Capítulo 76Enquanto isso, Luna…Ela não chorou.Nem quando os médicos improvisados disseram que Dante talvez não passasse da madrugada. Nem quando a bala foi retirada entre gritos e sangue, com o bisturi tremendo nas mãos de alguém que nunca quis ser cirurgião. Nem quando o pulso dele vacilou por segundos que pareceram eternidades. Nem quando o cheiro de morte pairou no ar, sutil como veneno.Ela não chorou.Em vez disso, firmou os pés no concreto frio da sala de guerra e olhou ao redor como quem renasce de um incêndio. Subiu na mesa central — a mesma onde antes só sentava com permissão, a mesma que já vira reuniões secretas, traições e planos que custaram vidas — e falou como quem sempre pertenceu ali, mesmo quando tentaram convencê-la do contrário.— A partir de agora, qualquer decisão estratégica passa por mim. Se alguém tiver problema com isso… pode sair. Mas se ficar, vai lutar do meu lado, até o fim.A sala ficou em silêncio. Um silêncio denso, pesado, como o ar antes de uma te
Capítulo 77LunaO sol ainda não havia subido quando despertei.A mansão estava mergulhada em silêncio, aquele tipo espesso e cheio de presenças que só se encontra em lugares onde a dor se instalou. O lençol escorregou pelas minhas pernas quando me sentei na cama. Senti o ar cortando a garganta, seco e frio. Mas não foi isso que me fez franzir a testa.Foi o enjoo.A náusea veio sem aviso, como uma onda revoltada invadindo um porto calmo. Corri para o banheiro, ajoelhei no mármore gelado e vomitei até o estômago doer. O gosto amargo na boca era familiar — eu já havia sentido isso antes, há muito tempo, quando era apenas uma adolescente assustada lidando com o mundo sozinha.Mas desta vez, não era medo.Era algo maior.Quando me levantei, encarei meu reflexo no espelho. Olheiras fundas, cabelo desalinhado, a expressão dura que aprendi a carregar desde que Dante caiu. Mas havia algo a mais. Um brilho estranho, uma dúvida sussurrando nos contornos do meu rosto.Levei a mão ao ventre, dev
Capítulo 78LunaA madrugada passou lenta.Tentei dormir. Não consegui.Fiquei deitada na cama, mãos no ventre, olhos presos ao teto, ouvindo os sons abafados da mansão respirando ao meu redor. Cada passo no corredor, cada porta se abrindo ou fechando, cada suspiro do vento contra as janelas... tudo me parecia ampliado.Talvez fosse o instinto.Ou talvez fosse o medo.Por volta das sete da manhã, levantei. Tomei um banho morno, vesti uma roupa limpa e, pela primeira vez em semanas, me olhei no espelho tentando enxergar outra coisa além da guerreira exausta.Talvez estivesse ali. A mulher por trás da armadura. A mãe.A porta do quarto se abriu devagar. Não precisei olhar para saber quem era.Chiara sempre foi sutil como uma brisa que anuncia tempestade.— Você saiu ontem sem dizer nada. — Sua voz era firme, mas baixa. Ela entrou, fechou a porta atrás de si. — E voltou com uma expressão que eu não via desde… bom, desde o dia em que conheceu o Dante.Assenti em silêncio, sentando-me na b
Capítulo 79LunaO dia começou como os outros: céu cinzento, nuvens paradas, ar pesado. Mas algo dentro de mim sabia, hoje não seria como os outros.Mariana entrou no quarto por volta das oito, os passos rápidos, a expressão mais tensa do que o habitual. Vi no brilho dos olhos dela que algo grave havia acontecido.— Ele está aqui — disse, sem preâmbulos.Meu sangue congelou.— Quem?— Marcelo Rivas.O nome bateu em mim como um soco seco. Não porque eu não estivesse esperando, mas porque agora... tudo era diferente. Eu não era mais a assistente dele. Nem a protegida de Dante. Nem mesmo a mulher em guerra.Eu era mãe.Mesmo que ainda em silêncio, a vida dentro de mim pulsava com mais força do que qualquer exército armado.— Onde ele está?— Na Zona Leste. Conseguiu reunir alguns antigos aliados. Está tentando se reorganizar. Espalhou rumores de que quer te capturar viva. — Mariana pausou. — Para negociar com o Conselho. E fazer você... pagar por “trair o seu verdadeiro lugar”.Soltei um
