Capítulo 6

Meu irmão tem razão.

Não verbalizei isso, claro. Seria dar munição demais para Matteo.

Mas enquanto o carro deslizava pelas ruas de Manhattan e o horizonte se tingia com o dourado do entardecer, aquelas palavras ecoavam em mim com a insistência de uma marretada suave: “Você tem 32 anos, tá ficando velho. Tá na hora de sentir alguma coisa.”

Eu sempre fui o mais racional entre os meus irmãos. O mais reservado. O mais… perigoso.

Matteo, com seus 28 anos, já estava casado com Giulia — uma mulher doce, com quem cresceu. Eles esperavam o primeiro filho, e às vezes ele falava da paternidade com olhos brilhantes, como se estivesse prestes a descobrir o verdadeiro sentido da vida. Francesca, nossa caçula, tinha 22 anos e estava noiva de um arquiteto italiano que eu investiguei pessoalmente antes de permitir qualquer cerimônia.

Já eu…

Eu era Lorenzo Moretti. O primogênito. O herdeiro de Don Enzo Moretti. O rosto frio por trás das negociações mais sangrentas da Europa. O homem que preferia contratos a sentimentos. Que considerava o amor uma fraqueza — uma falha estratégica.

Ou pelo menos... costumava considerar.

Desde que Estela cruzou meu caminho, meu mundo, tão limpo e calculado, começou a sair do eixo. A lembrança do cheiro dela, da pele quente contra a minha, da forma como me enfrentava com aqueles olhos... tinha se tornado constante, irritante e — pior — necessária.

Era mais fácil lidar com sangue do que com o que ela despertava em mim.

A mansão da família Moretti ficava nos arredores de Long Island. Um verdadeiro castelo moderno escondido entre jardins bem-cuidados, colunas de mármore e segurança em cada esquina. Ali não se escutavam tiros, nem ameaças, apenas o som de talheres, vinho e o perfume inconfundível de molho pomodoro da minha mãe.

Jantares em família eram obrigatórios. Não importava onde estivéssemos no mundo. Às sextas-feiras, tínhamos que estar na mesa. Mandamento de Beatrice Moretti, a mulher por trás do império que meu pai construiu.

— Finalmente! — Matteo ergueu uma taça de vinho quando entrei na sala de jantar. — O rei de gelo apareceu.

— Boa noite pra você também — respondi, sentando-me entre meu pai e Francesca.

— Lorenzo, meu filho — disse Don Enzo, erguendo o olhar de sua taça. — Está com o rosto melhor... menos carregado.

— É a iluminação — murmurei.

Minha mãe sentou-se à frente, linda como sempre, mesmo com os cabelos começando a embranquecer nas têmporas. Ela era a única capaz de me desarmar com um olhar. E me estudava como se estivesse vendo além da superfície.

O jantar seguiu tranquilo — massas, risadas de Francesca, provocações de Matteo. Até que ele resolveu abrir a boca.

— Mamãe… papai… e se eu dissesse que nosso caro Lorenzo está interessado em uma mulher?

Silêncio.

Beatrice quase deixou o garfo cair. Francesca arregalou os olhos. E Don Enzo arqueou uma sobrancelha.

— Como é? — minha mãe foi a primeira a falar. — Interessado?

— Obcecado, eu diria — Matteo continuou, enquanto Giulia ria baixinho ao seu lado.

— E quem é ela? — Francesca já estava apoiada nos cotovelos, esperando o drama.

Suspirei fundo, mantendo a expressão neutra. Mas dentro do meu peito, o nome dela ecoou como uma ameaça doce: Estela.

— Uma médica — Matteo respondeu por mim. — Cabelos avermelhados, olhos que cortam mais que uma navalha. Inteligente. Temperamento forte. E Lorenzo aqui parece não conseguir tirá-la da cabeça.

— Uma médica? — minha mãe sorriu, como se eu tivesse acabado de dizer que salvaria criancinhas famintas. — Isso é maravilhoso! E como ela se chama?

— Não é nada — cortei, pegando minha taça. — Só alguém que conheci. Irrelevante.

