhou, sem entender.
— Como assim, Enya?
— Ele… o toque dele… eu lembro. Eu lembro da festa. É ele.
A Bruna arregalou os olhos e, antes que eu pudesse segurar o braço dela, ela saiu correndo.
— Bruna! — eu tentei gritar, mas a voz morreu na garganta.
Eu fiquei ali, tonta, sentindo a cabeça rodar. O cheiro dele ainda estava no ar, misturado com o cheiro de cerveja e fritura do bar.
Tudo o que eu conseguia fazer era segurar o tampo da mesa e rezar pra não desmaiar de novo.
Érico
Eu tinha dado as costas. Já tava indo embora quando ouvi a voz dela de novo, mas não parei.
Eu só queria sair dali — não tinha nada a ver comigo, não era problema meu.
Eu desci os dois degraus da entrada do bar e me meti na rua, as mãos enfiadas nos bolsos, o vento batendo no rosto. Eu precisava de ar, de espaço, de qualquer coisa que não fosse aquela confusão que eu tinha acabado de presenciar.
O cheiro dela ainda tava no meu nariz, e isso me deixava puto de um jeito que eu não sabia explicar. Eu queria esquecer, apagar. Mas não dava.
Eu já tava no meio da rua quando ouvi passos atrás de mim.
— Ei! Ei, você! Espera! — era a voz de uma mulher, alta e impaciente.
Eu nem precisei virar pra saber que era a amiga dela.
Dei mais dois passos, mas ela veio correndo, quase tropeçando na calçada.
— Ô, caralho! Para aí, porra! — ela gritou, e eu parei, só pra não ter que ouvir mais grito.
Virei devagar, o rosto dela vermelho, ofegante.
Eu a encarei, esperando o que vinha.
Ela parecia pronta pra morder alguém.