Os meus dias se tornavam cada vez mais cheios.
Eu ainda pensava em tudo, a manhã no hospital, a tarde na palestra, noite no seminário.
Cheguei em casa tarde da noite, mas foi o silêncio que me atingiu primeiro. Um silêncio que não era paz, era alerta. Um presságio, um aviso sutil de que algo estava prestes a acontecer. Um tipo de vazio denso, que se espalhava pelo corredor como névoa antes da tempestade. Subi os degraus devagar, sentindo o peso do dia se acumular nos ombros. A maleta escorregava da minha mão, o paletó já amarrotado pelas idas e vindas, por vestir e despir ao longo das horas, ou por simplesmente estar ali, à espera.
Passava das onze da noite. Eu havia avisado que não viria direto pra casa, depois da palestra, talvez esticasse no hospital. Maria Clara não precisava me esperar, mas o evento acabou cedo, a chuva mudava os planos naquela noite. Nossos dias estavam cheios, corridos. E o que um dia foi promessa de vida mansa, de descanso, se perdia lentamente em trabalhos intermináveis.
O andar de cima estava escuro, exceto pela fresta de luz vinda do nosso quarto. A porta entreaberta, hesitei. Me sentia exausto. Coisas simples, rotineiras, já não eram leves. Com os anos, tudo pesa.
Um suspiro, outro. O som era molhado, abafado, íntimo. No primeiro instante, estranhei. No segundo, duvidei.
— Quica, isso, gostosa, vai, vai, isso... Ahhhh! — Uma voz masculina entre sussurros e grunhidos que nunca tinha ouvido antes me atingiram. Ali, naquele corredor familiar a minha pulsação saltou. Um calor estranho subiu pelo meu rosto. A mão apertou a maçaneta. E, sem pensar, empurrei a porta já aberta.
A cena explodiu diante de mim.
Corpos se moviam na minha cama, em completa escuridão. A Minha esposa montada sobre outro homem. Os cabelos castanhos desgrenhados, colados à testa suada. As costas nuas, desenhando curvas que antes eram minhas. O lençol lilas, escorregava, revelando o que jamais imaginei ver: os seios dela, arfando, à mostra; os lábios entreabertos num êxtase que não me pertencia.
Eles se moviam juntos, embalados no ritmo da traição. Até que o som da porta batendo interrompeu tudo, enquanto velando tudo aquilo, engoli em seco a dor, o peso da traição, as minhas mãos tremiam, meu corpo suava, apesar da chuva fina que caia lá fora.
Ela virou o rosto, os olhos dela encontraram os meus, congelaram. O homem de pele negra, mais jovem, talvez uns dez anos a menos que eu, musculos saltitantes, cabelos crespos, engasgou de susto. A empurrou para lado, e em seguida sentou na cama, tentou pegar a calça do chão, mas a nudez deles já estava cravada na minha memória.
— Maria Clara? — A minha voz saiu rouca de raiva, embargada.
Minha voz saiu baixa, áspera, como se rasgasse minha garganta. O lençol subiu com pressa, mas já era tarde. O corpo dela, mesmo coberto, gritava luxúria. A pele avermelhada. Agora de quatro na cama, tentando se recompor. A culpa estampada no rosto como se tivesse sido esculpida a fogo.
— Xande... eu... — Ela tentou dizer, quando não havia desculpa. Nenhuma palavra cabia naquele espaço.
Eu olhava para ela e não conseguia reconhecê-la. A mulher com quem dividi minha vida, minha cama, meus sonhos… agora exposta, entregue a outro, no lugar que era meu.
— Na nossa cama? — Tudo que consegui dizer.
A pergunta escapou antes que eu pudesse contê-la. Não era somente raiva. Era choque. Incredulidade.
O homem abaixava a cabeça, tentando se vestir às pressas. O cheiro no quarto era outro. Umidade, suor, perfume feminino misturado com colônia. Uma mistura agridoce e vulgar.
— Você nunca está aqui! — ela explodiu, os olhos marejando. — Nunca! Quando está, é só hospital, plantão, cirurgia, tese, congresso, artigo! Você me deixou sozinha há anos, Alexandre!
Ela disse meu nome como se fosse uma acusação.
