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Capítulo 4 – A Mulher de Olhos Perdidos

Os dias seguintes foram uma mistura de ansiedade e silêncio. Após a conversa com a diretora e o envelope em minhas mãos, uma nova pergunta se formava a cada passo: quem seria Clara Monteiro? O nome ecoava em minha mente, como se eu já o tivesse ouvido em algum canto do orfanato, sussurrado em noites de febre ou perdido entre os registros antigos. Mas nada me vinha com clareza.

Com o pouco dinheiro que ganhei trabalhando em um restaurante da esquina durante as noites, comprei uma passagem para a cidade vizinha. O endereço do asilo onde ela estava internada parecia pertencer a um lugar esquecido pelo tempo. A viagem foi curta, mas os pensamentos tornaram o trajeto longo.

O asilo ficava em uma rua de paralelepípedos, ladeada por árvores de folhas envelhecidas. Uma fachada simples, com janelas altas e grades pintadas de branco. Um letreiro dizia “Lar Esperança”. O nome parecia uma ironia cruel — ou talvez uma promessa.

Ao entrar, fui recebido por uma senhora de voz gentil, que me pediu para assinar um livro de visitas. Apontei o nome de Clara Monteiro, e ela imediatamente entendeu quem eu procurava. Não fez perguntas, apenas sorriu com compaixão e me conduziu por corredores silenciosos, onde o tempo parecia ter desacelerado. O cheiro de lavanda misturado a desinfetante fazia cócegas no nariz. À medida que passávamos pelos quartos, alguns idosos nos observavam com olhares cansados e esperançosos.

Parou diante de uma porta entreaberta.

— Ela está ali. Mas… tenha paciência — sussurrou a funcionária. — Clara tem momentos bons e ruins. Hoje parece ser um dia silencioso.

Assenti e respirei fundo antes de entrar. Meu coração batia alto demais. Lá estava ela, sentada junto à janela, com um cobertor nos joelhos e o olhar perdido para fora. O cabelo grisalho estava preso num coque frouxo, e os dedos enrugados repousavam sobre o colo, tremendo levemente. Por um momento, hesitei. E se não fosse ela? E se eu estivesse perseguindo um fantasma do passado que nunca me pertenceu?

— Dona Clara? — minha voz saiu trêmula.

Ela não respondeu. Nem se virou. Me aproximei devagar, até que ela finalmente mexeu os olhos e encarou minha presença. E então, algo dentro de mim estremeceu. Aquele olhar… havia algo ali. Não era reconhecimento pleno, mas uma faísca. Um fio tênue de lembrança que parecia se agarrar à realidade por um triz.

— Desculpe incomodar… — continuei. — Meu nome é Gabriel.

Ela piscou lentamente, como se o nome ecoasse em algum canto muito distante da memória.

— Gabriel... — murmurou, quase sem voz. — Você cresceu...

Meu corpo congelou.

— A senhora me conhece?

Ela voltou a encarar a janela, os olhos marejando, e balançou a cabeça como quem luta contra uma maré de esquecimento. Então sussurrou:

— Eu te segurei nos braços... ainda bebê...

Minhas pernas enfraqueceram. Sentei-me ao lado dela, sentindo o peito arder. O silêncio que se seguiu foi um campo de batalha onde memórias esquecidas tentavam emergir. Aquela mulher frágil diante de mim… seria realmente minha mãe?

Voltei no dia seguinte. E no outro. Em cada visita, levava algo novo: uma flor, um doce, um bilhete com meu nome escrito em letras grandes. Às vezes ela falava comigo como se fosse uma cuidadora, outras vezes me chamava de Eduardo — o nome que agora sabia ser o de meu pai biológico. Em raros momentos, me chamava de “meu filho”... e era nesses momentos que eu sentia o mundo girar em outro eixo.

Foi em uma dessas visitas que percebi não estar sozinho na sala. Havia uma jovem, com avental branco e cabelos presos, recolhendo roupas num cesto. Ela sorriu para mim com delicadeza.

— Você tem vindo sempre, né? Ela gosta de você — disse.

— Eu... acho que sou o filho dela. Ou quero acreditar nisso.

Ela se aproximou, sentando-se na poltrona ao lado.

— Meu nome é Helena. Cuido dela em alguns turnos. Clara é especial… às vezes, nos confunde com sombras do passado, mas tem uma doçura que toca a gente. — Olhou para mim com mais atenção. — Os olhos… são parecidos com os dela.

Sorri sem jeito, ainda tentando acreditar no que estava vivendo.

Conversamos por mais alguns minutos. Helena era diferente. Atenta aos detalhes, respeitava os silêncios, e sua voz era como uma brisa leve que me acalmava. Quando saí naquele dia, percebi que não apenas voltaria por Clara… mas também por aquela presença silenciosa e acolhedora.

À noite, repassei cada palavra que Clara dissera, tentando montar um quebra-cabeça com peças incompletas. Um pensamento insistente me acompanhava:

Se ela realmente fosse minha mãe… por que fui deixado no orfanato?

O mistério não estava apenas no passado... ele ainda pairava no presente. E a resposta, talvez, estivesse mais próxima do que eu imaginava.

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