O olhar de Alexandre se manteve fixo a estrada por longo tempo, eu me sentia ansiosa, querendo roer as unhas, não sabia como seria esta conversa, sequer estava preparada para olhar no rosto do meu pai, e sobre nós, não falamos nada. Quando a sua mão tocou o meu joelho, eu estremeci, olhei para Alexandre receosa, e o olhar que ele me deu de volta, em silêncio, por alguns segundos, era douradouro o suficiente para que eu soubesse que não haveria mais uma vez. E talvez fosse melhor assim.Eu não queria perder a cabeça, não por um homem, ainda mais um que não era meu. Ele voltou a olhar a estrada, me ignorando ao seu lado, e como ele, fitei a janela, tentando fugir de tudo aquilo, havia um desejo enorme de resolver tudo de uma vez, e ir embora, mas eu sabia que isso machucaria pessoas que sequer sonhava com esta loucura, a amizade entre eles é linda, eu desejei ter uma amizade assim, alguém que me defendesse mesmo quando eu estivesse errada.Olhei para Alexandre ali a espera do sinal ver
Achei que íamos para casa. Mas ele apenas abriu a porta do carro e apontou o banco do passageiro. A minha cabeça latejava por causa do excesso de choro, crises de pensamentos. — Talvez tenhamos começado errado — disse, sem me olhar diretamente. — Eu deveria ter tirado um tempo pra você. Te mostrar a cidade, os lugares importantes, os meus pais... — Lamentou ao constatar.— Não precisa — murmurei, ainda confusa com aquela súbita mudança de tom, a cabeça latejando. Ainda tentando digerir o que havíamos vivido minutos atrás, ele parecia outro homem, onde poderia guardar tantos sentimentos.Mas ele insistiu. E não sei por quê, talvez por instinto, talvez por curiosidade, aceitei ir com ele, eu não queria mais brigas, eu queria me entender com ele, ter alguma conexão.Seguimos para o shopping. O almoço foi simples — grelhados, arroz, suco natural. Nenhum luxo, nenhuma pressa. Conversamos pouco, mas de forma leve. Pela primeira vez, ele me perguntou coisas banais: se eu gostava de doce ou
Maria Vitória entrou em meu carro receosa, enquanto eu buscava mantér uma posição formal, homem mais velho, um tio postiço, um homem que eu ainda iria buscar ser. Enquanto a sua natureza alba, tranquila e ao mesmo tempo provocante me instigava a rememorar cenas de dias anterior. Para ela, tudo parecia bem, afinal sentou ao meu lado, usando a sua calça jeans, seu coturno marron, e a blusa vermelha, tranquilamente, mas a mente e mil, os seus pensamentos a levavam para longe do veículo e talvez isso fosse confortante para nós dois. Percebi o seu receio quando toquei em seu joelho ao passar a marcha, ela me olhou engolindo em seco, e numa troca de olhar breve, nós dois compartilhavámos o mesmo olhar. Era como um desejo quente, ardente, que buscávamos dar um basta, em respeito a pessoas que amamos. Ela não me disse nada, apesar da sua boca se entre abir. Desviei os olhos para a estrada, atentando-me ao movimento do dia, das idas e vindas dos carros.Até que chegamos ao hospital, era como
Passei o resto da manhã me sentindo sonza com tudo aquilo.Quem, afinal, era Heitor Montenegro?O homem que me mostrou os cavalos, que me fez rir com histórias de infância, que me deu leite de cabra numa caneca de alumínio e me chamou de vento... ou aquele outro — o das festas com pessoas desconhecidas, da música alta na madrugada, da bebida escorrendo entre os dedos, como se cada gole fosse um esquecimento?Por que ele vivia daquele jeito?Era fuga? Era negação? Era apenas solidão mal disfarçada?Tomei um banho longo. Muito longo. A água escorria pelo meu corpo e parecia carregar um pouco das dúvidas também. Ainda havia lama nos meus cabelos, os resquícios da noite no campo, picadas de mosquito marcando minha pele como pequenas tatuagens da lembrança. Mas eu não reclamava. Como poderia?Eu estava apaixonada pelo meu pai.E isso era tão absurdo quanto real.Apaixonada por um homem imperfeito, mas que, de repente, carregava em si todas as características que eu imaginei para um herói d
O resto da tarde se tornou uma tragédia. Eu não conseguia assimilar, entender o que havia acontecido com Maria Clara e o pior: a certeza de que tudo era culpa minha.A técnica veio até meu consultório me informar que o paciente já estava pronto. Assenti, ausente, e uma hora depois, a mesma informação me foi passada novamente. Eu me sentia em transe, colado à cadeira como se o tempo não existisse. O pior foi perceber que Heitor sequer cruzou aquela porta durante o dia. Adiei a cirurgia, me considerando incapaz de operar. Pela noite, quando cheguei em casa, Maria Clara já estava lá com sua camisola de cetim branca, robe por cima, impecável como se nada houvesse acontecido. Tive medo de me aproximar. As lembranças da tarde me invadiam: ela me puxando pela calça, passando saliva na mão para se lubrificar... Me senti sujo, invadido por algo que, até ontem, era rotina.— O que houve? Está mesmo farto do Heitor? — Sua pergunta me tirou do torpor. Me virei, tentando entender.— O quê? Não...