— Isso justifica... isso? — gesticulei, sem saber onde fixar o olhar. No lençois caídos? Nos dedos dela ainda marcados pelo prazer? — Eu achei que estávamos juntos nisso. Que sabíamos os custos. Você sabia com quem casou.
Ela riu. Um riso curto. Ácido.
— Eu casei com um homem apaixonado pelo jaleco. Que salva o mundo inteiro, mas me deixava morrendo aos poucos. Você não me tocava mais, Xande. Eu me sentia invisível.
Isso não era verdade, eu tinha tentando na noite anterior e ela disse que estava com dor de cabeça. — E resolveu se mostrar pra outro? Na nossa cama?
Minha voz falhou. Então veio o enjoo. Uma náusea surda. Nojo. Pena. Frustração.
— Isso muda tudo, Clara. — Era claro que mudava, todas as suas recusas, os seus horários excessivos de trabalho.
— Já estava mudando há muito tempo. Você só não percebeu. — Gritou, enquanto a ficha caia.
O silêncio caiu de novo. Mas, desta vez, não era denso. Era definitivo.
Peguei meu paletó. Não olhei para trás. O som dos passos dela, o murmúrio do outro homem, os suspiros abafados, os lençóis... tudo virou ruído distante. Eles discutiam entre si, quando parti.
Desci como se os degraus pertencessem a outro mundo. Um universo que não era mais meu.
Do lado de fora,a chuva caía, o ar estava úmido. Respirei como se buscasse um pedaço de mim mesmo.
****
O bar estava quase vazio, só o som da TV ao fundo e o tilintar esporádico de copos no balcão. Aquele lugar esquecido pela cidade era o refúgio silencioso de Heitor. Sempre que a vida ameaçava ruir, ele me trazia ali. Hoje, era a minha vez de desabar.
O gelo no copo girava devagar. Como se aquele uísque pudesse me anestesiar. Como se tivesse o poder de apagar a imagem que ainda queimava nas minhas retinas. Clara. Outro homem. O lençol que nunca mais será só nosso.
— Clara está com outro. E não é de hoje — falei sem rodeios, sem filtro. A voz saiu baixa, carregada de vergonha. — Pela forma como os corpos se encaixavam... aquilo não era novo. Era íntimo. Familiar.
Heitor abaixou os olhos. O silêncio dele era mais respeitoso do que qualquer frase de consolo.
— Desculpa, cara. Eu nem sei o que te dizer.
— Engraçado... — dei um leve riso sem humor. — Quando a gente tá dentro da tempestade, não percebe o quanto o barco já estava fazendo água.
Ele assentiu. Como quem já soubesse, mas se recusava a ser o mensageiro.
— E você ainda ama ela?
A pergunta ficou no ar, reverberando entre a fumaça da cozinha e o cheiro agridoce do álcool barato. Amor. Parecia ser palavra difícil agora.
— Eu amava o que a gente foi um dia — respondi, encarando o âmbar do copo. — O resto virou encenação. Ela tem razão. Eu me escondi atrás da medicina, me enterrei em plantões, congressos, aulas... — Dei um gole. — Mas não foi por ego. Eu achava que estava protegendo a gente. Fazendo tudo valer a pena, um aposentadoria digna, uma vida confortável, como sempre planejamos.
— Às vezes, o legado cobra caro — disse ele, meio rindo, meio triste.
— Cobra. E não é parcelado.
Mais um silêncio ficou entre nós.
Então Heitor largou o copo sobre a mesa, me olhou de lado, como quem pondera se deve ou não dizer algo.
— A minha cobrança também chegou, Alex. A Laura me ligou. — Soltou como se fosse um peso.
— Laura que Laura? — perguntei, mais por impulso do que por interesse. A cena de Clara me traindo ainda corroía por dentro.
— A mãe da minha filha, Maria Vitória. — Disse me olhando seriamente, após um longo suspiro.
Maria Vitória. O nome ressoou estranho. Como algo que incomoda e atrai ao mesmo tempo. Talvez fosse o contraste entre “Maria” — contido — e “Vitória” — explosivo. Mas era só um nome. Sendo filha dele, eu apostei no segundo.
— Me ligou pra reclamar da menina. Disse que não tá dando conta, quer que eu vá buscá-la. — Desabafou.
— Quantos anos ela tem?
Ele deu de ombros, bebendo mais um gole.
