O Escolhido da Lua
O Escolhido da Lua
Por: Otávio Coelho
I

Pov Elena

Eu nunca imaginei que minha própria formatura pudesse ser palco de tantos sentimentos mistos e encontros inesperados. Naquela noite, enquanto servia água com minha bandeja trêmula, sentia que a vida estava cheia de nuances que eu mal conseguia compreender. Eu tinha 20 anos, faltando exatos três meses para completar 21, e, mesmo com toda a minha luta para chegar ali, a sensação era de que a vida não tinha grandes promessas reservadas para mim.

Tudo começou quando, com a elegância contida de quem tenta manter as aparências, ofereci um copo de água para uma pessoa que passava. Era um gesto simples, mas naquele instante, enquanto minhas mãos seguravam a bandeja, senti o peso de cada escolha e a frustração de ter batalhado tanto para estar presente naquele evento. Eu havia sido a aluna mais jovem da turma de administração, juntei cada centavo trabalhando como garçonete para poder pagar a minha formatura, mas mesmo assim, o dinheiro sempre escorria pelos dedos antes do fim do mês. Dividir o apartamento com a Verônica, minha amiga inseparável, era uma constante lembrança das dificuldades que enfrentava.

Enquanto servia os convidados, o ambiente fervilhava de sorrisos e conversas animadas. Foi quando Filipa, uma colega de sala por quem sempre senti uma certa afeição, se aproximou de mim.

“Elena, você está radiante! Que tal dançarmos um pouco?”, seus olhos brilhavam com um carinho sincero, e eu pude notar que, para ela, eu era alguém especial.

Naquele instante, o desconforto me dominou: minha roupa, simples e sem adornos, me fazia sentir vulnerável, como se não estivesse à altura daquele momento.

“ Ah, Filipa, obrigada pelo convite, mas…”

“Mas nada. Venha, vai ser divertido!”, ela me puxa pelo braço, como se eu

“Eu agradeço muito, de verdade. Você está linda hoje, sabia? Mas... acho melhor eu ficar aqui mesmo, preciso continuar o trabalho!”

“Entendo... mas saiba que estou sempre aqui, se você mudar de ideia.”

Ver Filipa se afastar deixou um gosto agridoce, uma mistura de gratidão pelo carinho e tristeza por não conseguir me permitir o mesmo brilho.

Ainda imersa em meus pensamentos e tentando reorganizar a bandeja de copos de água, dei um passo descoordenado, trombando com um rapaz que parecia ter saído de um sonho. Ele era alto, com cabelos loiros e impecavelmente arrumados, e seus olhos verdes brilhavam com uma intensidade que me deixou momentaneamente sem ar. Vestido de forma elegante, sua presença contrastava com o ambiente descontraído da festa. Naquele breve instante, o tempo pareceu parar.

Eu, envergonhada e sentindo o rosto aquecer, tentei me abaixar para pegar os copos que caíram no chão. Para minha surpresa, ele fez o mesmo, inclinando-se com uma gentileza que poucos demonstravam em meio à correria da noite. Enquanto nós dois nos esforçávamos para recolher os copos, nossos olhares se encontraram. Não houve palavras, apenas um entendimento silencioso que fazia o mundo ao nosso redor parecer distante, como se estivéssemos imersos em um universo particular. Ele se levantou primeiro, estendendo a mão para me ajudar a levantar, e naquele gesto simples senti um calor percorrer meu corpo.

“Desculpa, não vi que você estava na minha frente. Eu sinto muito”, o rapaz olhava para mim com um olhar astuto, mas parecia que estava curioso. “ Muito prazer, meu nome é…”

Porém, antes que pudesse ouvir o nome dele, a realidade me puxou de volta. Minha chefe, com sua voz autoritária e preocupada, chamou por mim. Num impulso quase automático, saí correndo, deixando-o com um olhar repleto de curiosidade e talvez uma pitada de decepção. O breve encontro se desfez tão rápido quanto surgira, e eu fiquei com a sensação de que havia perdido algo que talvez nunca mais voltasse.

Mal tive tempo de recuperar o fôlego quando minha chefe se aproximou para me dar novas instruções.

“Elena, preciso da sua ajuda aqui. Verônica já está indo embora, você pode ficar até o fim da festa?”, Cintia colocou a mão na cintura, com seu olhar autoritário. 

