Após o retorno de seu primeiro encontro com a mãe, Samuel se viu mais perdido do que nunca. A visita à casa de Clara havia trazido à tona não apenas um turbilhão de emoções, mas também uma série de questionamentos que pareciam não ter fim. Como ele poderia seguir em frente com tantas dúvidas sobre quem realmente era? E, mais importante, como poderia continuar a jornada de reconstrução de sua vida enquanto o peso do seu passado parecia tão presente?O silêncio que reinava em sua casa naquele final de tarde parecia ensurdecedor. Clara, agora internada em uma clínica especializada, estava bem, mas sua memória parecia flutuar entre a lucidez e a confusão. Ele sentia que, apesar de finalmente ter encontrado um pouco da verdade, ainda havia um abismo entre ele e as respostas que buscava.A tarde avançava lentamente, e as sombras se estendiam pelo chão de madeira do seu novo lar. Samuel estava sentado na sala de estar, os pensamentos indo e voltando entre as memórias do orfanato e os rostos
O sol havia desaparecido no horizonte, e Valmor estava envolta em uma leve brisa que suavizava o calor da tarde. Samuel olhava pela janela, contemplando a cidade silenciosa à medida que as luzes se acendiam uma a uma, criando uma paisagem tranquila, mas com um peso de melancolia em seu coração. A sensação de estar em um limbo entre o passado e o presente, com todas as perguntas sem resposta, estava se tornando cada vez mais difícil de ignorar.Helena, após uma breve conversa, havia se despedido para voltar para casa. Samuel sentiu a ausência dela imediatamente. Ela, com sua presença calma e palavras de encorajamento, sempre parecia trazer um pouco de clareza ao turbilhão mental que ele sentia. Mas agora, ele estava sozinho com seus pensamentos, e as dúvidas o consumiam novamente.Ele levantou-se e caminhou até a cozinha, decidindo que precisava fazer algo para distrair a mente. A sensação de estagnação estava começando a incomodá-lo. Ele colocou a chaleira para ferver, seus moviment
A noite estava mais densa do que Samuel imaginava. O peso das palavras de Isadora pairava no ar, e seu coração pulsava descompassado, tentando lidar com a avalanche de informações que ele mal conseguia processar. A revelação sobre a saúde de sua mãe e os segredos que pareciam estar enterrados há tanto tempo o deixavam confuso e agoniado. Tudo o que ele queria era encontrar alguma clareza, uma direção para suas emoções conflitantes.Eles ficaram em silêncio por alguns minutos, enquanto a tensão no ambiente parecia aumentar. Samuel olhava para sua irmã, tentando entender suas intenções, mas havia algo em seu rosto que ele nunca tinha visto antes: uma mistura de dor e culpa. Ele sabia que a última coisa que ela queria era causar mais sofrimento, mas a verdade estava à sua frente, e ela parecia disposta a compartilhá-la.Finalmente, Samuel quebrou o silêncio, sua voz baixa, mas firme:— Por que você não me contou antes? — perguntou, sentindo o peso da pergunta atravessar suas palavras.