— Não faço a menor ideia, talvez cinco, seis, não me lembro ao certo.
A minha agenda continuava lotada, por mais que a minha cabeça estivesse entre a dor da traição e uma agenda lotada de cirurgias, me ocupar parecia a melhor saída. Evitar uma conversa com Maria Clara, naquele momento, era a única forma de manter alguma sanidade, evitando conflitos que nos machucaria mais, por isso, fui a Capital do Rio de Janeiro, era uma palestra importante. O auditório da universidade federal estava lotado. Era o encerramento de semestre naquela faculdade. Alunos de medicina e enfermagem de todas as fases se amontoavam nos bancos desconfortáveis de plástico, alguns anotando freneticamente, outros apenas fingindo interesse. Eu estava acostumado com aquilo: palestras, congressos, aulas inaugurais. O mesmo ciclo de frases de efeito e gráficos impactantes.Mas naquela noite havia algo diferente no ar. Talvez fosse o cansaço da viagem ou o incômodo de estar de volta ao Rio, onde memórias passadas ainda sussurravam em cada esquina, lembrando-me que o nosso para sempre não
O quinto semestre finalmente chegava ao fim, com uma palestra de peso, o doutor Xavier, era reconhecido no meio da medicina por suas habilidades em cirurgias complexas, mas se destacava pelo auto controle, algo que eu precisava dominar, o sexto período se aproximava, eu precisava saber mais a respeito. Mesmo longe de casa, hospedada na casa da tia Helena, eu não conseguia parar de pensar na minha mãe. Nem eu, nem tia Helena entendíamos suas razões. Por mais que doesse, eu ainda tentava.O celular vibrou em algum canto da casa. Fui procurá-lo, com a esperança boba de que fosse ela. Mas ao ver "Isis" na tela, atendi com um suspiro e levei o aparelho ao ouvido enquanto lavava as mãos.— Ai Amiga, tô de saco cheio do Thiago.Ela mal esperou eu dizer "alô". Nunca fui de ter muitas amigas, e talvez por isso aturasse os desabafos repetitivos.— Termina, oras — falei, sem filtro.— Claro que não! Só tô cansada dele. Quero sair um pouco. Por que a gente não viaja essa semana?Era a oportunidad
Saí em busca de um aquecedor, já que o quarto não tinha um. Quando voltei, encontrei um intruso na minha cama.Ele ou ela estava encolhida sob o cobertor, a respiração leve, como se tivesse se apropriado do espaço sem o menor constrangimento. Franzi o cenho, mas a luz novamente se apagou. — Droga, estas tecnologias, não chegam tão boa para nós. — Reclamei do sensor.— Quem está aí? — Perguntou uma voz feminina jovem, me deixando perplexo, eu havia entrado no quarto errado? Me perguntei conferindo os bolsos, num hábito comum quando estou inseguro. — Eu quem pergunto, quem está ai? Este é o bangalô número quatro. Está reservado para mim — Antes que eu terminasse, a desconhecida sentou na cama, fazendo com que aquele bendito sensor funcionasse de vez. Meu olhar se fixou instintivamente ainda mais ao perceber que ela estava completamente nua.Ela era uma visão deslumbrante. Seus cabelos escuros pouco úmidos, como a noite sem lua, caíam em cascatas sobre seus ombros, como se cada fio tives
— Eu quem pergunto. Este é o bangalô número quatro. Está reservado para mim.Sentei-me na cama, e a luz finalmente se acendeu.Diante de mim, o homem de cabelos grisalhos, mas não velho. Seu semblante era cansado, mas não abatido. O olhar, negro e profundo, fixava-se em mim com o cenho franzido. Havia algo de inquietante naquela presença, uma força contida, quase perigosa, seu corpo alto e de postura imponente, eu o conhecia, e o admirava. Ele exalava uma elegância rara, daquelas que não se aprende, apenas se carrega. Cada movimento era silenciosamente calculado, mas cheio de uma sensualidade natural, como se o próprio ar ao redor dele soubesse que precisava abrir caminho. Era lindo, mas de um jeito que doía, não pela perfeição, mas pelo impacto. Tinha charme e mistério nos gestos, desejo nos silêncios e uma beleza cruel que parecia feita para ser proibida.Eu tinha corrido contra o tempo, naquela quarta-feira para assistir a sua palestra, enfrentando dois ônibus lotados, correndo pel
