O Outro Lado da História
O Outro Lado da História
Por: R. Santtiago
Capítulo 1

Meus pais se mudaram para Nova Iorque quando eu ainda era um bebê, com poucos meses de vida. Meu pai, advogado; minha mãe, repórter de um jornal local na Coreia do Sul. Quando ela recebeu uma proposta de trabalho de uma grande emissora americana, parecia uma chance de ouro, a oportunidade de recomeçar, de crescer, de construir algo maior.

Eles largaram tudo. Amigos, família, raízes. Trocaram o conhecido pelo promissor, o conforto pelo sonho.

Maldito o dia em que ela disse sim para aquele trabalho.

Quando eu tinha apenas dois anos de vida, minha mãe foi arrancada do mundo. Não por doença, nem pelo tempo, mas pela violência crua, insensata, que invade feito tempestade e nunca pede licença.

Ela cursava o mestrado em jornalismo numa universidade conceituada, acreditando que palavras mudariam o mundo. Mas, naquele dia, foram as balas que falaram mais alto em um atentado planejado por monstros.

Quatro tiros de metralhadora, todos no peito.

Não houve fuga, não houve grito.

Encontraram-na escondida numa cabine do banheiro feminino, com as mãos entrelaçadas às de outra mulher. Ambas mortas. Ambas silenciadas.

Os assassinos não esperaram julgamento. A covardia deles foi até o fim, e tiraram a própria vida antes que a polícia pudesse nomeá-los.

Uma tragédia, foi o que os jornais disseram. Mas tragédias, por mais que te partam, têm um jeito frio de virar apenas palavras com o tempo. Eu era pequena demais para lembrar, pequena demais até para entender que faltava alguém ao meu lado. Cresci com um vazio que não sabia nomear.

A ausência da minha mãe não era um buraco, era um silêncio. Um silêncio que se escondia nas fotografias dela emolduradas na estante, nos olhos do meu pai quando ele achava que eu não estava olhando, nas perguntas que eu queria fazer, mas nunca tinha coragem.

Ela era uma sombra presente em tudo, nas festas da escola, nos aniversários, nas noites em que eu chorava sem saber o porquê. Todo mundo falava dela com uma doçura quase sagrada. Mas eu só queria saber quem ela era. Que cheiro ela tinha. Como era sua risada... Crescer sem uma mãe é como andar com um sapato que não serve. Você se acostuma, aprende a caminhar, até corre, mas algo sempre dói. Mesmo quando ninguém vê.

Benjamin tinha apenas seis anos quando seu mundo também desmoronou. O filho da mulher que morreu ao lado da minha mãe. A morte o marcou de um jeito que criança nenhuma deveria conhecer. Foi neste fatídico dia que meu pai conheceu o tio Vance. Os dois estavam juntos quando encontraram suas esposas no banheiro. No dia do funeral coletivo das vinte e três pessoas mortas, na quadra de esportes da universidade, eles descobriram que ambos tinham filhos pequenos, e ali começou uma amizade inabalável.

Cresci cercada por três homens quebrados: meu pai, tio Vance... e Benjamin.

A dor deles se entrelaçou de um modo estranho e silencioso. Meu pai e tio Vance se tornaram irmãos na tragédia, e Benjamin foi o fio que me manteve ligada a esse passado nebuloso que eu nunca vivi, mas que sempre esteve à minha volta, como um nevoeiro que nunca se dissipa completamente.

Ele sempre esteve lá. O menino de olhos tristes que sorria para mim como se eu fosse a única luz em seus dias. O menino que se deixava pintar com minhas maquiagens baratas, que inventava histórias de piratas para me distrair das noites em que meu pai chorava escondido no banheiro. O mesmo que me vestia de menino para jogar beisebol, e ria alto quando eu errava todas as bolas, só para me deixar menos frustrada.

Benjamin era meu abrigo, e eu, a lembrança viva da infância que a vida tentou arrancar dele.

A adolescência não nos separou, pelo contrário... Fizemos aulas de música juntos; ele, violão, e eu, piano. Natação, francês, culinária, e até mesmo dança de salão. Sempre estivemos juntos.

Quando ele entrou na faculdade e eu ainda penava no ensino médio, nosso laço apenas se fortaleceu. Ele me levava e buscava todos os dias no colégio, no seu carro vermelho barulhento, e me ouvia reclamar da vida como se eu fosse a pessoa mais interessante do mundo. Eu ouvia sobre suas aulas, seus professores, seus planos para o futuro. Ele me protegia do mundo com a mesma intensidade com que o enfrentava.

Eu era a irmã que ele escolheu amar como ninguém. E eu também o amava. Como se ama alguém que sempre esteve lá, antes mesmo que você soubesse o que amor significava.

Mas naquela noite, tudo começou a mudar.

Chovia muito, como em um clichê barato. Eu estava no quarto, deitada de lado na cama, com Orgulho e Preconceito aberto pela décima vez, quando ouvi a batida na janela. Três toques secos. Reconhecíveis. O nosso código.

Levantei o olhar devagar e lá estava ele, encharcado, com o cabelo colado na testa e os olhos mais escuros do que o céu lá fora. Algo estava errado.

Abri a janela sem pensar duas vezes. A partir dali, eu não era mais só a irmã mais nova. Nem ele era só o protetor. Havia algo nos olhos dele que eu nunca tinha visto antes, e que, mesmo sem entender, meu corpo reconheceu como perigo.

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