O céu de primavera tingia-se de um azul claro salpicado de pétalas de cerejeira, como se a própria natureza celebrasse a nova etapa que se aproximava na vida de Haruki. Faltavam apenas sete dias para completar dezoito anos, e com isso, sua liberdade plena. Pela primeira vez em muito tempo, ele se sentia... respirando.
Ren era como um escudo silencioso. Dividiam o pequeno quarto do apartamento dos pais de Ren com respeito e cumplicidade. Durante o dia, ambos saíam cedo — Haruki para seus turnos, e Ren para a faculdade — e à noite se sentavam lado a lado, vasculhando imóveis online e anotando preços, distâncias, condições.
— Olha esse, Haku — dizia Ren, apontando para a tela do laptop. — Duas habitações, 52 metros quadrados, bairro tranquilo em Nerima. Tem mercado perto e estação a seis minutos a pé.
Haruki inclinava-se, observando atento.
— É perfeito. E o aluguel está dentro do que posso pagar agora... com o novo salário.
Seu sorriso era discreto, mas os olhos brilhavam.
Haruki havia sido convidado por um gerente de uma companhia musical independente onde entregava encomendas diariamente. Um dia, após ouvir Haruki cantarolar uma melodia enquanto organizava pacotes, o homem o chamou, intrigado com a suavidade e precisão de sua voz. Dias depois, ele ofereceu um cargo de assistente musical em meio período. Com salário fixo e bônus por projeto, Haruki agora ganhava quase o triplo do que recebia antes. Tinha deixado os dois empregos exaustivos, e se dedicava ao novo trabalho com disciplina admirável.
Com as economias reunidas nos meses anteriores, encontrou um apartamento ideal: duas habitações, uma cozinha prática, banheiro espaçoso com ofurô pequeno, e uma sala de estar com luz natural, janelas largas e vista para um pequeno jardim interno repleto de flores sazonais, onde crisântemos e lavandas balançavam com o vento.
— Está fechado, Ren — disse Haruki certo de si. — Pago os dois primeiros meses adiantado amanhã. E você vem comigo, preciso da tua ajuda.
Ren sorriu, orgulhoso.
— Eu disse que seria teu escudo. E escudo não se abandona quando o herói encontra seu caminho.
---
Enquanto Haruki avançava, os Aiba mergulhavam em desespero.
O lar, antes regido por ordens e rotinas silenciosas, agora ecoava vazio. Os gritos haviam cessado. O calor das refeições nunca mais voltou. E pela primeira vez, alguém notava o frio.
A mãe de Haruki quase não comia. Passava os dias choramingando, acariciando uma das camisas que o filho havia deixado no cesto de roupas sujas.
— Ele... ele está mentindo — dizia, como se convencesse a si mesma. — Tratamos os dois da mesma forma. Ele... está só sendo ingrato. Ele... vai voltar...
Mas as palavras soavam ocas, sem raiz.
O pai, embora tentasse manter a pose de firmeza, tremia discretamente toda vez que olhava para a cadeira vazia da sala de jantar.
— Ele é só um moleque mimado... Não dura dois dias sem dinheiro...
Mas já se haviam passado treze.
---
A irmã de Haruki, ao regressar da escola certa tarde, encontrou os pais reunidos com os mesmos policiais que levaram Haruki na última confusão.
— Está tudo bem? — perguntou, surpresa.
Os agentes estavam sentados educadamente no chão da sala, tomando chá.
— Estamos preocupados — disse o pai. — Haruki fugiu... não dá sinal... ele é menor de idade!
Um dos policiais, um homem de meia-idade com feições serenas, respondeu com gentileza e formalidade.
— Entendemos a preocupação. Mas... seu filho não está desaparecido. Ele saiu por vontade própria. E como os senhores sabem... no Japão, aos dezesseis anos, um jovem pode sair de casa legalmente. Ainda que seja menor, não é ilegal. Especialmente se há condições mínimas de sobrevivência e trabalho.
A mãe arregalou os olhos, em negação.
— Mas ele não tem como viver sozinho! Ele precisa de nós!
— Ele está prestes a completar dezoito — completou a agente mais jovem. — E mesmo que o localizemos... se ele não desejar voltar, e demonstrar estar em segurança, não poderemos obrigá-lo. As leis são claras quanto à liberdade do indivíduo, sobretudo aos dezessete anos.
A irmã ficou em silêncio, como se pela primeira vez ouvisse realmente tudo que estava acontecendo. Pela primeira vez sentiu o que era... estar em segundo plano. Os pais não perguntaram como foi sua escola, não comentaram sobre seu dia, não lhe dirigiram os olhos. Toda a atenção, todos os temores... estavam voltados para Haruki.
Uma pequena dor brotou em seu peito. Ardia. Porque mesmo ausente, ele finalmente tinha se tornado o centro de tudo.
E ela percebeu, tarde demais, que Haruki sempre estivera sozinho, sempre fora invisível — até quando chorava em silêncio no quarto ao lado.
---
Enquanto os Aiba implodiam, Haruki caminhava pela cidade com uma chave nova no bolso. A chave do seu lar. Um espaço escolhido por ele, conquistado por seu esforço. Ren o ajudou com a mudança, carregaram caixas, móveis usados e colchonetes. Riram juntos ao montar uma prateleira torta, caíram exaustos sobre o tatame recém-colocado.
— E aí? — perguntou Ren, observando o teto branco.
— Aqui... eu posso existir — respondeu Haruki. — Sem precisar gritar para ser ouvido. Sem precisar fingir o tempo inteiro.
Olhou ao redor, respirando fundo.
Era modesto. Mas era seu.
E no jardim ao lado da janela, as flores balançavam... como se dançassem em homenagem à liberdade recém-nascida.