Pov Nicolas
“Nicolas, cadê você? Já são quase 22h!”A voz dela soou pelo alto-falante do meu celular, urgente e carregada de preocupação. Minha namorada, sempre atenta aos detalhes, não perdoava meus atrasos.“Amor, estou saindo agora. Tive um imprevisto com alguns assuntos da W.Corporation”, respondi, tentando manter a calma enquanto a ansiedade pulsava em minhas veias.“Poxa, de novo? Venha logo antes que a festa acabe.”, reclamou, num tom que misturava irritação e tristeza.Ainda com o coração acelerado pelo início tumultuado da noite, desliguei rapidamente, sentindo o peso das responsabilidades que repousavam sobre mim. Mal pude ouvir o segundo toque do meu celular, mas já vi o nome “Rafael” piscando na tela.
“Nicolas, estou na porta esperando”, a voz do meu motorista, firme e tranquila, trouxe um breve alívio à minha mente agitada.“Certo. Estou chegando”, respondi, guardando o celular no bolso enquanto saía da mansão com passos apressados.Enquanto corria pelos corredores frios da mansão, pensamentos conflitantes se misturavam em minha cabeça. Aos quase 29 anos, eu carregava não só a pressão de um império corporativo, mas também o fardo de um legado familiar milenar. Meu pai sempre disse que, quando eu fizesse 30, não só assumiria o comando da W.Corporation, mas também o de toda a matilha de Lua Nova. Tudo dependeria, contudo, de um último detalhe: eu precisava casar com minha companheira. Embora não fosse minha companheira loba, a figura mística e indomada que nossa tradição exigia, eu nutria por ela um carinho tão profundo que, em meus momentos mais silenciosos, já a imaginava ao meu lado para o resto da vida.
No banco do carro, enquanto Rafael aguardava, tentei organizar meus pensamentos. A pressão dos negócios, a expectativa do legado, e o carinho que eu sentia por Filipa lutavam por espaço dentro de mim. Rafael, percebendo meu olhar distante pelo retrovisor, comentou de maneira casual:
“Nicolas, você está bem? Percebi que hoje você parece ainda mais tenso que o normal.”Eu forcei um sorriso e respondi:“Estou bem, Rafael. Apenas muitos compromissos, sabe como é. Mas hoje, prometo, vou me concentrar no que reealmente importa.”Ele assentiu, silencioso, como se entendesse que, às vezes, palavras não bastavam para descrever.Aos poucos, o cenário urbano foi se transformando à medida que me aproximava do baile de formatura. O trânsito corria de maneira caótica, mas minha mente estava focada num turbilhão de pensamentos. Enquanto o carro avançava, recordava os compromissos pendentes na W.Corporation, as reuniões decisivas e as obrigações que me aguardavam ao assumir o comando da matilha. No entanto, havia também uma inquietação inexplicável, uma curiosidade que se agitava silenciosamente dentro de mim, como se o destino tentasse, de forma sutil, desviar meu olhar dos caminhos já traçados.
Ao estacionar em frente ao salão, respirei fundo e abri a porta do carro. Assim que meus pés tocaram o asfalto, um aroma inusitado invadiu minhas narinas. Não era o perfume refinado da noite, tampouco o odor habitual dos convidados. Era um cheiro selvagem, forte e inconfundível: o cheiro de lobo.
“Rafael, você sentiu isso?”, perguntei, meio incrédulo, enquanto ele abaixava a janela.“Não, senhor. Deve ser apenas o ambiente”, respondeu ele, com um tom neutro, mas meus instintos sabiam que algo estava fora do lugar.Aquele odor, tão intenso e misterioso, não pertencia à minha alcateia. Sabia que os membros da matilha mais próxima estavam a, no mínimo, seis dias de distância dali. E, definitivamente, aquele cheiro denunciava a presença de um lobo estranho, alguém que não fazia parte do meu legado.Determinando a ignorar a inquietante sensação, caminhei rumo à entrada do salão. No interior, o ambiente fervilhava com sorrisos, conversas animadas e uma energia que, por instantes, parecia esquecer a formalidade dos compromissos. Procurei um canto para ajeitar meu terno e, com um gesto quase ritualístico, abotoei a manga no pulso. Ao erguer meus olhos para absorver a cena ao meu redor, uma visão inesperada capturou minha atenção: uma bandeja repleta de copos de água, que se encontrava num equilíbrio precário.
De repente, como se a gravidade tivesse decidido intervir, a bandeja deslizou de suas mãos, e os copos voaram, despencando em direção ao chão. O som dos vidros se estilhaçando cortou o burburinho da festa, e por um breve instante, o tempo pareceu desacelerar.
“Ai, desculpe!”, ouvi uma voz suave e apressada, enquanto uma garota se abaixava para recolher os cacos de vidro.Instintivamente, agachei-me para ajudar. Nossos olhares se encontraram no meio do caos, os dela eram intensos, cheios de surpresa e, de alguma forma, melancolia, enquanto os meus buscavam respostas em meio à confusão.“Posso ajudar?”, perguntei, estendendo a mão para auxiliá-la na coleta dos pedaços de vidro.Ela ergueu os olhos por um breve momento, e em uma voz quase sussurrada disse:“Obrigada... Sinto muito, eu... eu sou tão desastrada.”Enquanto recolhíamos os cacos, notei algo que me perturbou: por mais que a proximidade deveria fazer seu cheiro se manifestar, aquele odor singular, marcante e inconfundível de qualquer ser, eu não sentia absolutamente nada. Era como se ela fosse uma exceção às leis da natureza. Meu coração acelerou com a surpresa, e, por um instante, senti que o mistério que a cercava transcendia o comum.“Espere, me deixe te ajudar a se levantar”, disse, estendendo minha mão com cuidado, como se temesse quebrar aquele breve momento de conexão. Ela hesitou por um segundo, mas aceitou o auxílio. Enquanto se erguia, nossos olhos se encontraram novamente, e senti uma conexão quase palpável.