Capítulo 80LunaO corredor do hospital tinha o cheiro agridoce de desinfetante e saudade. Cada passo ecoava como se eu caminhasse sobre gelo fino — não pelo medo de cair, mas pelo peso do que estava prestes a dizer. Havia dias em que o silêncio no quarto de Dante me feria mais do que qualquer palavra maldita de Marcelo. Hoje, no entanto, algo em mim parecia diferente.Eu não vinha buscar consolo. Vinha trazer uma notícia.Abri a porta devagar, quase com reverência. Ele estava ali, como sempre, deitado, preso entre máquinas e esperanças. Os batimentos cardíacos marcavam o tempo como um metrônomo impessoal. A luz do fim de tarde invadia o ambiente pelas persianas entreabertas, tingindo a pele dele com um tom dourado e pálido.Fechei a porta atrás de mim. Sentei na poltrona ao lado da cama. Toquei a mão dele — fria, ainda, mas firme. Como se, mesmo dormindo, ele resistisse a ceder.— Dante... — minha voz saiu baixa, um sussurro mais para mim do que para ele. — Acabou.Fechei os olhos po
Capítulo 81DanteA luz me incomodava. Mesmo com os olhos fechados, eu sentia. Algo quente, filtrado, pulsando atrás das minhas pálpebras como se o sol estivesse apenas esperando que eu abrisse os olhos. A consciência voltava em ondas, cada uma trazendo um pouco mais de dor e de memória.Fragmentos.Tiros. O nome dela. O gosto de sangue na boca. E, depois, o silêncio.Minha cabeça parecia pesada demais para o corpo. Minha garganta seca, como se eu tivesse passado dias no deserto. Mas havia outra coisa. Um cheiro. Algo familiar. Doce. Calmo. Vida.Luna.Não era só uma lembrança. Era presença.Senti sua mão segurando a minha. Era firme, mas suave. A pele dela sempre teve esse contraste — quente, viva, determinada. Havia algo de reconfortante nesse toque, como se meu corpo finalmente tivesse reencontrado o eixo.Tentei mexer os dedos. Uma reação mínima, mas ela notou. Sempre nota.— Dante?A voz dela quebrou o silêncio com delicadeza, quase como uma súplica. E, ao mesmo tempo, uma afirma
Capítulo 82DanteO ar da manhã parecia mais fresco do que eu lembrava. Ou talvez fosse eu, diferente. Desacostumado a sentir o mundo de verdade, depois de tanto tempo entre a vida e o quase. A cadeira de rodas avançava devagar pela rampa do hospital, empurrada por um dos enfermeiros. Ao meu lado, Luna caminhava em silêncio. Mãos firmes no encosto, coração palpitando como se ela estivesse empurrando não só meu corpo, mas todo o peso do que atravessamos até ali.Ela sorriu quando nossos olhos se encontraram. E eu soube que não importava o tempo que levaria, ela estaria ali. Até eu ficar de pé de novo. Até voltarmos a ser algo mais do que sobreviventes.— Está pronto para voltar pra casa? — ela perguntou.Assenti. E mesmo com o corpo ainda frágil, a mente cansada e os músculos endurecidos pelo coma, aquela palavra — casa — teve um sabor doce e cheio de possibilidades.***A mansão estava diferente.Mais leve, talvez. Ou só mais viva.As flores do jardim estavam bem cuidadas. Os portões
Capítulo 83LunaMeses depoisA madrugada chegou com um silêncio estranho.Não era o silêncio tenso dos dias em que vivíamos à sombra da guerra. Era outro tipo. Um silêncio cheio de expectativa. Como o momento que antecede um trovão — você sente antes mesmo de ouvir.Acordei com uma pressão na barriga. Não era só desconforto. Era diferente. Um aperto profundo, como se meu corpo tivesse despertado junto com a criança dentro de mim, e ele dissesse: “É agora.”Sentei na cama devagar. Dante dormia ao meu lado, o braço estendido em minha direção, como se mesmo dormindo quisesse me proteger.— Amor… — toquei seu ombro, tentando não transparecer o medo que começava a crescer. — Dante, eu acho que tá começando.Ele abriu os olhos no mesmo instante. Os instintos dele eram tão afiados que às vezes eu me esquecia do quanto ainda estava aprendendo a me sentir segura. Mas com ele, eu sempre soube que podia.— Agora? — ele se ergueu, completamente alerta. — Tem certeza?Respondi com um olhar e outr