Mavi entrou no quarto, usando um vestido branco de alças finas, com desenhos em tons azuis bastante marcantes por baixo uma cacharel quase do tom da pele fina, desde o almoço, ela usava aquela peça, uma linda garota, que chama a atenção sem perceber. Ela sentou na mesma poltrona novamente, e sem hesitar abriu o livro lendo de onde parou, era como se buscasse paz, o que me fez imaginar que em nenhum outro bângalo teria, eram casais até mesmo no de solteiro naquele momento, a chuva fina, era como uma premissa convidativa para atos afetuosos e liberações de desejos sexuais. Me olhou por algum momento, como se soubesse que eu ainda a olhava, nossos olhos fixaram por algum momento que não controlei, ela em silêncio me observou e eu fiz o mesmo, até que desviou os olhos para o livro novamente. No quarto bângalo, o quarto laranjeiras, com um aroma agradavel, naquele momento, eu oscilava entre ter tomado a decisão correta, em pedir o divórcio me separando da unica mulher em que me unir para
Tudo nele me atraia, em pouco tempo de conversa com Alexandre, era melhor do que esta naquela palestra, inteligente, sábio, experiente, os seus modos de gesticular, as pausas entre as falas, além do modo gentil, cavalheiro e educado. Eu nunca, nunca me senti tão protegida, tão acolhida na vida. Adormeci na sua cama, e apesar de algumas vezes termos trocado olhares, ele não se aproveitou disso, ele mexia comigo, provocava sensações que eu achava que nunca ia sentir. Houve uma paixão aqui outra ali, mas nada que me fizesse senti o corpo em chamas somente com um olhar, os olhos de Alexandre não ia diretamente ao meu corpo, eles se demoravam em meus olhos, como se os lesse e se importasse com o que eu dissesse em cada palavra. Até parar em minha boca, acompanhando cada movimento dela, e ali se demorava. Achei que ele ia me beijar pela tarde, depois na fogueira, Isis até comentou que nós estavámos nos olhando demais, que eu tinha dado para ele, rolei os olhos ao ouvir, e em seguida, f
Mas como eu, um dos rapazes também a olhava, ignorando a namorada ou esposa do lado, a cantoria durou até a madrugada, a chuva se intensificava, andei em direção ao bângalo sem conseguir ignorar aquele, olhei para o bângalo dos ipês dourados. Vendo a porta fechada, então finalmente haviam se acertado? Me perguntei, eu nunca havia pensado em estar com outra mulher durante anos, e sequer olhado para outra com interesse, Mavi me parecia quebrar um ciclo de anos, isso só mostrava o quanto a minha união com Maria Clara estava enfraquecendo. Entrei no quarto reflexivo, a solidão da madrugada se ambientava ao cômodo. Eu jamais conseguiria confiar, esquecer aqueles gritos, gemidos e como ela conseguia ser tão...eu a sequer reconheceria naquela cama, daquele jeito. A intimidade entre eles, me incomodava ainda mais. Saber que ela havia sido de outro, enquanto era minha, como poderia? Estranhei que Mavi não estivesse na cama, ou no quarto, então eles se entenderam? Bebi algumas doses
Eu decidi parar de adiar aquele momento. O homem acima de mim, estocando firmemente, era lindo, embora não mais jovem, seus cabelos grisalhos, desgrenhados, os olhos nos meus, até que as suas mãos seguraram as minhas levando-as acima da minha cabeça, eu jurava que não ia gostar daquilo. Franzi o cenho, engolindo em seco, e quando ele aprofundou. Abaixou me beijando nos lábios, até que grunhiu contra eles. — Hoooo. — Soltou um gemido com a sua voz rouca, beijou o meu ombro suado, até se jogar para o lado. Enquanto eu ainda tentava entender o que tinha acontecido, eu tinha lhe dado a minha primeira vez. O observei caido ao meu lado, retirando a camisinha, jogando no chão, adormeceu ao meu lado, tomei um banho tentando me acalmar, me vesti, cheguei ao bângalo de Isis peguei as minhas coisas, ignorando Thiago ali sentado, fumando, voltei ao bângalo. Observei o homem deitado apagado na cama, ainda de camisa, calça, o seu semblante calmo não denunciava sinais quaisquer do que havia feito.