A mala não era grande, mas dentro dela Haruki levava toda uma vida comprimida: poucas roupas, um caderno cheio de rabiscos e ideias que ninguém nunca quis ler, um porta-retratos quebrado onde a foto de família já não fazia sentido, e a dor pulsante no peito. A porta se fechou atrás dele com um estalo seco. Sem olhar para trás, desceu as escadas do prédio como se cada degrau fosse um passo em direção à liberdade — ou ao abismo.
Do outro lado da cidade, o apartamento modesto de Ren, seu melhor amigo, o recebeu com um silêncio acolhedor. Ren, de moletom largo e olheiras de quem vira as madrugadas estudando, arregalou os olhos ao ver Haruki com a mala. — Cara... você realmente fez isso? Haruki assentiu em silêncio, os ombros tensionados como se estivesse segurando o próprio mundo nas costas. Sentou-se no sofá sem esperar convite. Não era orgulho — era cansaço. Um cansaço antigo, que já não cabia no corpo magro. — Meus pais... — começou ele, a voz arranhada. — Eles me acusaram de roubo. Chamaram a polícia, Ren. Por causa de um celular... um maldito celular que nem escondido estava. Ganhei de presente. Eles nem perguntaram. Ren não respondeu de imediato. Sentou ao lado, escutando com uma seriedade rara. Haruki continuou: — Eu trabalho, estudo, nunca dei um motivo... mas eles só esperaram um erro. Nunca confiaram em mim. Nunca olharam para mim. Eu... eu estava invisível naquela casa. — Eles te obrigaram a voltar? — perguntou Ren, preocupado. — Haruki, você ainda não tem dezoito. Podem... — Falta uma semana — interrompeu, encarando o chão. — Só uma semana. E até lá, preciso de ajuda. Preciso de um lugar seguro. Ren respirou fundo. Depois, com uma sinceridade firme, colocou a mão no ombro do amigo: — Sempre serei teu escudo, irmão. Aqui é tua casa agora. No instante em que Haruki cruzou a porta com sua mala, o mundo de seus pais começou a desmoronar. A princípio, não pareceram entender a gravidade do que haviam feito. Ficaram em pé, imóveis, observando o espaço vazio como se a ausência do filho fosse apenas uma brisa fria que logo passaria. O pai, com os braços cruzados, dizia para si mesmo que ele voltaria no dia seguinte. A mãe sentou-se no sofá, as mãos trêmulas cobrindo a boca, tentando conter o enjoo que subia. — Ele está só... bravo — murmurava ela. — Está só fazendo drama... Ele vai voltar... Mas Haruki não voltou. Na manhã seguinte, começaram a procurar. O pai ligou para números antigos da agenda, colegas de trabalho que ele já nem via mais. A mãe passou horas revirando papéis, cadernos, qualquer coisa que contivesse alguma pista. Descobriram que não tinham o número de nenhum amigo de Haruki. Nenhum. Não sabiam o nome completo de nenhum colega. Não tinham fotos recentes dele com alguém que pudessem reconhecer. Não sabiam sequer onde ele costumava ir depois do trabalho. Foi quando tentaram acessar suas redes sociais — talvez encontrassem algo ali. Mas nem sabiam o nome que ele usava. Procuraram por "Haruki", "Haruki Aiba", variações com datas de nascimento, apelidos infantis. Nada. Nenhum perfil familiar. Nenhuma foto. Nenhuma pista. Era como se ele nunca tivesse existido fora das quatro paredes daquela casa. A mãe começou a chorar. — Como não sabemos o nome do nosso filho nas redes sociais? Como não temos o número de um amigo sequer? — gritava ela, com os cabelos desgrenhados e os olhos arregalados. — O que somos? O que fomos? Tomados por uma urgência que beirava o desespero, saíram à rua. Interrogaram vizinhos, o homem da loja de conveniência da esquina, a senhora do terceiro andar, até mesmo crianças que brincavam no parque próximo. — Você viu o Haruki? Sabe para onde foi? Ninguém sabia. Ninguém sabia de nada. O pai, cada vez mais inquieto, começou a suar frio. A mãe, num impulso, sugeriu ir até a escola. — Talvez... talvez estejam em aula. Talvez ele tenha ido até lá... --- A recepcionista da escola os atendeu com gentileza e estranhamento. Pediu um instante. Chamou a coordenadora pedagógica. Logo, estavam sentados diante de uma mesa, sob a luz crua da realidade. — Haruki Aiba? — perguntou a coordenadora. — Ah... claro. Um dos nossos melhores alunos. A mãe arregalou os olhos. — Ele... está aqui? — Não — respondeu com suavidade, mas firmeza. — Haruki se formou há seis meses. O silêncio caiu como uma pancada seca. — Como... assim? A coordenadora buscou em sua tela. Imprimiu alguns documentos. Entregou a eles uma lista de premiações, certificados e um boletim com todas as notas. — Ele concluiu o ensino médio adiantado, com aproveitamento máximo em todas as disciplinas. Foi homenageado na cerimônia de encerramento, inclusive. Uma mente brilhante. Nunca faltava. Sempre educado. Silencioso, mas atento. Um verdadeiro exemplo. — Cerimônia...? — sussurrou a mãe, a voz trêmula. — Mas... por que não nos avisaram? A coordenadora a olhou, séria. — Enviamos convites. Chamamos para reuniões. Comunicamos por e-mail. Telefonamos. Ninguém atendeu. O pai apertou o boletim nas mãos, os olhos se enchendo. — Nós... não sabíamos. Achávamos que ele ainda estava estudando... A coordenadora suspirou. — Às vezes... os filhos desistem de ser vistos. Mas não por falta de brilho. E sim porque já aprenderam a brilhar sozinhos. --- O caminho de volta para casa foi feito em silêncio. A mãe segurava os papéis com as mãos suadas, os olhos fixos nas letras como se tentasse encontrar o filho nelas. O pai dirigia com os olhos vermelhos, mas não deixava as lágrimas cair. Ao chegar em casa, entraram como se pisassem em solo sagrado. O quarto de Haruki estava exatamente como ele havia deixado: limpo, organizado, mas com a porta trancada. O espaço ao redor agora parecia maior — vazio demais. Sentaram-se à mesa do jantar onde, por anos, comeram sem notar que alguém não se sentava mais ali. O peso da ausência era insuportável. — Ele estava... ao nosso lado esse tempo todo... e nós não vimos — murmurou a mãe, com a voz quebrada. — Achávamos que era só um menino difícil — respondeu o pai, finalmente rendendo-se ao choro. — Achávamos que ele estava só... passando por uma fase... — Mas ele estava desistindo de nós. E assim, no silêncio da casa que já foi cheia de ruídos inúteis, os dois começaram a entender que não haviam perdido Haruki naquela noite. Haviam perdido ele há muito tempo — quando escolheram não ver, não ouvir, não perguntar. E agora, tudo o que restava... era o eco de um filho desconhecido.