Algo dentro de mim pesava, eu sentia pena dela, apesar de tudo. Queria contar-lhe a verdade, mesmo sem ter o direito de falar. Meu pai desceu, veio em minha direção e, quando menos esperei, me deu um beijo na testa. Depois foi até Ana Liz e fez o mesmo com ela. Eu o olhei, ainda receosa. Tudo era tão bom... E o medo de querer ficar, de me agarrar a ele, era real.— Bom dia, minhas princesas! — falou, alegre e animado.— Bom dia, meu amor — respondeu Ana Liz, enquanto ele se sentava à mesa.— Bom dia, pai!— Espero que tenha dormido bem, Maria Vitória. Meu amor, por favor, troque aquela bendita decoração do quarto da minha filha. Faça tudo que ela quiser, está bem?— Acho que não precisa, pai. Deixa o quarto como está — respondi, mas ele negou com a cabeça.— Tem muito rosa, muito frufru, ursinhos... Você não é alérgica?Assenti. Até sou, mas aquilo não estava sendo um problema.— Maria Vitória, eu quero que você se sinta confortável. Está bem?Ele segurou minha mão e acariciou meus ded
A manhã chegava ao fim, quando cheguei ao refeitório. Maria Vitória estava simplesmente encantadora. Sua pele brilhava, os olhos também, e embora eu soubesse que a razão de tudo aquilo fosse o seu pai, eu mal conseguia controlar a minha mente.A filha do meu melhor amigo era o meu desejo mais inapropriado.Ela se engasgou com a possibilidade de me acompanhar nas cirurgias, tossindo e bebendo água, lutando contra o medo — e, talvez, contra o temor de ficarmos a sós.Eu nunca ultrapassaria os meus limites. Na minha mente, eles deveriam estar bem estabelecidos.— Hoje não. É o primeiro dia dela aqui. Cedo demais para ver sangue. — Poderia ser traumatizante para Maria Vitória.Ela assentiu, embora eu desconfiasse que seus medos fossem outros. A fragilidade exposta me agradava. Eu não queria obscenidades, e ela também não parecia querer.Pelo menos, era isso que seu jeito transparecia.— Como preferir. Se você acha melhor protegê-la, o que não nos faltará são dias pela frente para explorar
Os dias no hospital pareciam fazer o tempo correr. E, por mais que a minha paixão fossem os estudos, a cada dia que passava, o meu desejo de esticar mais a minha estadia se instalava. Eu não queria voltar para o Rio. Não queria me sentir sozinha, abandonada pela minha mãe — que, mesmo sabendo que eu estava longe, tentando uma relação com o meu pai, não mandou sequer uma mensagem em dias. Tampouco queria lidar com Marcelo, cujas mensagens eu vinha ignorando, esperando o momento certo de mostrar tudo para a minha mãe. Tudo isso me fazia desejar tudo, menos retornar ao Rio de Janeiro.Mas o que me restava era pouco. Oito dias passaram rápido.Na manhã de domingo, levantei cedo, odiando ter que deixar o meu quarto, a minha cama. Olhei em volta: o quarto branco e rosa, observando cada detalhe, a cômoda cor-de-rosa com o abajur em forma de guarda-chuva em cima, as pelúcias nas prateleiras, os coraçõezinhos nas paredes… e até mesmo o pequeno beliche ali.— Nem parece que esse quarto era de cr