Samuel caminhava pelas ruas da cidade com um peso no peito. Cada passo que dava parecia mais pesado do que o anterior, como se estivesse carregando não apenas o peso do presente, mas de todo o passado que estava prestes a ser desenterrado. O fato de ter decidido buscar a verdade o deixava dividido entre a ansiedade e o medo do que poderia descobrir. O que ele sabia sobre sua família? O que realmente significava aquele legado que seu pai deixara para trás? E o que ele descobriria ao finalmente abrir as portas de um passado que havia sido mantido em segredo por tanto tempo?Ao chegar ao escritório do advogado, Samuel parou por um momento na entrada, tentando reunir coragem. O prédio era imponente, com portas de vidro e uma fachada que passava uma sensação de formalidade e seriedade. Ele nunca tinha estado ali antes, e, por um instante, sentiu como se estivesse prestes a entrar em um território desconhecido. O medo de que a revelação fosse mais do que ele poderia lidar era real, mas a n
Nunca entendi por que meu quarto era o de número sete. Entre tantas portas desbotadas e maçanetas gastas pelo tempo, aquela era a única que rangia antes mesmo de ser tocada. O número estava torto, pendurado por um prego solto, como se resistisse a fazer parte do resto da casa. A maçaneta enferrujada não girava fácil — exigia um pequeno empurrão com o ombro. Era como se o próprio quarto recusasse visitas, até as minhas. Não havia muito ali dentro. Uma cama de ferro batido, com um colchão torto que afundava no meio. Um armário pequeno de madeira rachada, uma cadeira que rangia e uma janela com uma trinca no canto superior direito. Quando o vento soprava, a vidraça vibrava como se estivesse prestes a gritar. O cheiro era sempre o mesmo: poeira, mofo e alguma tristeza antiga. Mas ainda assim, eu gostava daquele lugar. Era meu. No orfanato Santa Margarida, onde eu vivia desde os quatro anos, poucas coisas eram verdadeiramente nossas. Roupas eram compartilhadas. Sapatos também. Brin
Os dias no orfanato seguiam um ritmo tão repetitivo que até o tique-taque do velho relógio de parede parecia zombar da minha existência. O sol nascia, a comida era servida com pontualidade monótona, e as atividades variavam entre tarefas domésticas e aulas improvisadas com livros doados por escolas que nem queriam mais saber deles. Tudo ali cheirava a desuso — como se cada canto carregasse o peso de memórias que ninguém queria manter vivas. Eu dividia o dormitório com mais três garotos. Um deles, o Nando, era o mais velho entre nós e se autodenominava nosso "protetor". Na verdade, só queria se sentir importante. Quando não estava implicando com os menores, ficava horas olhando pela janela, como se procurasse alguma fuga que nunca vinha. Certa manhã, acordei com um ruído abafado vindo do corredor. Espiei pela fresta da porta e vi a diretora arrastando pelos braços um dos garotos mais novos, o Raul. Seus olhos estavam cheios de medo e suas pernas, trêmulas. Ele havia molhado a cama ou
Eu tinha um lugar favorito no orfanato: um banquinho de madeira azul desbotado que ficava próximo à estufa abandonada no quintal dos fundos. Ninguém se importava com aquele canto isolado, talvez porque estivesse sempre úmido e com cheiro de terra. Mas era ali que eu sentia que podia respirar. Sentava ali todas as tardes, depois das tarefas, observando o céu mudar de cor. Às vezes, inventava histórias na minha cabeça. Outras, ficava em silêncio, ouvindo o canto dos pássaros ou o barulho do vento entre as frestas da velha estufa. Era um refúgio só meu. Certa vez, encontrei uma borboleta com as asas quebradas perto do banco. Cuidei dela por dias, tentando ajudá-la a voar novamente. Ela nunca voou, mas sempre voltava ao mesmo canto. Demos um nome a ela — eu e a borboleta: Esperança. Era bobo, talvez, mas naquele tempo, qualquer migalha de sentido era um alívio. A rotina no orfanato seguia dura. Acordávamos cedo com o som do velho sino da cozinha. Café ralo, pão duro, correria para o ba
Os dias seguintes foram uma mistura de ansiedade e silêncio. Após a conversa com a diretora e o envelope em minhas mãos, uma nova pergunta se formava a cada passo: quem seria Clara Monteiro? O nome ecoava em minha mente, como se eu já o tivesse ouvido em algum canto do orfanato, sussurrado em noites de febre ou perdido entre os registros antigos. Mas nada me vinha com clareza. Com o pouco dinheiro que ganhei trabalhando em um restaurante da esquina durante as noites, comprei uma passagem para a cidade vizinha. O endereço do asilo onde ela estava internada parecia pertencer a um lugar esquecido pelo tempo. A viagem foi curta, mas os pensamentos tornaram o trajeto longo. O asilo ficava em uma rua de paralelepípedos, ladeada por árvores de folhas envelhecidas. Uma fachada simples, com janelas altas e grades pintadas de branco. Um letreiro dizia “Lar Esperança”. O nome parecia uma ironia cruel — ou talvez uma promessa. Ao entrar, fui recebido por uma senhora de voz gentil, que me pediu