“Eu... queria me apresentar”, comecei a dizer, com a intenção de criar um laço, de entender o que havia de tão singular naquele olhar. Mas, antes que eu pudesse continuar, uma voz alta e autoritária ecoou pelo salão:“Elena! Elena, venha aqui agora mesmo!”A interrupção foi súbita e definitiva. Ela recuou com um olhar de desculpas e surpresa, murmurando:“Desculpe, preciso ir…”, e, num piscar de olhos, desapareceu entre a multidão.Fiquei ali, com a mão ainda estendida, o olhar fixo no espaço vazio por onde ela havia sumido, e um sentimento de vazio misturado com fascínio se instalou em meu peito.A confusão reinava na minha mente. Por um lado, havia a responsabilidade avassaladora dos compromissos familiares e corporativos; por outro, um encontro tão inesperado e enigmático que parecia desafiar todas as convenções do meu mundo estruturado. Enquanto retomava meus passos, o burburinho e a agitação do baile continuavam a me envolver, mas algo em mim já havia mudado.
“Nicolas, está tudo bem?”, uma voz familiar quebrou meus pensamentos. Era Gustavo, um velho amigo e também um dos responsáveis por alguns assuntos da empresa.
“Sim, Gustavo. Apenas… foi um momento estranho. Você viu aquela garota?”, perguntei, tentando controlar o tom da minha voz.Ele, com um sorriso curioso, respondeu:“Vi sim. Ela parecia… desengonçada. Vê se não se mete com mulher em, que você é compromissado.”Eu apenas balancei a cabeça, incapaz de articular a estranheza do ocorrido. A ausência de qualquer cheiro, algo que, para mim, era uma das características mais fundamentais da presença de um ser, me inquietava profundamente. Como alguém poderia existir sem aquele traço tão essencial da identidade?Enquanto Gustavo se afastava para retomar suas conversas, tentei voltar à rotina do evento, mas a imagem dela, a garota com olhos intensos e sem cheiro, não sumia da minha mente.Ao me aproximar do bar, ainda tentando organizar meus pensamentos, ouvi a voz da pessoa mais importante para mim aquela noite.
A festa já tinha acabado há horas. Enquanto a maioria dos convidados já havia ido embora, eu ainda estava lá, com o corpo e a mente pesados de tanto trabalhar. Era quase 3 da manhã, e eu mal conseguia manter os olhos abertos. Desde as 17h, quando a festa começou, eu estava naquele mesmo ritmo, servindo, limpando e tentando não pensar demais nas minhas frustrações. As luzes do salão já estavam fracas e o barulho da multidão tinha se transformado em murmúrios e passos apressados dos poucos que ainda permaneciam. Eu, exausta, recolhia os últimos copos e guardava os cacos de vidro com cuidado, como se cada pedaço quebrado representasse um sonho que eu lutava para manter.Quando, por fim, a sala ficou quase vazia, respirei fundo e decidi que era hora de ir para casa. Com as mãos tremendo de cansaço, fui até o camarim, troquei meu uniforme por algo mais confortável, peguei minha calça jeans, meus tênis brancos, que, apesar de um pouco sujos, sempre me acompanhavam em minhas caminhadas solit
Pov ElenaCorri pela estrada, os pés batendo no asfalto frio e áspero. A cada passo, o som dos latidos me perseguia, como se o próprio lobo estivesse em uma caçada. Atrás de mim, eu podia ouvir o som ritmado de suas patas e os latidos que pareciam gritar: "Venha, venha, não fuja!" “Maldito, por que ele não me deixa em paz?!”, gritei, enquanto os pulmões ardiam e as pernas lutavam contra o cansaço. Cada passo parecia uma eternidade, e o som do lobo se tornava cada vez mais alto, ecoando na minha mente como um lembrete constante de que eu estava sendo caçada. Resolvi entrar na floresta. O caminho que antes era familiar agora se transformava em um labirinto sombrio. As árvores se estreitavam, formando um corredor natural e sinistro, e as sombras dançavam de forma inquietante à medida que eu corria. Por um instante, tropecei em uma raiz exposta e caí, raspando o joelho. A dor foi intensa, mas o susto era maior. Levantei-me rapidamente, arrastando o joelho machucado, e continuei corrend
Pov ElenaEu nunca imaginei que minha própria formatura pudesse ser palco de tantos sentimentos mistos e encontros inesperados. Naquela noite, enquanto servia água com minha bandeja trêmula, sentia que a vida estava cheia de nuances que eu mal conseguia compreender. Eu tinha 20 anos, faltando exatos três meses para completar 21, e, mesmo com toda a minha luta para chegar ali, a sensação era de que a vida não tinha grandes promessas reservadas para mim.Tudo começou quando, com a elegância contida de quem tenta manter as aparências, ofereci um copo de água para uma pessoa que passava. Era um gesto simples, mas naquele instante, enquanto minhas mãos seguravam a bandeja, senti o peso de cada escolha e a frustração de ter batalhado tanto para estar presente naquele evento. Eu havia sido a aluna mais jovem da turma de administração, juntei cada centavo trabalhando como garçonete para poder pagar a minha formatura, mas mesmo assim, o dinheiro sempre escorria pelos dedos antes do fim do mês.