Transei ontem com o filho de um senador.
Hoje, a noiva dele tá me xingando nos comentários do I*******m.
Em francês.
Acho sexy.
Eu acordo às dez e quarenta, com o som da notificação estourando no celular como um tapa da realidade. Os olhos ainda ardem da ressaca, mas o batom vermelho continua intacto — o que, sinceramente, diz muito sobre mim.
A manchete do dia:
“Selene Castiell é flagrada deixando hotel com acompanhante misterioso. Herdeira ou devoradora?” Devem achar que me ofendem com isso.
Eu dou um gole no espumante esquecido na cabeceira e dou risada. A câmera pegou meu lado bom. De novo.
Desço enrolada no lençol e aceno pro segurança no saguão. Ele não me julga mais. Acho que perdeu as esperanças no segundo mês. Também, pudera. Um dia eu saio com um artista plástico. No outro, com o novo CEO de uma startup de inteligência artificial. Gosto de variedade. E de poder.
Não me apaixono.
Não me apego.
E não peço desculpas.
Porque, no fim das contas, ninguém me ensinou a ser gentil com o mundo. Me ensinaram a vencê-lo. E é isso que eu faço. Todos os dias.
Sou Selene Castiel.
Herdeira do império.
Escândalo com pernas.
Desejo com CPF.
E se alguém quiser me domar, vai precisar mais do que manchetes.
Vai precisar me encarar de frente.
E eu ainda não conheci homem que aguentasse isso.
A noite, decido encontrar uma amiga de longas datas. As taças tilintam como pequenas verdades prestes a se quebrarem.
O restaurante é um daqueles com garçons sérios demais e comida em porções poéticas. A vista é linda, o vinho branco gelado e caro.
Bianca já está na mesa quando eu chego. Vestido verde-esmeralda, cabelo preso com preguiça e um batom vinho que grita “não me subestime”.
— Achei que você ia furar — ela diz, erguendo uma sobrancelha afiada.
— E perder meu próprio julgamento semanal? Jamais. — sento, cruzando as pernas como quem se posiciona pra guerra. — Já me disseram hoje que sou a vergonha da alta sociedade?
— Na verdade, já estão chamando você de "tempestade de batom". Teve editorial sobre você numa coluna do El País. Falaram que você é “o desastre natural mais sensual da Europa”. — ela sorri. — Achei poético.
— E verdadeiro. — bebo um gole do vinho. — Fiquei com o filho do senador ontem. Ele disse que ia se divorciar. Eu disse: ‘não precisa, já tô indo embora mesmo’.
Bianca engasga de tanto rir. O garçom finge que não ouviu.
— Selene... Um dia, um desses homens vai tentar te domesticar.
— E vai levar uma mordida. — dou de ombros. — Eu não nasci pra coleira.
Ela me olha, divertida, mas com aquele fundo de quem me conhece melhor do que eu mesma.
— Sabe o que é pior? Eu acho que você acredita nisso de verdade.
— Porque é verdade. — olho em volta. A cidade aos meus pés, o mundo ao alcance dos meus saltos. — Eu não preciso de amor. Eu preciso de liberdade. Amor demais sufoca. Contrato demais, prende.
— Mas você é dona de uma empresa inteira.
— Exato. Por isso mesmo não tenho tempo pra um homem chorando porque eu não respondi uma mensagem em dez minutos. — pego o celular. Quatro mensagens de um ator que conheci semana passada. Leio, suspiro, deleto.
— Isso te deixa feliz?
A pergunta me pega desprevenida. Bianca nunca pergunta essas coisas. Ela me deixa ser o furacão que quiser — mas hoje, algo na voz dela pesa.
— Felicidade é superestimada. — respondo, com um sorriso treinado. — Eu tô viva. Eu tô no controle. Isso basta.
Ela não insiste. Apenas ergue a taça.
— À liberdade, então.
— À liberdade. — brindo, sem hesitar.
Mas no fundo do copo, vejo algo estranho.
Reflexo, talvez. Ou só uma sombra do que eu finjo não sentir.
Quando o garçom traz a conta, eu já apaguei da memória.
Mas à noite, sozinha no meu apartamento enorme demais e silencioso demais, eu lembro.
“Isso te deixa feliz?” E, pela primeira vez em muito tempo… eu não sei responder.