Ana sentia o calor da respiração dele na pele antes mesmo de conseguir entender se o que via era real. O homem diante dela — ou criatura, talvez ambos — não era apenas perigoso. Ele era soberano naquele mundo sombrio. E ela, estrangeira, caída entre monstros que a observavam como se fosse um prêmio… ou uma ameaça.
O lorde lobo a olhava como um caçador estuda uma presa incomum. Com fascínio. Com fome.
— Humana… — repetiu ele, saboreando a palavra como se fosse proibida. — Ou algo parecido.
Ana engoliu em seco.
— Eu... não sei como vim parar aqui. Eu estava em um hospital. Uma cirurgia. Luzes. Então...
Ela parou. Qualquer explicação soaria como loucura. Até para ela mesma.
— Um mundo sem portais há mais de quatrocentos anos — ele disse em tom baixo, quase para si. — E mesmo assim, aqui está você.
Ele se moveu. E mesmo com a postura relaxada, havia ameaça em cada passo. Seus olhos não piscavam. Seus sentidos pareciam absorver tudo ao redor — inclusive o cheiro do sangue que ainda escorria vagamente da coxa de Ana.
— Você se curou. Sozinha. — Ele se agachou diante dela, com um controle brutal. — Isso é magia antiga. Rara. Proibida.
— Eu não sei o que você quer de mim, mas eu preciso voltar — Ana respondeu, tentando manter a voz firme.
— Voltar? — Ele riu com escárnio. — Você acha que o mundo permite isso? Ninguém entra ou sai por acaso.
Ela recuou. Mas ele era rápido.
Com um único movimento, ela se viu cercada. As garras dos lobos estavam cravadas no chão. Eles aguardavam uma ordem. Apenas uma.
— Eu não sou sua inimiga — ela disse, olhando para o homem, tentando ignorar o modo como seu peito nu refletia a luz da lua carmesim. O modo como seus músculos tremiam com contenção, como se a fera dentro dele estivesse sempre à beira de explodir.
Ele se inclinou mais perto, os olhos fixos nos dela.
— Diga seu nome.
— Ana.
Ele tocou o colar que pendia em seu pescoço — um simples crucifixo de prata.
— Nome estranho para uma bruxa — disse com desconfiança.
— Eu não sou uma bruxa. Sou médica.
— Médica?
A palavra parecia sem sentido para ele.
Ela hesitou. Então decidiu simplificar:
— Eu curo pessoas.
A sobrancelha dele se arqueou. Ele parecia considerar algo, pesar possibilidades. Então, com uma decisão rápida, ele se levantou.
— Tragam-na.
Ana não teve tempo de protestar. Braços fortes a puxaram, e antes que pudesse lutar, já estava sobre o dorso de uma criatura imensa, sendo levada floresta adentro.
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A fortaleza surgiu no horizonte como um colosso adormecido. Esculpida na rocha negra de uma montanha, com torres pontiagudas, estandartes desfiados e portões de ferro, parecia mais um mausoléu do que um lar.
O ar cheirava a madeira queimada, terra molhada e sangue.
Quando os portões se abriram, Ana sentiu o peso de dezenas de olhos sobre ela. Criaturas de formas humanas, mas com presas afiadas e olhares bestiais, pararam tudo para observá-la.
— O que é isso? — sussurrou uma mulher de pele cinza e olhos prateados.
— É um presságio — murmurou outra.
— Ou uma maldição — disse alguém mais velho.
Ela foi levada ao interior da fortaleza, por corredores frios e escuros, até ser empurrada para uma câmara de pedra com paredes decoradas por runas antigas.
O lorde lobo entrou atrás dela. Agora sem o manto, apenas com as calças de couro e a presença opressora de quem domina tudo ao seu redor.
— Me chamo Kael — disse ele, com a voz baixa. — E este é meu domínio. Você está sob minha custódia... por enquanto.
— Eu não sou sua prisioneira.
— Ainda não — respondeu com um sorriso torto.
Ele se aproximou de novo. Perto demais. Ana sentiu o calor do corpo dele, o cheiro selvagem, quase viciante. Algo primitivo dentro dela reagiu.
— Por que não me matou? — ela sussurrou.
— Porque você é valiosa. — Os olhos dele brilharam dourados. — E porque quero entender... o que há em você que não deveria mais existir.
Ana ficou em silêncio. O coração batia rápido. O medo pulsava junto com a estranha atração que aquele homem — aquele lobo — despertava nela.
— Humanos foram exterminados neste mundo — ele continuou. — Queimados. Caçados. Tidos como impuros. Se descobrirem o que você é...
Ele não precisou terminar.
Ela já sabia.
Estava sozinha em um mundo onde sua existência era um erro.
E ele... o caçador alfa que podia decidir salvá-la.
Ou destruí-la.
Kael tocou o rosto dela, com um dedo apenas. E em vez de ódio, havia outra coisa em seus olhos agora. Fascínio. Confusão. Desejo.
— O que você é, Ana?
Ela não soube responder.