NARRAÇÃO DE BRADY DAWSON...
Aproximei-me lentamente. Não sei lidar com crianças. Nunca estive sozinho com uma. Ela parecia curiosa, observava cada canto do escritório. Depois baixou o olhar para o chão — justamente para a mancha que Sara, a empregada, não conseguira limpar por completo. — O que é isso? — apontou. Sorri, desconcertado. Cocei o cenho. O que dizer? Eu não podia afirmar que era sangue seco... Não para uma criança tão pequena. — Sujeira — murmurei, constrangido. Ela me olhou e se aproximou sem o menor sinal de medo. Depois puxou minha calça, na altura do joelho. — Você viu a minha mãe? Abaixei-me, tentando ajudá-la de alguma forma. — Como ela se chama? A menininha abaixou a cabeça, pensativa. Talvez fosse informação demais para alguém que aparentava ter três anos. — Mamãe. A resposta me arrancou um riso genuíno. — E como ela é? — Bonita. Ela é legal e não me deixa descalça. Senão eu fico dodói — disse, fazendo um biquinho prestes a chorar. Meu sorriso murchou um pouco. Ela me fitou de novo, com aqueles olhos redondos. — Ela trabalha aqui. — Eu posso te ajudar a encontrá-la. Como se separou dela? — Eu tava no quarto... aí saí pra brincar de espiã. Mas não achei o quarto de novo... Ele sumiu — deu de ombros com uma inocência engraçada. Ri, mas parei no instante em que ela tocou minha barba por fazer. — Isso espeta — resmungou, dando tapinhas leves. Segurei sua pequena mão com cuidado. — Vamos encontrar sua mãe? Mas ela soltou minha mão, distraída com a coleção de cavalos de enfeite perto da estante. Correu até eles, ficou na ponta dos pés tentando alcançar, deixando até o coelho de pelúcia no chão. — Pega pra mim! Quero brincar. Ainda agachado, sorri. A pureza era tanta que ela esquecia o que queria, bastava um novo brinquedo surgir. Levantei-me, peguei alguns cavalinhos e os coloquei no chão. Ela riu. A risada parecia com a daquela personagem do desenho Masha e o Urso. Me sentei ali, no tapete, sem me reconhecer. Eu... estava sorrindo demais. E por um instante, a escuridão dentro de mim se dissipou. Enquanto ela brincava, aproveitei para observá-la. — Qual é o seu nome? — Julie — respondeu sem parar de brincar. — Eu me chamo Brady. Ela parou, me encarou com as sobrancelhas finas franzidas. — Mamãe disse que você é um ogro. Engasguei com a vontade de rir. — Ah é? Foi mesmo? — Sim. Eu ouvi quando ela falou com a vovó... Eu comi toda a sopa. — E o que mais ela disse? Julie franziu os lábios, pensativa. — Nada. Só que vai ganhar muito dinheiro e vai comprar outro urso pra mim. Sorri. Estava prestes a perguntar mais quando a porta se abriu com força. Sara entrou ofegante. Os olhos marejados. Correu até a filha e a puxou, obrigando-a a ficar de pé. — O que eu falei, Julie?! Não era pra sair do quarto! — repreendeu, visivelmente nervosa. As lágrimas já escorriam. Julie chorou, assustada com o tom. Sara sacudia seus braços, sem perceber a força. — Calma! Não precisa disso — intervi. Ela me encarou, encharcada de lágrimas. Pegou a filha no colo, ainda soluçando. — A filha é minha, e eu a educo como achar certo! Naquele instante, percebi: aquela empregada não era qualquer uma. Tinha gênio forte e não aceitava ser confrontada com facilidade. — Ela só queria te encontrar. Veio pedir ajuda e se encantou com os cavalinhos — expliquei. Notei suas mãos trêmulas segurando as costas da menina. Coloquei as mãos nos bolsos e esperei que se acalmasse. Após alguns minutos, ela enfim respirou fundo. — Me desculpe — sussurrou. — Achei que não teria problema trazer minha filha. Não tinha com quem deixar... Minha mãe passou mal. Então... — fechou os olhos, sentindo-se julgada — Desculpe por ter sido grossa. Eu estava nervosa. Suspirei, ainda a encarando. Uma das empregadas espiava da porta, provavelmente ajudava a procurar a criança. — Pegue a menina. Quero falar com a empregada Sara... a sós. Ela assentiu, pegou Julie dos braços da mãe e saiu, fechando a porta. Enfim, estávamos a sós. Sara ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha, mas os fios escapavam da touca como sempre. — Deveria ter perguntado antes — adverti, mesmo estando de guarda baixa. Gostei da criança... mas ela não precisa saber disso. Sara não conseguia me encarar. Fitava o chão. Seus olhos voltaram a se encher de lágrimas. — Eu realmente não tinha com quem deixá-la. E eu... eu não podia perder esse trabalho. Ela depende de mim. Caminhei até a mesa, me sentando com calma. — E o pai? — Ela não tem. — Fez sozinha? — Ninguém faz filho sozinho. Se ela não tem pai é porque ele nunca esteve presente. Arqueei as sobrancelhas. — Compreensível... — Estou liberada? — a voz dela tremia. — Não trarei ela de novo, me desculpe se atrapalhei seu trabalho. — Não atrapalhou — respirei fundo e a encarei. Dessa vez, ela sustentou o olhar. — Mas se precisar trazê-la ou surgir qualquer imprevisto, eu preciso saber antes. — Com certeza. Ela abaixou a cabeça. Pigarreei, hesitando entre a indiferença e o cuidado. — O que sua mãe tem? — Diabetes. Pressão alta. Está internada e... eu não posso ficar com ela no hospital. Voltei a olhar a tela do notebook. Meus dedos teclavam devagar. — Tire o dia de folga. Não descontarei do seu salário. Vá cuidar da sua mãe. Avise que o ogro te liberou — sorri, lembrando do apelido. O rosto dela empalideceu e enrubesceu ao mesmo tempo. — N-não... Suspirei, entediado. A chuva lá fora continuava sem trégua. Levantei-me. — Vamos. Eu levo você ao hospital. Passei por ela, ignorando sua tensão. Só por hoje... eu ajudaria aquela família