“Mas, chefe…” 

“Eu entendo que a noite foi agitada, mas precisamos de você. A festa não termina enquanto houver serviço.” 

“Certo, vou ficar. Pode deixar.”

Verônica se aproximou de mim com seu olhar cansado. Sabia que ela já havia trabalhado o dia inteiro na lanchonete e estava muito mal, então, só fiquei feliz que a Cintia havia liberado ela antes do combinado. 

“Elena, eu estou saindo agora. Cuide-se e faça o seu melhor, tá?”

“Vou sim, Verônica. Boa noite e até mais tarde. Eu estou com a chave, tudo bem?” 

Voltei ao serviço, tentando, de todas as maneiras, esquecer o brilho dos olhos daquele rapaz e o breve toque de suas mãos.

Enquanto continuava a distribuir copos de água e a sorrir para os convidados, minha mente fervilhava com pensamentos confusos. Por que aquele encontro tão inesperado tinha me perturbado de forma tão intensa? Será que, no meio de toda aquela rotina de esforços e frustrações, eu estava apenas ansiando por um toque que acabou suprindo minha carência, por um olhar que me fizesse sentir vista e valorizada?

Mesmo enquanto servia as mesas, o episódio não saía da minha cabeça. Cada vez que cruzava o salão, via a silhueta elegante dele, sempre atento, mas recatado, como se respeitasse a distância que eu, inconscientemente, tentava manter. E, no fundo, eu sabia que a timidez e o medo de não ser boa o suficiente eram barreiras que eu mesma erguia para me proteger das decepções da vida.

A festa seguia seu curso, e os risos e conversas preenchiam o ar com uma leveza que contrastava com a intensidade dos meus sentimentos. A rotina de servir, atender pedidos, e reorganizar a bagunça dos copos quebrados se misturava aos meus pensamentos, fazendo-me refletir sobre a ironia de estar presente em uma celebração que, em muitos momentos, parecia um espelho das minhas próprias incertezas. Afinal, eu era a protagonista de uma história onde, apesar de todos os esforços e sacrifícios, o cenário era marcado por pequenas derrotas e a sensação de que, talvez, eu não merecesse momentos de felicidade plena.

Enquanto o tempo passava, tentei me concentrar nas pequenas tarefas, lembrando-me de que a noite ainda era jovem e que talvez, em algum momento, pudesse haver uma oportunidade de me aproximar daquele olhar intrigante. Mas a responsabilidade e a urgência do serviço me mantinham ancorada à realidade, afastando qualquer possibilidade de devaneio. Eu me perguntava se aquele breve encontro seria apenas um lampejo passageiro ou se, de alguma forma, ele poderia abrir portas para algo novo na minha vida.

Porém, naquele instante, tudo que importava era o presente imediato: continuar servindo, sorrir para os convidados, e cumprir com o que era esperado de mim. As contas apertavam, as responsabilidades chamavam, e, mesmo com o coração dividido entre o desejo de explorar o desconhecido e o conforto da rotina, eu sabia que não havia espaço para escolhas impulsivas naquele momento.

Ao final da festa, enquanto recolhia as últimas memórias de uma noite que misturava o sabor doce da realização com a amarga realidade das minhas limitações, senti um aperto no peito. Aquele olhar, o toque gentil, e o breve instante de conexão com aquele rapaz permaneceriam comigo, como um lembrete sutil de que, talvez, a vida tivesse mais surpresas guardadas do que eu jamais esperava.

Mesmo depois de ter me despedido dos convidados e limpado os rastros de uma festa que, para muitos, seria apenas uma comemoração, eu continuava a caminhar com a sensação de que algo havia mudado dentro de mim. Não era uma mudança drástica, mas um aceno tímido de que, apesar de tudo, eu ainda tinha a capacidade de me encantar, de sonhar e, talvez, de me permitir viver algo além da rotina implacável.

Naquela noite, entre copos de água derrubados e olhares furtivos, aprendi que, mesmo quando a vida parece não prometer grandes coisas, há momentos em que o inesperado nos lembra que a beleza pode estar nas pequenas atitudes e nos encontros mais simples. E assim, enquanto a festa chegava ao fim e a cidade se preparava para um novo amanhecer, eu segui em frente, com um futuro incerto, mas repleto de possibilidades.

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