— Ah, claro. Irrelevante — Matteo zombou. — Tão irrelevante que você mandou Ricco rastrear a vida inteira dela.

Beatrice me lançou um olhar firme.

— Lorenzo... — disse com voz baixa. — Eu só quero saber se ela te faz bem.

Me calei.

“Ela me deixa em guerra.”

Mas não disse isso.

— É complicado — murmurei.

E era.

Porque no meu mundo, emoções eram fraquezas. E ainda assim, quando penso nela… tudo o que quero é ver Estela no lugar que deveria ser dela: ao meu lado. Não como peça do jogo. Mas como posse.

Sim. Posse.

Quero protegê-la. Quero dominá-la. Quero ser o único homem que ela olha, que ela toca, que ela beija. Só meu.

E o pior?

Ela já me pertence. Só não aceitou ainda.

***********

POV: Estela

Os corredores do hospital estavam mergulhados naquele zumbido constante: passos apressados, vozes abafadas, máquinas piscando. A ala parecia mais calma naquela hora, mas o meu corpo já pedia trégua.

Encostei a testa contra a parede fria do elevador. Respirei fundo. Nem era meio-dia e eu já me sentia como se tivesse vivido dois dias inteiros.

— E aí, doutora? Sobrevivendo? — a voz de Eduardo cortou meus pensamentos.

Virei devagar. Ele estava ali, com aquele sorriso de sempre — gentil, leve, como se o mundo não fosse um lugar tão pesado quanto realmente é.

— Mal — confessei, forçando um sorriso. — Foi uma manhã puxada. Três emergências seguidas, uma intubação complicada e uma mãe que quase desmaiou no consultório.

— Você precisa comer. Vem, a cantina ainda não explodiu… acho.

Ele estendeu o braço em direção ao corredor. Caminhamos lado a lado, e eu me esforcei para parecer presente.

Mas minha cabeça não estava ali.

Estava em outro lugar. Em outro nome.

Lorenzo Moretti.

Desde que descobri quem ele realmente era, dormir tinha se tornado um ato de guerra. Era como tentar descansar ao lado de uma arma carregada — bela, perigosa, silenciosa.

Ele não mentiu. Só não disse tudo.

E agora tudo fazia sentido: o olhar firme demais, o silêncio que dizia mais do que palavras, a forma como me estudava. Como se sempre estivesse avaliando o risco.

Como se eu fosse o risco.

Sentamos à mesa do canto, e Eduardo começou a falar sobre algo da última cirurgia — uma fratura exposta, eu acho. Assenti algumas vezes, balancei a cabeça como se estivesse ouvindo. Mas a verdade?

Eu não conseguia parar de pensar nele.

Lorenzo.

O homem que carrega sangue nas mãos e ainda assim me fazia sentir segura.

O erro mais evidente da minha vida… e ainda assim, eu queria que ele abrisse aquela porta agora e dissesse meu nome.

Idiota.

Inconsequente.

Completamente fora de mim.

— Estela? — Eduardo me chamou. — Você ouviu?

— O quê?

— Eu perguntei se você quer sair de novo. Jantar. Nada demais, só… pra respirar um pouco.

Respirei fundo. Olhei pra ele. Tão bom. Tão simples.

E eu não queria.

Mas como recusar alguém que só tenta te fazer bem?

Como dizer “não” sem parecer ingrata?

Antes que eu pudesse inventar uma desculpa, todos os bipes do andar começaram a apitar de uma vez.

— CÓDIGO VERMELHO NA EMERGÊNCIA — gritou uma voz no alto-falante. — Colisão múltipla. Ônibus escolar. Múltiplas vítimas. Todos os médicos disponíveis, compareçam imediatamente.

O refeitório se esvaziou em segundos. Eu e Eduardo trocamos um olhar rápido e saímos correndo pelo corredor.

Meu jaleco voava atrás de mim. Corações batiam mais rápido. Os sons de passos ecoavam por todos os lados.

Mas mesmo em meio ao caos… ele continuava ali.

Lorenzo.

Cravado em mim como uma bala que não atravessou, mas ficou.

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